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Tolerância à seca é uma das novas vertentes para a pesquisa


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Uma parceria público-privada entre a Embrapa e a empresa Bioma oferece pela primeira vez ao mercado brasileiro um inoculante totalmente desenvolvido a partir de tecnologia nacional. O produto denominado BiomaPhos alia sustentabilidade e produtividade porque é biológico – produzido a partir de duas bactérias identificadas pela Embrapa, sendo uma no solo e a outra no milho – e capaz de aumentar a absorção de fósforo pelas plantas, o que pode mudar o quadro de alta dependência brasileira do mercado internacional de fertilizantes.

Leia a seguir entrevista feita com a pesquisadora da área de Microbiologia do Solo da Embrapa Milho e Sorgo Christiane Abreu de Oliveira Paiva, responsável pela pesquisa que culminou com o lançamento do produto comercial. Ela detalha os principais benefícios do inoculante, a forma como o produto disponibiliza o fósforo para as plantas e as etapas de desenvolvimento, além de novas vertentes para a pesquisa. 

Os principais benefícios do uso do inoculante que está sendo lançado é um maior crescimento radicular da planta de milho, com consequente aumento da absorção de água e nutrientes. Há mais vantagens?

Como o produto aumenta a absorção de fósforo pelas raízes, a planta acumula mais esse elemento internamente e, consequentemente, nos grãos. Então conseguimos comprovar que o microrganismo solubilizou mais fósforo quando medimos sua concentração nos grãos. Percebemos que, em uma planta que foi inoculada, há mais presença de fósforo que em outra que não recebeu o produto. E o fósforo está diretamente relacionado à produção de grãos. Então, com a inoculação, você terá um consequente aumento na produtividade de grãos.

Outra vantagem propiciada pelo inoculante é uma espécie de resgate do fósforo inativo nos solos, já que há um estoque bilionário que não é aproveitado pelas plantas…

Sim, realmente, é uma reserva bilionária que está indisponível para a planta. E o microrganismo consegue disponibilizar esse nutriente.

E quais são as vantagens do uso de inoculantes com essas bactérias em sistemas de plantio direto?

Hoje, a maioria dos nossos solos tem muita cobertura vegetal, uma quantidade enorme de matéria orgânica, devido ao plantio direto. Existe um levantamento na literatura que indica que cerca de 80% dessa matéria orgânica é o próprio fósforo orgânico, em sua forma ainda indisponível para as lavouras. Então, há um estoque de fósforo nos nossos solos que pode ser disponibilizado por meio dessas bactérias. A inoculação visa também melhorar o equilíbrio biológico dos solos, já que grande parte está degradada nos âmbitos físico, químico e biológico por causa dos plantios intensivos e da monocultura. Então, quando é introduzido um componente biológico nesse sistema – que é o inoculante – melhora-se, consequentemente, a qualidade ambiental do solo.

Qual sua visão para o futuro caso a tecnologia seja realmente adotada?

Diversos países já usam microrganismos há bastante tempo e já substituem até 50% do adubo fosfatado. Dessa forma, acredito nessa possibilidade futura para o Brasil, após o desenvolvimento de mais pesquisas. Serão necessários mais estudos, pois existem diversos tipos de solo e também diversos tipos de fertilizantes fosfatados.

Ainda em relação às vertentes futuras para a pesquisa, está a necessidade de investigação de maiores concentrações de nitrogênio e potássio na planta que recebeu o tratamento.

Sim, também detectamos aumento desses elementos. As bactérias presentes no inoculante são promotoras de crescimento. Então, elas têm múltiplas funções, além da função principal, que é a de solubilizar fosfato. Os Bacillus, que são as cepas que estamos lançando, são também fixadores de nitrogênio e alguns já são classificados como solubilizadores de potássio. Estamos na fase de seleção e testes com outras bactérias. Já temos outros plantios em andamento. Outra vertente de investigação é desvendar melhor o aumento de absorção de dois elementos vitais para as plantas, o nitrogênio e principalmente o potássio. Pesquisadores da área de Biotecnologia da Embrapa Milho e Sorgo também estão testando esses microrganismos para tolerância à seca.

Há estimativas econômicas sobre as vantagens do uso do inoculante?

O custo do inoculante é bem baixo. Para efeito de comparação, uma tonelada de fertilizante sintético, que é o superfosfato triplo, o mais usado pelos produtores, custa cerca de R$ 1.200. Já uma tonelada de um bom fosfato de rocha está na faixa dos R$ 250. Então, se a adubação for feita associando os adubos sintéticos ao fosfato de rocha com a adição do inoculante, na proporção de 50% cada, já é uma economia considerável para o agricultor. Os microrganismos aumentam a solubilidade do fosfato de rocha. Daí a indicação de uso.

Ainda é difícil alcançarmos autossuficiência em fontes alternativas de adubação, numa tentativa de substituir, mesmo que de forma parcial, os fertilizantes sintéticos?

