Mato Grosso
“TCE saiu do papel punitivo e de arrogância para ser pacificador”
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Na presidência do Tribunal de Contas do Estado há 100 dias, o conselheiro Sérgio Ricardo avalia que a Corte deixou de lado a antiga postura de “arrogância” e “punitiva” para se tornar um mediador de conflitos.
Não é muito comum para um presidente do Tribunal de Contas ter essa característica popular. Mas trago essa característica popular da rua, porque sou assim
“O Tribunal tem saído daquele papel punitivo, fiscalizador, de arrogância e prepotência, como foi num período longínquo, para ser um pacificador, um orientador, um colaborador”, afirmou, em entrevista exclusiva ao MidiaNews.
Um dos desafios do TCE, segundo ele, é levar condições para que todos os municípios de Mato Grosso sejam prósperos e tenham maior independência dos executivos Federal e Estadual, acabando com o que classifica como “desigualdades regionais”.
Ainda na entrevista, concedida na última quinta-feira (25), o conselheiro falou sobre o caos da Saúde em Cuiabá, a rivalidade entre Governo e Prefeitura e sobre seu futuro.
Confira os principais trecho da entrevista:
MidiaNews – A gestão do senhor acaba de completar 100 dias. Quais as ações destacaria neste período?
Sérgio Ricardo – O Tribunal de Contas é uma instituição que vem sendo construída há 70 anos. E está prevista na Constituição da República. Cada conselheiro que já passou pela presidência construiu sua parte, deixou a sua marca. Desde o início da minha gestão, sempre propus que fizéssemos a construção de políticas de Estado para que políticas de governos assumam. Porque o Tribunal de Contas não faz políticas públicas, mas discute essas políticas.
Minha gestão é muito aberta. É minha característica, justamente porque sou jornalista, venho do Direito, venho da política, fui três vezes deputado estadual, uma vez vereador, presidente da Assembleia Legislativa. Então, eu trago essa carga aqui para o Tribunal. Ou seja, é uma gestão de muita discussão, de levantar muitos assuntos – vários temas permanentemente em discussão – todos eles voltados para o desenvolvimento com igualdade de Mato Grosso.
A minha discussão é essa. Com as discussões destes temas com todos os segmentos da sociedade, nós estabelecemos políticas de Estado. Por exempo: neste minuto estou voltando da AMM (Associação Mato-Grossense dos Municípios). Lá discutimos um pacto com todos os entes para a prevenção dos grandes incêndios. Nesta semana, por exemplo, discutimos aqui com toda a classe de professores da Educação de Mato Grosso a melhoria das condições salariais.
O municipal começa ganhando R$ 3 mil, o estadual R$ 5 mil. Quando eles saem da profissão, o do Estado sai ganhando R$ 9 mil. Então eles [municipal] se sentem muito desprestigiados, muito desvalorizados. E o que eu coloquei? Que na minha opinião, uma das classes mais valorizadas tem que ser o professor porque é ele quem ensina e prepara. E você vai ter cidadãos preparados ou não, competitivos ou não. Ali que está a vida de todos os nossos filhos.
Ontem fomos para uma mesa técnica onde estavam AMM, Governo do Estado, Ministério Público, nós discutimos a implementação de uma central de compras para os municípios. Por exemplo: se Araguainha, que é o menor município de Mato Grosso, quiser comprar um computador, pouca gente vai ter interesse em vender um para ele. O preço vai ser elevado. E para entregar em Araguainha é longe. Agora, se você monta, em parceria com a Associação dos Municípios, uma central de compras aqui. Veja com Araguainha, Cuiabá, Lucas do Rio Verde qual é a necessidade de computadores. Cinco mil computadores? Aí essa central de compras vem e compra os cinco mil computadores. Vai jogar o preço lá embaixo em todas as áreas. Que se comece essa central de compras com medicamentos. Hoje no Brasil, só com medicamento, o desperdício é de R$ 80 bilhões.
MidiaNews – O senhor falou do papel de mediação do TCE…
Sérgio Ricardo – Sim. As discussões da BR-163 passaram por aqui. Vou citar um exemplo: asfaltamento de onze bairros de Cuiabá. O prefeito queria aguardar um financiamento. O Governo tinha dinheiro em caixa, custo zero para a Prefeitura. Eles não estavam se entendendo. Trouxemos o Estado e o Município para uma mesa técnica e falamos: Emanuel, pode esquecer de buscar esse empréstimo. Isso vai ser prejudicial para Cuiabá. Falamos: Estado, pode entrar, construir. O Estado entrou e construiu asfalto em onze bairros de Cuiabá. Ou seja, o Tribunal tem saído daquele papel punitivo, fiscalizador, até de arrogância e prepotência, como foi num período longínquo, para ser um pacificador, um orientador, um colaborador.
