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Transtorno factício e simulação: Causas, sintomas e exemplos na ficção


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Dados recentes divulgados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que 23 milhões de brasileiros, ou seja, 12% da população, apresentam os sintomas de transtornos mentais. Ainda de acordo com a pesquisa, ao menos 5 milhões, 3% dos cidadãos, sofrem com transtornos mentais graves e persistentes.
Grave, o transtorno factício consiste em um quadro patológico no qual o paciente simula ou provoca, intencionalmente, qualquer tipo de sinal ou sintoma físico ou psicológico, sem que exista uma vantagem óbvia para tal atitude, exceto pela obtenção de atenção e cuidados médicos.
“O que diferencia o transtorno factício da simulação é o fato de, nesta, a motivação para assumir o papel de doente sempre inclui algum tipo de incentivo ou recompensa externa, como obter aposentadoria ou benefícios de órgãos de assistência social, ou evitar a punição por algum crime ou ato ilegal cometido. Diferentemente do primeiro, a simulação não constitui um transtorno mental”, explica o Dr. Elie Cheniaux, psiquiatra, membro licenciado da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, professor de pós-graduação em Psiquiatria e Saúde Mental da UFRJ, e co-autor do livro “Cinema e Loucura: conhecendo os transtornos mentais através dos filmes”.
O transtorno factício é, muitas vezes, denominado síndrome de Münchhausen. O nome é uma referência ao Barão Hieronymus Karl Freiher Von Münchhausen (1720-1797), oficial da cavalaria russa que ficou conhecido em seu tempo por contar histórias exageradas e fantasiosas sobre as aventuras militares das quais participou.
Pessoas que recebem esse diagnóstico apresentam uma verdadeira compulsão a assumir o papel de um enfermo sem que haja qualquer incentivo externo para tal atitude. Os atos são intencionais e premeditados, e os sintomas podem manifestar-se por meio de mentira, caso em que o paciente simplesmente inventa determinadas queixas. Pode ocorrer, também, a produção deliberada de sinais clínicos a partir do consumo oral ou injetável de substâncias tóxicas ou infectadas e de lesões autoinfligidas (cortando-se de propósito com uma faca, por exemplo).
Síndrome de Münchhausen por procuração
Em uma forma especial de síndrome de Münchhausen, denominada Münchhausen por procuração, o indivíduo produz sinais clínicos em outra pessoa, a qual está sob seus cuidados, podendo acontecer em mães ou outras pessoas responsáveis por uma criança. A síndrome caracteriza-se pela invenção ou produção intencional de alterações clínicas na criança, fazendo com que ela seja considerada doente. Mais uma vez, esse comportamento tem como única motivação a obtenção de atenção médica. A síndrome de Münchhausen por procuração é uma forma de abuso infantil e, com frequência, envolve a ocorrência de outras formas de abuso, na ausência de qualquer violência explícita. “Paradoxalmente, a pessoa responsável demonstra uma grande preocupação com a saúde da criança que, com o passar do tempo, pode participar desse processo patológico e, até mesmo, sofrer, ela própria, da síndrome de Münchhausen”, define Chaniaux.
O transtorno factício e a simulação no cinema
Há filmes que ilustram bem o perfil de uma pessoa com factício ou simulação. É o caso de “Os Excêntricos Tenenbaums”. Royal Tenenbaum, personagem de Gene Hackman, é um pai desnaturado. Separou-se de sua esposa Etheline, vivida por Angelica Huston, deixando-a sozinha com os três filhos pequenos. Durante anos, não demonstrou o menor interesse pela família, chegando a roubar dinheiro do filho Chas, personagem de Ben Stiller, entre outros comportamentos não muito nobres. Naturalmente, Etheline e os filhos não queriam vê-lo de maneira alguma.
No entanto, a situação muda quando Royal é expulso do hotel onde mora, por não poder mais pagar a conta, e, não tendo para onde ir, tenta voltar para sua família. Como estratégia para conseguir ser aceito de volta pela ex-esposa e filhos, mente, dizendo estar com câncer e que lhe restam apenas seis semanas de vida. Para atestar a veracidade de sua história, faz com que um falso médico confirme sua doença e leva aparelhos hospitalares para sua antiga casa. “Esse seria um típico caso de simulação se a única motivação para a mentira fosse ter um lugar para morar. Entretanto, como aos poucos o filme revela, o que Royal realmente almejava era recuperar o amor de sua família, caracterizando, assim, um transtorno factício”, explica Elie Cheniaux.
Outro exemplo está no filme “Refém do Silêncio”. Protagonizado por Michael Douglas, Nathan Conrad é um psiquiatra que atende ao chamado de um colega para examinar a jovem Elisabeth Burrows, personagem de Brittany Murphy, internada em um hospital psiquiátrico. Nos últimos 10 anos, ela havia sido internada 20 vezes, tendo recebido 20 diagnósticos diferentes. O motivo da internação atual era agressividade: havia ferido um homem com uma lâmina.
Nathan a encontra sentada em seu leito, praticamente imóvel, recusando-se a falar. Ele ergue o braço da paciente para testar se ela apresenta um sinal típico da esquizofrenia catatônica: a flexibilidade cerácea. Como o braço não se mantém na posição em que o colocou, Nathan detecta a ausência desse sinal clínico. No entanto, quando ele está indo embora, Elizabeth começa a falar e, em seguida, canta, joga-se no leito e faz movimentos estranhos com as mãos.

Na história de Elizabeth há a informação de que ela presenciara o assassinato do pai, empurrado por criminosos na linha do trem do metrô quando ela tinha 8 anos de idade. Nathan conclui que o único diagnóstico correto seria o de transtorno de estresse pós-traumático. “Contudo, somos forçados a discordar dele. Além da ocorrência de um evento traumático e do episódio de explosão colérica que motivou a internação da paciente, ela não apresentava outros sintomas característicos desse transtorno. Mais para o final do filme, fica claro que Elizabeth simulava diversos sintomas psicopatológicos com o objetivo de ser repetidamente hospitalizada e, assim, esconder-se dos assassinos do pai, que de fato estavam atrás dela. Dessa forma, como existiam motivos externos para assumir um papel de doente, o diagnóstico adequado para Elizabeth seria o de simulação”, esclarece Cheniaux.

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