Sim, porque atualmente as próprias plantas foram melhoradas, no caso do milho, por exemplo, para alcançar maiores tetos de produtividade. Então elas ainda não têm tanta relação simbiótica com esses microrganismos, ou seja, elas não foram adaptadas a esse tipo de associação. Mas, com o tempo, já que é uma espécie de transição, a tendência é substituir parcialmente os fertilizantes, já que você vai aumentando a eficiência do inoculante e do microrganismo. E aí o produtor pode ir migrando para um sistema “mais biológico”. À medida que ele vai melhorando a qualidade biológica do solo, em que vai reativar os microrganismos, aumentar a matéria orgânica, introduzir práticas que aumentem o componente biológico dentro do sistema agrícola, aí sim, ele pode pensar em diminuir o fertilizante.

Quais são as formas indicadas de aplicação do inoculante na lavoura?

Ele pode tanto ser misturado nas sementes quanto pulverizado nos sulcos de plantio ou ainda sobre o próprio adubo organomineral. A dosagem recomendada é de 100 ml/hectare. Outra perspectiva futura para a pesquisa é verificar quais os maiores ganhos de produtividade em relação às formas de aplicação, seja diretamente nos sulcos ou sobre o adubo.

A indicação de uso do inoculante é tanto para solos com fertilidade construída quanto para propriedades familiares, em que ainda não houve tanto investimento em adubação?

Sim, indicamos a inoculação conjunta com as duas bactérias porque cada uma tem características distintas, mas também complementares, otimizando a absorção de fósforo pelas raízes das plantas. Dessa forma, o produto comercial já tem em sua composição a presença das duas bactérias.

As cepas identificadas pela Embrapa existem na própria natureza. Mas são específicas, com caraterísticas eficientes para uma maior absorção e fósforo pelas plantas. Como se deu essa identificação?

Se você observar a Floresta Amazônica, por exemplo, percebe que ela está sempre verde, exuberante, e as plantas não apresentam sintomas de desnutrição provocados pela falta de fertilizantes. Ninguém chega até lá e aduba a floresta. E como ela sobrevive? Justamente a partir da ciclagem de nutrientes provocada pelos microrganismos, quebrando as moléculas de fósforo e entregando-as para a planta, assim como fixar o nitrogênio do ar, entregando-o também para a planta. Ou seja, é algo que já ocorre na natureza. O pesquisador, então, observou essas relações e percebeu que isso já acontecia. O que fizemos, nesse processo natural, foi identificar microrganismos mais eficientes, que é a ciclagem específica do fósforo. Esses microrganismos produzem enzimas mais eficientes e são mais produtores de ácidos que outras cepas, sendo que essas duas substâncias são responsáveis por “quebrar” essas ligações de toda a matéria orgânica presente na floresta ou num solo com cobertura e também o fósforo inorgânico que está no solo, ligado a minerais, como o ferro e o alumínio, e entregá-las para a planta de uma forma que ela consiga absorver. O fósforo que está presente na matéria orgânica não é absorvido pela planta, ele precisa ser “quebrado”. Esse elemento precisa ser transformado em uma forma mais acessível para as plantas, que é o fosfato, que pode ser absorvido. Então, o microrganismo atua nessa ciclagem, mineralizando a matéria orgânica.

Como a pesquisa começou?

Na época de mestrado, ainda bolsista na Embrapa Milho e Sorgo sob a coordenação dos pesquisadores Ivanildo Marriel e Vera Alves, me dediquei a um projeto que buscava alternativas para o aumento de aquisição de fósforo na cultura do milho. Dentro desse projeto havia uma investigação que tentava desvendar os principais mecanismos para aumentar a aquisição de fósforo na cultura. São vários mecanismos que chegam a esse objetivo, e um deles é aumentar a associação com microrganismos benéficos, que são os fungos micorrízicos que aumentam a área de superfície das raízes para absorver mais fósforo, e os solubilizadores de fosfato que disponibilizam mais fósforo para a planta. Dessa forma, já no doutorado, especializei-me nessa área (de microrganismos). Em 2011, após pesquisas feitas em âmbito de casas de vegetação, levei os experimentos para o campo, quando se iniciaram os testes em diversas regiões brasileiras, tanto em Unidades da Embrapa quanto em propriedades rurais, mostrando bons resultados. O apoio de diversas equipes da Embrapa foi fundamental para o desenvolvimento da pesquisa. Profissionais de diversas áreas – como a equipe dos Campos Experimentais e em especial os técnicos Reinaldo Junior, Dênio de Deus e Célio Gomes, a equipe dos Laboratórios com os colegas Bianca Mattos, Maycon Oliveira, Fabiane de Souza e Jean Rodrigues, colegas pesquisadores, da área de Prospecção e de Avaliação de Tecnologias, da Comunicação – tiveram um comprometimento que culminou com o sucesso do produto. O envolvimento foi essencial.

Como ocorre o processo de inoculação?

As bactérias são misturadas a um polímero, além de uma espécie de calda nutriente, para que elas sobrevivam no solo e na própria semente. O inoculante precisa ser feito de forma industrializada, seguindo rigorosos padrões de qualidade, pois junto com os microrganismos são adicionados protetores solares, protetores de raios ultravioletas e protetores contra dessecação, para que as bactérias não ressequem no meio ambiente, além de fontes de carbono que são necessárias para a sobrevivência da bactéria até que a planta se estabeleça.

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