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Tribunal Internacional: Representação contra Bolsonaro deve ser arquivada


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O Tribunal Penal Internacional (TPI), ao qual têm sido pedidas investigações sobre a atuação do presidente Jair Bolsonaro na pandemia de coronavírus, recebe de 500 a 900 requisições semelhantes por ano, das quais mais de 90% são descartadas.

Poucas dezenas são submetidas a um exame preliminar que pode levar anos, antes ainda de ser aberta a investigação. Por ano, cerca de dez são efetivamente apuradas, das quais só parte vira denúncia, é aceita pelo tribunal e se transforma em julgamento.Esse funil tem o bico tão estreito porque a corte, criada em 2002, só aceita casos que atendam a pelo menos quatro condições: 1) tratem de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra ou de agressão na forma como estão definidos pelo Tratado de Roma (que criou o TPI) cometidos a partir de julho de 2002; 2) não haja possibilidade ou vontade do Estado que tem competência de investigar os crimes; 3) tenha gravidade que justifique uma investigação; 4) atenda aos interesses da Justiça (quando a investigação do caso não viola interesses da Justiça).

No ano passado, 754 (95%) das 795 queixas nem entraram nesse exame preliminar das quatro condições, e é provável que este seja o destino das representações contra Bolsonaro pelas mortes de Covid-19, segundo Sylvia Steiner, única brasileira a integrar até hoje o TPI, de 2003 a 2016.

Embora descreva como desastrosa a condução da política de saúde pública no Brasil, ela aponta que a gravidade apenas não basta; a situação precisa atender à descrição legal. Pelo Tratado de Roma, crime contra a humanidade é um “ataque generalizado ou sistemático contra a população civil”.

“Não precisa necessariamente ser um ataque armado, mas em regra é traduzido por uma situação de violência ou de coação contra a população civil”, diz Steiner.

“[No caso da epidemia] Não há, a meu ver, uma política ou um plano de ataque generalizado ou sistemático contra a população civil e, portanto, não há crime contra a humanidade”, afirma a juíza.

Menos ainda de genocídio, segundo ela: “Esse crime exige que se comprove a intenção específica do autor de exterminar um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Não se pode imaginar no atual governo uma intenção de exterminar toda a população brasileira”.

Não há, a meu ver, uma política ou um plano de ataque generalizado ou sistemático contra a população civil e, portanto, não há crime contra a humanidade

Steiner diz que há outra representação contra Bolsonaro com mais elementos para avançar ao exame preliminar: a que acusa o presidente de incitar crimes contra a humanidade e genocídio de povos indígenas e comunidades tradicionais brasileiras.

Apresentada em novembro de 2019 pela Comissão Arns e pelo Cadhu (Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos), ela argumenta que o presidente enfraqueceu a fiscalização e foi omisso em relação a crimes ambientais na Amazônia.

A juíza Sylvia Steiner diz que “a destruição do meio ambiente, o desmonte dos órgãos de proteção das comunidades indígenas, a falta de punição aos atos de invasão e terras indígenas e ao assassinato de indígenas, e a ausência de políticas adequadas à proteção das comunidades indígenas em relação à pandemia, podem, em tese, justificar uma investigação”.

Segundo a advogada Juliana Viera dos Santos, uma das autoras dessa representação, novas evidências serão acrescentadas neste ano ao pedido de investigação, como a instrução normativa nº 9 da Funai (que, segundo ativistas, permite a titularidade de terras em áreas indígenas protegidas pela legislação brasileira) e o veto de Bolsonaro a medidas de socorro durante a epidemia de coronavírus.

Ela afirma que as entidades decidiram recorrer ao Tribunal Penal Internacional -que tem sede em Haia, na Holanda- porque “Augusto Aras, procurador-geral da República indicado por Bolsonaro, teria obrigação constitucional de investigar os casos, mas não o faz”.

A análise dos 28 casos que já chegaram à fase de julgamento nos 18 anos de existência da corte mostra, porém, que o processo pode durar mais de dez anos, da queixa à sentença final.

Foi o que aconteceu no caso do primeiro condenado por crimes de guerra, Thomas Lubanga Dyilo, considerado culpado em 2012 por obrigar crianças a lutar como soldados na República Democrática do Congo.

O pedido de investigação foi apresentado em março de 2004, e a sentença definitiva, de 14 anos de prisão e reparações de US$ 10 milhões, saiu em dezembro de 2014, após recurso.

A demora pode ocorrer até mesmo no exame pré-investigação. A queixa de crimes de guerra e contra a humanidade na Colômbia por causa dos conflitos entre guerrilhas, grupos paramilitares e Forças Armadas está nessa fase preliminar desde 2004.

Segundo Steiner, é uma exceção: “A Procuradoria está monitorando os procedimentos levados a cabo pela Colômbia através dos Juizados Especiais pela Paz [criados no acordo de paz entre o governo e as Farc]”. Em geral, a análise inicial dura de um a dois anos.

Por causa dos longos procedimentos, o Cadhu e a Comissão Arns esperam que a abertura do caso pela Procuradoria crie “uma pressão internacional, econômica e política, que evite o genocídio antes que ele ocorra”, segundo Santos.

Mesmo sem uma sentença final, o envio de investigadores externos e as diligências de apuração já ajudariam a conter danos, diz a advogada.

Já no caso das queixas que se referem à pandemia de coronavírus, uma esfera mais adequada poderia ser a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), afirma o advogado Paulo Lugon Arantes, que atua em direito internacional e direitos humanos na ONU e em instituições da União Europeia.

Enquanto o TPI julga indivíduos por crimes, a CIDH julga políticas governamentais que violam direitos humanos. Apura responsabilidade política ou administrativa.

Arantes lembra também que já houve no Brasil uma condenação por genocídio, no caso do Massacre de Haximu, em que garimpeiros foram condenados pelo massacre de indígenas.

MidiaNews

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