Eu, por exemplo, fico triste se em um ano eu reprovo as contas de um prefeito. Porque sinto que, se reprovei, é porque ele não teve toda a orientação do Tribunal. Então também me sinto culpado. Hoje o tribunal tem essa mentalidade: nós queremos que todas as contas sejam aprovadas. Porque se todas forem aprovadas nós estaremos garantindo que o recurso público será bem investido, com clareza, transparência, honestidade e resultado na ponta.
MidiaNews – No seu discurso de posse, o senhor afirmou que um dos desafios, não apenas do TCE, seria acabar com essas desigualdades regionais. Como fazer isso?
Sérgio Ricardo – O que é essa desigualdade? Em números. Nós temos 142 municípios em Mato Grosso. De 2010 para cá, 51 municípios perderam parte de sua população. Cerca de um terço dos municípios perderam gente. Por que perderam? Não tenha dúvida: [os moradores] foram buscar estudo melhor, educação melhor, saúde melhor, melhores condições de vida em outros municípios.
Queremos que os municípios pobres, exauridos e sem opção, também voltem a fazer parte dessa cadeia que produz, que vive bem. Estamos nessa luta
E mais: nós somos campeões de produtividade de carne, soja, milho e algodão, mas somos os campeões em hanseníase. A hanseníase é a lepra da época de Cristo. Países atrasadíssimos do Mundo já erradicaram a hanseníase há um século, mas nós somos campeões. Os maiores números de casos de hanseníase ocorre onde não tem saneamento básico. Opa, então nós temos diferença.
Estou escrevendo um livro que se chama: “Os estados de Mato Grosso. As desigualdades regionais”. Para saber o que acontece em cada município. Esta semana tivemos uma reunião aqui em que discutimos como estes municípios podem sair desta situação [de atraso no desenvolvimento] em que estão.
É bonito ver Lucas do Rio Verde, Sorriso e outros municípios riquíssimos. E a gente quer que eles continuem mais ricos ainda. Mas queremos que os municípios pobres, exauridos e sem opção também voltem a fazer parte dessa cadeia que produz, que vive bem. Somos um Estado rico para poucos. Municípios que estão crescendo, explodindo, são os do agronegócio. E onde não existe o agronegócio, onde não planta soja? O que faz? Ali tem gente vivendo, precisando de emprego.
No Brasil, 70% dos empregos são gerados pelas micro e pequenas empresas. Não é no agronegócio. Em Mato Grosso nós temos aproximadamente 500 empresas, pequenas, médias, no comércio. Só que eles estão em cidades grandes. Você vai em Lucas do Rio Verde, as ruas estão cheias. Você vai nas ruas dos municípios ricos [e vê] lojas de marcas grandes gerando empregos. Maravilhoso. Mas temos que despertar isso em Araguainha.
MidiaNews – Há décadas existe o desejo de que Mato Grosso avance mais na industrialização. Os incentivos para que indústrias venham para o Estado seriam uma saída para esses municípios?
Sérgio Ricardo – Não tem outro jeito. Como você vai gerar emprego? Vamos usar como exemplo Araguainha. São mais de 100 municípios. Mas vamos pegar Araguainha, que é o menor município de Mato Grosso. Como mudar a realidade daquela cidade? Gerando oportunidades e qualificando.
Eu preciso gerar oportunidade. Eu vim para Mato Grosso estudar Agronomia na UFMT. Sou de Santa Catarina. Sou oriundo da agricultura familiar. E como era no Oeste de Santa Catarina, onde moravam meus avós? Lá que surgiram a Sadia, a Perdigão… Meu avô tinha um sítio de 10 alqueires. Aí a Sadia chegava lá e dizia para ele: “A partir de hoje sua propriedade vai trabalhar para a Sadia. O senhor vai engordar porco e frango. Vamos trazer os filhotes, vamos dar os frangos, e o senhor vai tratar. Nunca faltou comida na mesa da minha família. Nunca faltou possibilidade de ir para a escola, nunca faltou um carro para a gente andar. Então essa é uma das alternativas.
Aqui, somos o agronegócio. São propriedades gigantescas que geram poucos empregos, têm muita tecnologia. Uma das soluções é o investimento maciço, grandioso em agricultura familiar. Produzir comida. E mais: que quem produz um porco lá em Araguainha possa vender em Cuiabá. Tem que gerar oportunidade para o cidadão ficar onde ele está. E gerar comida, investimento maciço na agricultura familiar e no pequeno comércio.
