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Vice-diretora que chamou tenente de “cagão” é exonerada do cargo
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Depois de enviar um áudio chamando um tenente da Polícia Militar do DF (PMDF) de “cagão”, a vice-diretora do Centro Educacional 01 (CED 01) da Cidade Estrutural, Luciana Martins, foi exonerada do cargo. A mudança foi publicada no Diário Oficial do DF (DODF) desta terça-feira (3/5). Ao Correio, a educadora disse que estava de férias, que não foi comunicada previamente e que ainda pretende acionar a Justiça e seus advogados para tomar providências contra a exoneração. Luciana alega uma perseguição de Aderivaldo Cardoso, diretor disciplinar da escola, que tem gestão cívico-militar. Recentemente, o militar subiu de cargo na PMDF.
Procurada pelo Correio, a Secretaria de Educação do DF disse, em nota, que a vice-diretora do CED 01 da Estrutural foi afastada do cargo porque um procedimento investigativo contra ela está “em apuração” na Corregedoria da pasta, e que o teor das investigações é de “caráter sigiloso”. Já a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) disse que “tomou conhecimento dos fatos” e que vai investigar o ocorrido.
Promoção e exoneração
O tenente que foi chamado de “cagão” pela educadora é Aderivaldo Cardoso, diretor disciplinar do CED 01 da Estrutural desde fevereiro. Em 11 de abril, ele registrou um boletim de ocorrência contra a professora Luciana por difamação e injúria. No último dia 26, a PM esclareceu, em nota, que a ocorrência foi registrada porque a professora xingou o tenente em um áudio enviado por meio do WhatsApp, e que o policial teria apresentado prints, áudios e vídeos que comprovam a gravação. A nota também dizia que a Secretaria de Educação foi comunicada sobre o fato “para que tome providências pertinentes”.
Já em 22 de abril, Aderivaldo Cardoso recebeu uma promoção na PMDF. Segundo publicação no DODF da última sexta-feira (29/4), o policial foi promovido de segundo a primeiro-tenente por “critério de antiguidade”. A assessoria da PMDF também confirmou, nesta terça-feira (3/5), que houve uma “ascensão profissional por promoção”, mas reforçou que a mudança de cargo já é prevista, na Lei Federal nº 12.086/2009, a todos policiais militares que “cumprem com os requisitos exigidos”, como é o caso do tenente.
A lei define a “promoção por antiguidade” como aquela baseada na “precedência hierárquica de um policial militar sobre os demais de igual grau hierárquico, dentro do mesmo Quadro, Especialidade, Qualificação ou Grupamento”. A lei também determina que tais promoções sejam feitas atualmente, nos dias 22 de abril — quando esta ocorreu —, em 21 de agosto e em 26 de dezembro.
A Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal (ASOF/PMDF) também ressaltou, em nota à imprensa, que a promoção do policial em questão não tem nenhuma relação com a exoneração da vice-diretora do CED 01 da Estrutural. “A professora foi exonerada porque não se alinhava com o que a comunidade elegeu, que é o projeto das escolas militares, que foi submetido a votação, escolha e, por fim, foi implantado na Estrutural por decisão democrática da própria comunidade. A referida docente, por suas ideologias particulares, se voltou contra o que a maioria da comunidade decidiu”, informou a assessoria da ASOF/PMDF.
A nota também diz que o tenente foi “vítima de perseguição da docente” e que ele “não pode ser responsabilizado pelo estado geral de tensão existente no colégio, devido a exacerbação ideológica e política”. “O tenente foi promovido com base nas regras de continuidade da carreira na PMDF, cumprindo rigorosamente o calendário de promoção, seguindo o rito processual, conforme prevê a legislação da Polícia Militar e dentro do prazo em que ele deveria ser promovido”, reforçou a associação.
