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Vírus identificados na China infectam carrapatos bovinos no Brasil


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Os carrapatos são ectoparasitas hematófagos que se alimentam do sangue de vertebrados. São vetores de muitos tipos de microrganismos causadores de doenças que atingem cavalos, bovinos, cães, gatos e roedores, além do ser humano.

O carrapato bovino (Rhipicephalus microplus) é agente transmissor de doenças que causam perdas severas para a pecuária brasileira, chegando a US$ 3,2 bilhões ao ano, segundo dados de 2014.

Uma pesquisa liderada por virologistas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) tem ampliado o conhecimento sobre a diversidade dos vírus que infestam esses carrapatos.

Em um novo trabalho, cujos resultados foram publicados na revista Scientific Reports, os pesquisadores afirmam ter identificado, pela primeira vez no Brasil e na América do Sul, patógenos até então encontrados apenas na China, entre eles o vírus Lihan (família Phenuiviridae) e o vírus Wuhan 2 (família Chuviridae).

Os autores também descreveram três novos tymovírus (ordem de Tymovirales) denominados Guarapuava 1, 2 e 3. Foram empregadas técnicas de metagenômica para investigar a diversidade viral presente em Rhipicephalus microplus encontrado em bovinos na região Sul do Brasil. O trabalho teve apoio da FAPESP.

“Identificamos duas sequências quase completas e quatro genomas parciais do Wuhan 2 (WTV-2), um vírus que pertence a uma família recentemente descrita, chamada Chuviridae. Esses vírus compartilham de 97% a 98% de identidade de aminoácidos com o WTV-2 identificado em R. microplus coletado na China. Os resultados sugerem que o WTV-2 encontra-se difundido entre os carrapatos bovinos da região Sul do Brasil”, disse William Marciel de Souza, primeiro autor do trabalho, do Centro de Pesquisa em Virologia da FMRP-USP.

O laboratório onde foi conduzido o estudo é chefiado pelo professor Luiz Tadeu Moraes Figueiredo. Participaram pesquisadores da Universidade do Centro Oeste do Paraná, do Instituto Evandro Chagas, da Universidade Federal da Fronteira Sul e da University of Glasgow, na Escócia.

O vírus Lihan (LITV) apresentou padrão bastante similar entre os carrapatos brasileiros.

“Identificamos uma sequência quase completa de duas linhagens e genomas parciais de quatro cepas de uma espécie de flebovírus que compartilha 97% a 98% de aminoácidos com um LITV descrito em R. microplus coletado na China. Assim como ocorre com o Wuhan 2, os resultados sugerem que o Lihan esteja disseminado entre os carrapatos bovinos da região Sul”, disse Souza.

Metagenômica

“Desde 2013, desenvolve-se no Centro de Pesquisa em Virologia, com apoio da FAPESP, uma grande prospecção de novos vírus que possam ter importância para a saúde pública brasileira. Nesse projeto já foram identificados mais de 150 novos vírus em vertebrados (roedores, morcegos e outros) e invertebrados. O trabalho recém-publicado é o primeiro resultado da investigação de arbovírus em carrapatos”, disse Souza.

Arbovírus são transmitidos por artrópodes. Muitos vírus emergentes transmitidos por carrapatos têm causado surtos de doenças devastadoras e muitas vezes fatais, representando um sério problema de saúde pública e animal em muitas regiões do mundo.

São conhecidas atualmente cerca de 900 espécies de carrapatos, classificadas em três famílias: Argasidae, Ixodidae e Nuttalliellidae. Os vírus transmitidos para humanos por picadas de carrapatos infectados são encontrados principalmente na família Ixodidae, à qual pertence o gênero Rhipicephalus.

Quanto aos vírus, até o momento são conhecidas ao menos 38 espécies transmitidas por carrapatos. Estão distribuídas em oito famílias, entre elas as famílias (Flaviviridae e Phenuiviridae) das novas espécies de vírus descobertas pelos pesquisadores de Ribeirão Preto.

“Apesar da disseminação de carrapatos no Brasil e da elevada importância dos microrganismos transmitidos por carrapatos, existiam apenas dois vírus associados aos carrapatos descritos na América do Sul: o Cacipacoré e o Mogiana. Daí a nossa decisão de procurar novos vírus”, disse Souza.

“O objetivo é conseguir identificar arbovírus desconhecidos e potencialmente causadores de doenças antes que ocorram os primeiros surtos”, disse.

A equipe coletou carrapatos e também sangue de gado infectado em fazendas espalhadas pelos três estados da região Sul.

“Aplicamos uma abordagem metagenômica para determinar a diversidade de vírus presentes em Rhipicephalus microplus parasitando bovinos no Sul do Brasil. Além da análise do viroma, que é o conjunto de espécies de vírus que infectam um animal, foram realizadas infecções experimentais com diferentes linhagens de células hospedeiras in vitro”, disse Souza.

JMTV

A maioria dos carrapatos analisados pelos pesquisadores se mostrou infectada por outro vírus, o jingmen (JMTV), da mesma família dos vírus da dengue e da febre amarela (Flaviviridae).

“Os flavirídeos têm um genoma único. O que o JMTV circulante no Brasil tem de diferente é que seu genoma é dividido em quatro segmentos separados. Além disso, árvores filogenéticas mostraram que o JMTV circulante no Brasil é um possível genótipo diferente dos anteriormente descritos na Ásia”, disse Souza.

“O vírus JMTV foi identificado em carrapatos do gado na China e também em carrapatos de macacos na Costa Rica. Nosso vírus é 99% igual ao encontrado na China. Na África há outro muito parecido. O JMTV está em todos os estados da região Sul do Brasil e estimamos que tenha ampla distribuição em todo o país. Acreditamos que onde exista carrapato bovino o vírus esteja presente”, disse.

De acordo com os virologistas da FMRP-USP, a identificação no país de vírus antes conhecidos apenas na China é evidência de que os carrapatos teriam chegado ao Brasil com a introdução do gado.

“Supomos que esses vírus identificados em nosso estudo e relatados anteriormente na Ásia possam resultar de uma associação profunda [muito antiga] ou coevolução com o R. microplus. Possivelmente, podem ser encontrados em todo o mundo em regiões tropicais e subtropicais nesta espécie de carrapato”, disse Souza.

O artigo “Viral diversity of Rhipicephalus microplus parasitizing cattle in southern Brazil” (doi: 10.1038/s41598-018-34630-1), de William Marciel de Souza, Marcílio Jorge Fumagalli, Adriano de Oliveira Torres Carrasco, Marilia Farignoli Romeiro, Sejal Modha, Meire Christina Seki, Janaína Menegazzo Gheller, Sirlei Daffre, Márcio Roberto Teixeira Nunes, Pablo Ramiro Murcia, Gustavo Olszanski Acrani e Luiz Tadeu Moraes Figueiredo, está publicado aqui.

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