Este ano, por exemplo, Mato Grosso está dando quase R$ 15 bilhões de incentivos fiscais. Fui ver para onde estão indo estes incentivos. E eu vi que para os municípios ricos estão indo 35%, 38% desses incentivos, mas para os municípios pobres, para regiões pobres como o Araguaia, apenas 3%. Então, isso continua pesando na balança para os municípios grandes e ricos, que ficam cada vez maiores e mais ricos. E volto para Araguainha. Há 13 anos a população lá era de 1.400 habitantes e hoje tem 950.
E amanhã? Se tudo continuar assim, se não for feita essa grande discussão de fazer os municípios se fortalecerem, aí vai acontecer uma outra coisa… Permanentemente há no Congresso projetos para extinguir municípios. A proposta era extinguir 1.500 no Brasil e 35 em Mato Grosso, municípios que voltariam a ser distrito. O Tribunal de Contas de Mato Grosso é contra, o Tribunal de Contas defende que se trabalhe, que se desenvolva políticas públicas para que estes municípios se fortaleçam para que jamais Mato Grosso tenha um município que volte a ser distrito. Porque se deixar do jeito que está vai acontecer.
MidiaNews – E na outra ponta, o senhor é favorável à criação de novos municípios?
Sérgio Ricardo – No caso de Boa Esperança do Norte, que é o novo município criado a partir da desvinculação de Sorriso, sou favorável. É um município que já nasceu rico. Um caso desses, não vejo dificuldade, não vejo problema. Mas, como criar novos municípios se 98% deles, em Mato Grosso, não vivem com as próprias pernas? Vivem de repasses ou do Governo Estadual ou Federal.
Os municípios têm que se entender como uma empresa, com despesas fixas todos os meses. E a maioria esmagadora das prefeituras não consegue, com aquilo que arrecada, pagar a sua folha salarial, depende desses repasses. E isso vai ficar terrível com a Reforma Tributária. O nosso Estado é só de produção primária e a reforma beneficia estados como São Paulo, municípios como São Paulo, e a reforma prejudica municípios que têm a base na produção primária. O que o TCE está trazendo para a mesa? Estas discussões que não foram feitas de 2010 para cá. Nestes 13 anos, 51 municípios perderam gente, a economia enfraqueceu, a balança continuou pendendo mais para um lado e aumentando as diferenças…
MidiaNews – Presidente, mudando de assunto, há uma crítica recorrente a respeito da existência dos Tribunais de Contas. Muitos defendem até sua extinção. O que o senhor acha disso?
Às vezes, as pessoas não entendem para que que serve, mas os TCEs e o TCU são instituições que fiscalização a destinação dos bilhões que são arrecadados
Sérgio Ricardo – O Tribunal de Contas é uma das instituições mais importantes da República brasileira. Às vezes, as pessoas não entendem para que serve, mas os TCEs e o TCU são instituições que fiscalizam a destinação dos bilhões que são arrecadados do cidadão. Como são investidos estes bilhões? Eles chegam lá na ponta? Veja as discussões importantes que fazemos. Nós temos 70 anos de existência.
Rui Barbosa [idealizador do TCU, em 1890] já tinha visto que todos os governos precisam de um contrapeso que analise as finanças, de como se utiliza o dinheiro público. Porque um dinheiro público mal utilizado prejudica o cidadão, que acaba pagando o preço.
Quando há o desperdício quem paga é a sociedade. E eu quero eliminar definitivamente uma tese que dizia o seguinte: “O Tribunal de Contas é lugar para político em fim de carreira”. O que é uma grande inverdade. Eu, por exemplo, vim para o Tribunal no auge da minha carreira. Vim em 2012. Em 2010 eu ganhei a eleição para deputado estadual com 87 mil votos. Eu fui o quarto deputado mais votado do Brasil. E no meio do meu mandato, por questões do meu partido, porque surgiu uma vaga aqui… Por estas questões o meu partido, que tinha sete deputados na Assembleia, indicou meu nome. Eu vim para cá no auge da minha carreira política.
Guilherme Maluf, deputado, presidente da Assembleia, veio para cá no auge da carreira política dele. E esse auge também é o auge da experiência. Olha o nível dos conselheiros que temos aqui hoje. Temos Valdir Teis, ex-secretário de Fazenda do Estado de Mato Grosso; Valter Albano, ex-secretário de Fazenda, de Educação do Estado; Antonio Joaquim, deputado federal, secretário de Educação; Domingos Neto, deputado de três mandatos. Eu tenho minha história, minha experiência de ter sido deputado, presidente da Assembleia. Guilherme Maluf da mesma forma.