Entenda a briga
Segundo a vice-diretora Luciana Martins, a gravação na qual ela ofendeu o militar teria sido enviada apenas à diretora da escola, em uma conversa “privada” que tiveram, mas a diretora, na ocasião, encaminhou o áudio ao tenente, sem autorização de Luciana. A educadora exonerada disse que fez o desabafo porque presenciou, nos últimos meses, uma série de atitudes e comportamentos de Aderivaldo que incomodaram tanto ela, quanto pais e estudantes da escola.
Luciana afirmou, ainda, que, desde que assumiu o cargo, o diretor disciplinar da CED 01 da Estrutural prioriza certos alunos, com “sessões de coaching e balinhas”, enquanto trata outros com maior rigidez, a exemplo de estudantes que foram levados à Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) por suposto desacato ao policial em sala de aula. A educadora também relatou que o diretor disciplinar não dialoga com a direção e os demais professores da escola antes de tomar decisões que punem e afetam os alunos. “A função dele é colocar disciplina, mas estou apenas questionando a forma como ele faz isso”, disse.
Luciana ainda alega que, nos últimos meses, solicitou que a unidade regional de ensino e o Comando de Gestão Compartilhada da PMDF tomassem alguma atitude em relação à metodologia aplicada pelo tenente no CED 01 da Estrutural, mas que, desde então, nada mudou. “Eu respeito e aceito o projeto de gestão compartilhada com a PM, mas não passando por cima dos alunos assim. Ele simplesmente escolhe alguns alunos para serem punidos e outros para serem agraciados”, explicou.
“Tudo isso já foi levado ao tenente, à PM, mas eu nunca obtive uma resposta, e por isso enviei um áudio à diretora da escola desabafando sobre essa situação toda, porque ela estava de férias. E, na gravação, citei que esse tenente é um ‘cagão’ porque não tem coragem de vir aqui na sala e conversar comigo”, acrescentou Luciana.
A professora acredita que vem sendo perseguida pela gestão militar da instituição desde que, em novembro do ano passado, a escola expôs um mural feito por alunos em homenagem ao Dia da Consciência Negra. A exposição, disposta em um dos corredores do colégio, denunciava atitudes racistas da PM e, em uma das ilustrações dos estudantes, um policial aparecia com uma suástica — símbolo do nazismo—- no braço. A direção militar da escola pediu que os itens fossem retirados, mas a vice-diretora se recusou e participou de um protesto pacífico, no qual estudantes e docentes levantaram cartazes contra a censura e em defesa da liberdade de expressão. Na época, no entanto, o tenente Aderivaldo, atual diretor disciplinar, ainda não trabalhava na escola.
Outro lado
Na terça-feira (26/4) passada, a Secretaria de Educação já havia sido procurada pela reportagem para comentar o áudio gravado por Luciana e a ocorrência registrada pelo tenente contra a então vice-diretora do CED 01 da Estrutural. Na ocasião, no entanto, a pasta respondeu que “o modelo das escolas cívico-militares já está consolidado com sucesso no Distrito Federal” e que são 11 unidades de ensino com gestão compartilhada entre as secretarias de Educação e de Segurança Pública, e outras quatro com o Ministério da Educação. “Casos pontuais são averiguados pelas pastas, para adoção de providências cabíveis a cada situação”, informou a Secretaria.
No mesmo dia, a PMDF também se manifestou sobre o caso e destacou, em nota, que “as escolas cívico-militares têm boa convivência entre a direção disciplinar e a direção pedagógica, por serem construídas em ações disciplinares e, dessa forma, são como espelho a ser seguido pelos alunos”. A corporação também afirmou, na ocasião, que o caso ocorrido no CED 01 é “pontual” e “não representa a realidade dos Colégios Cívico-Militares em que a PMDF participa”.
O tenente Aderivaldo Cardoso também foi procurado diretamente pelo Correio para se manifestar sobre o assunto. Por mensagem, no entanto, ele respondeu que qualquer declaração deveria partir de seu comando, e que, infelizmente, não tem autorização para falar. O espaço ainda segue aberto para novas atualizações.
Correio Braziliense