Especial
Um ano sem Euro Tourinho: uma homenagem de amigos que trilharam o jornalismo com ele
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A pouco menos de dois meses para completar 99 anos, o mais conhecido jornalista de Rondônia, Euro Tourinho, foi chamado, certamente, para dirigir outro jornal, onde já se encontravam alguns de seus muitos amigos que com ele dividiram a aventura de continuar a senda que gerou o mais importante historiador rondoniense, o jornal Alto Madeira, seus ex-colaboradores mais próximos, que foram antes: Vinícius Danin, seu Boy, João Tavares, dona Adelice, Sued, Pepê, Ivan Marrocos, Esron Menezes, Gessi Taborda, Abnael Carlinhos Neves, Simeão Tavernard, Bahia. A esperá-lo ainda dona Maria e seu irmão Luiz.
Dos que continuam aqui, alguns de seus ex-colaboradores resolveram prestar uma homenagem neste primeiro ano que Euro Tourinho pegou “expresso da meia-noite” em direção ao Walhalla, onde só os grandes guerreiros habitam. Sem espaço para colocar todas as lembranças a homenagem será dividida n uma série de três edições. Euro Tourinho faleceu dia 25 de novembro de 2019.
Montezuma Cruz, jornalista
Numa das confraternizações do Dia do Jornalista, em 1979, a nobre classe reuniu-se no Restaurante Caravela do Madeira. Donos de jornais e equipes inteiras lá estiveram festejando. Nesse clima, fui um dos sortudos, pois ganhei no bingo uma máquina Olympia, de datilografia. Euro Tourinho aproximou-se, cochichando comigo: “Agora você tem máquina própria para produzir suas reportagens, e pode publicá-las também no Alto Madeira.
Não trabalhei efetivamente nesse saudoso jornal, Mas algumas vezes contribui e sempre tive pelo “seu” Euro um respeito enorme, pelo que ele representava para todos nós. Nos anos 2000, quando assessorava o então senador Amir Lando, estreitei novamente os laços de colaborador, escrevendo de Brasília a coluna Caderno de Notas.
Eu ia muito ao AM onde tinha muitos amigos e ainda os temos por aqui. Nas vezes eu ia ou quando tive de substituir o Lúcio Albuquerque durante duas semanas, era comum ver o “seu” Euro na redação, onde às vezes chegava distribuindo docinhos que comprava no caminho do jornal e, sempre orientando a todos nós.
Uma coisa que sempre fazia era demonstrar que, já passando dos 90 anos, ele se entusiasmava em relatar seus exercícios físicos diários: “Olhe aqui, pegue um cabo de vassoura, coloque sobre o ombro, estique os braços, gire o corpo para a direita e à esquerda; faço isso todo dia cedo lá no quintal de casa (Rua José de Alencar)”.
A noite chegava, e ele revisava página por página. Em seguida, poderia ir embora para casa, mas preferia aguardar o fechamento da edição para oferecer carona em seu Fiat. “Monte, onde você mora atualmente?”, perguntava, e eu lhe respondia que ocupava um pequeno apartamento na Avenida Calama, e ele resolvia ir me deixar, quando eu percebia a responsabilidade daquele cidadão nonagenário ao volante.
Numa dessas noites, durante o trajeto, contei-lhe que a leitura de documentos que regem o Centro Espírita União do Vegetal mencionava e segue mencionando o nome do Alto Madeira a cada sessão [primeiro e terceiro sábados de escala], devido a um artigo publicado em 1967, a respeito do uso chá hoasca pela Irmandade dessa religião genuinamente rondoniense. Euro surpreendeu-se com a informação.
Quando a Redação e a gráfica funcionavam em frente à Praça Jônatas Pedrosa, na Rua Barão do Rio Branco, centro antigo de Porto Velho, Euro recebia visitantes e funcionários em sua sala com lâmpada à meia luz. Entre os notáveis que me apresentou: o advogado Geraldo Drago, do Rio de Janeiro, e o ex-deputado Almino Afonso, ex-ministro do Trabalho durante o Governo João Goulart [janeiro a junho de 1963] e ex-vice-governador de São Paulo [1987-1990].
De costume, ele cochilava do início de tarde deitado em seu sofá de couro na sala da Direção, entretanto, pedia que o acordassem se fosse necessário. Eu mesmo abria devagarinho a porta, mas preferia aguardar seu retorno à mesa. Tive noção da necessidade daquele repouso.
MINEIA CAPRISTANO, jornalista
Seu comportamento aligeirado demonstrava seu modo de ver e funcionar no mundo: pensamento rápido, que contrastava com o seu agir com prudência: dessa forma, ele rompia a porta e entrava avidamente na redação, dando os toques singelos naquele local, para ele sagrado: checava as notícias, trocava ideias com o editor, calmamente indicava recomendações.
Sua escrita reinava na coluna AM na Rua, durante muitos e muitos anos. Fixei essa cena reiteradas vezes durante dois períodos diferentes em que tive a sorte e grata oportunidade de trabalhar com o jornalista Euro Tourinho. E ele? Nunca reparou, ou nunca quis reparar, mas dediquei encanto naquele modus operandis. Ele sequer imaginava que era observado, não só por mim, mas por todos que com ele trabalhavam, afinal, o sr. Euro era referência para todos nós.
Referência de dedicação: Seu encanto pela comunicação despertava em todos curiosidade e interesse, pois ele passava horas a fio no ofício de ser jornalista: checar, promover desdobramentos, criar comentários às vezes ardilosos e outras até inocentes, em sua coluna. Era o último a sair do jornal. Era ele quem revisava e aprovava todas as matérias da Capa, porque tudo era notícia…
Referência de cidadania: Bem ao estilo daqueles que passaram pelo período militar: o sonho frustrado, por não ter servido nas Forças Armadas era compensado pelas homenagens recebidas nas solenidades militares. E ele levava à risca todas as orientações, acredito que mesclava um pouco em sua personalidade: era ordeiro, mas também alegre e de sorriso fácil.
O seu estilo discreto combinava com a vida eclética de personagem da imprensa, que entrava e saía de qualquer ambiente, sempre com sabedoria.
Referência de pessoa: Uma coisa era certa no jornal Alto Madeira, podíamos falar sobre muitos assuntos com o sr. Euro, menos sobre dinheiro, afinal ele enfrentava os mesmos perrengues dos outros profissionais que passaram juntos, pelos momentos difíceis que o AM enfrentou, mesmo sendo uma idiossincrasia porque ele detinha o meio de produção, mas entendíamos essa dualidade.
E os demais assuntos? Ele era todo ouvidos, a qualquer hora e momento, estava sempre pronto a ouvir, os assuntos bons e também as lamúrias, Sempre retirava da cartola uma sugestão, uma história vivida, tudo fazia ornar ao que acabara de ouvir e o falante ficava feliz e admirado. Sr. Euro era cheio de histórias. Seu ímpeto para a comunicação era tal que até escreveu uma coluna social com um nome fictício: Eurli. E é bem provável que tenha buscado a ideia nos heterônimos de Fernando Pessoa…
Dos momentos de divã que busquei, um deles não me esqueço: eu estava muito aflita com a perda de José Ailton Bahia, um colega de trabalho, e fui uma das últimas pessoas a vê-lo ainda em vida, naquele doloroso martírio. Nessa conversa, eu abri meu coração para o sr. Euro: me sentia culpada porque não exercitei minha fé levando uma liderança religiosa para orar pelo Bahia, no hospital. Esse sentimento cristão me deixava triste. Euro ouviu tudo, atentamente como lhe era peculiar, e ao final resumiu em poucas palavras: Mineia, você foi uma boa amiga. Isso basta!
Como todos da redação aprendemos com ele: seu esmero com a notícia e sua forma leve de viver a vida. Com ele aprendemos coisas simples, como a importância da boa siesta – assim como os mexicanos praticam – pode ser restauradora… Todos temos tantas coisas boas e belas para falar sobre o decano do jornalismo rondoniense, por isso parafraseando: Sr. Euro, você foi um bom amigo, mas isso não basta! Nós nunca vamos lhe esquecer…
HELENA CRUZ – secretária por seis anos de Euro Tourinho.
Sr. Euro para mim se resume em gratidão pelos ensinamentos, pelo mestre em muitos assuntos, pelo amigo que sabia ouvir, corrigir, ensinar e orientar a cada um. Uma ser tão pequeno no tamanho mas, muito grande em tudo o que sabia ser, humilde, justo, honesto e de caráter ilibado que podia dizer a cada um exatamente o que pensava mas sem ofender ou magoar a ninguém. Estava sempre alegre e de bem com a vida o que era um exemplo para todos que com ele conviviam.
Sempre aberto a atender a todos que o procuravam, seja com uma palavra amiga, de entendimento e até compreensão seja qual fosse a situação no momento. Um profissional na área do jornalismo que sabia exatamente o que e, como escrever sempre com precisão e a verdade dos fatos na notícia. Tudo o que com ele aprendi, me seguirá pela vida a fora . Hoje restam as lembranças, os ensinamentos e muitas saudades e a certeza de que um dia nos encontraremos novamente.
ABDORAL CARDOSO, jornalista
As colunas “Am na Rua” e “Pingos Políticos” marcaram o jornalismo opinativo, praticado por um grupo de editores e repórteres do jornal impresso Alto Madeira. Comentadas nos cafés, lanchonetes e nos programas de rádio, abordavam fatos do cotidiano da cidade e críticas e informações de bastidores colhidas durante algumas sessões polêmicas da Asssembleia Legislativa. Por isso recebiam atenção especial do editor-geral e diretor da empresa, jornalista Euro Tourinho, a quem cabia a responsabilidade de uma última revisão, antes da rubrica para envio à composição e consequente impressão.
Na época da CPI das Passagens Aéreas, década de 1990, instaurada para apurar denúncia de farra na emissão de bilhetes de viagens para apoiadores de membros da Mesa Diretora e de outros deputados, eu e o meu colega repórter, Yodon Guedes, quase, instintivamente, institucionalizamos no Setor de Redação o termo “pingada” – para denotar uma crítica elaborada em notas curtas a partir das anotações do repórter. Até “Seu Euro” gostava e, antes de revisar o editorial da edição do dia seguinte, nos procurava com toda sutileza para indagar: “as pingadas estão prontas?”
Eu e o Yodon entregávamos as laudas ao chefe, que raras vezes retornava para pedir a mudança de tom de alguma das notas. Desconheço outro diretor, na Região, com a sensibilidade, capacidade e visão para instigar tanto os mais experientes quanto os mais novos, como eu e o Yodon, a conhecer os meandros do jornalismo. Obrigado, pelo exemplo de homem e chefe ao permitir que lapidássemos ali o conhecimento acadêmico!
Mais Ro