Aqui, no Tribunal de Contas do Estado, estão grandes nomes que ajudaram e que ajudam a construir o Estado de Mato Grosso. E aqui estamos discutindo políticas públicas. Veja agora o papel do TCE na questão da Saúde de Mato Grosso, da Saúde de Cuiabá. O TCE evolui todos os dias. A cada dia que passa ele ganha mais importância para a socidade, nas conquistas, na cobrança de trabalho efetivo do gestor público, na aplicação dos recursos públicos.
O Tribunal de Contas é uma instituição importantíssima. Tenho muito prazer de fazer parte e me dedico muito. E vou continuar me dedicando muito enquanto estiver aqui, tanto na presidência ou como conselheiro. Vou me dedicar muito a ajudar as pessoas, a ajudar meu Estado a crescer. Essa é a missão de todos os conselheiros que estão aqui.
MidiaNews – O Tribunal de Contas do Estado é, de fato, um órgão independente?
Sérgio Ricardo – Todas as instituições têm sua independência e tem que ser assim. O Tribunal de Contas é totalmente independente, com liberdade total para trabalhar. Os conselheiros são independentes, o Tribunal é independente. Você veja que todo o procedimento conjunto dos conselheiros como resposta para a sociedade é altamente produtivo. E está aí nas páginas da midia, dos jornais, na televisão. Conselheiros trabalham dia e noite. A gente não para. É dia e noite, sábado e domingo. A gente não para de trabalhar e produzir para o Estado de Mato Grosso.
MidiaNews – Nesta semana, o MidiaNews divulgou um relatório do Gabinete de Intervenção que apontou que a Prefeitura de Cuiabá descumpriu três em cada quatro cláusulas do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que colocou fim à intervenção. Como o senhor vê essa situação?
Sérgio Ricardo – As orientações que estão no TAC são para que a Saúde voltasse à normalidade, que ninguém mais morresse na fila de um exame ou de cirurgia. Ou seja, o TAC é uma cartilha para gestão 100% eficiente na Saúde de Cuiabá. Ponto.
A Saúde voltou a ser gerenciada pela Prefeitura com o fim da intervenção. Há sim o descumprimento do TAC, mas tenho dito nestes últimos dias: a Prefeitura de Cuiabá não tem condição de tocar a Saúde de Cuiabá. Ela não tem condição!. Inclusive, estamos discutindo desde a semana passada, em duas mesas técnicas com o Município e o Estado.
E perguntei: “Prefeito, vocês têm condições de tocar a Saúde de Cuiabá?” E ele disse: “Não temos”. Eu disse: “Prefeito, o senhor entregaria a gestão da Prefeitura para a estadualização?”. E ele disse: “Sim. Nós não temos condição. Entregaria para a estadualização. Gostaria que o Governo do Estado viesse e assumisse a Saúde de Cuiabá”. Porque não adianta. A Prefeitura não tem condições, não tem recursos. A arrecadação não consegue suprir as necessidades. Não tem jeito.
MidiaNews – Mas isso é um atestado de incompetência?
Sérgio Ricardo – É um atestado de…
MidiaNews – Porque sempre teve condições e agora não tem mais…
Sérgio Ricardo – Veja: eu sou jornalista há 40 anos em Mato Grosso. Sempre fui um jornalista que cobriu a Saúde. E desde que estou aqui nunca vi a Saúde de Cuiabá bem. Seu sempre vi a Saúde de Cuiabá capenga e com dificuldade para caminhar.
E quais são os motivos? Cuiabá é sempre sobrecarregada, com pacientes do interior. Alguns prefeitos conseguiram fazer uma gestão eficiente e conseguiram apenas “tocar”. E aí veio a gestão do prefeito Emanuel Pinheiro – e eu falo isso com tranquilidade -, que teve um grande problema para gerir Cuiabá: ele se desentendeu com o governador de Mato Grosso. Nunca vi, em 40 anos, um desentendimento tão aprofundado como aconteceu com o Emanuel e com o governador Mauro Mendes.
Esse desentendimento prejudicou Cuiabá? Sim. Atrapalhou sim. Talvez, Emanuel não imaginasse que enfrentaria tanta dificuldade sem a colaboração do Governo. O Estado ajudou, contribuiu, colaborou. No processo de intervenção, o Estado investiu. Mas a gestão do Emanuel foi uma gestão totalmente conflituosa com o gestor do Estado.
Cuiabá é uma cidade de muitos problemas, um desafio. O próximo prefeito tem que saber: não vem de qualquer jeito, não vem indisposto
E o Emanuel também falhou na gestão, teve falha no gerenciamento. Então, isso tudo se juntou e hoje nós temos o caos. E não estou falando como presidente do Tribunal de Contas, como conselheiro. Estou falando como cidadão de Mato Grosso, como cidadão de Cuiabá, que conhece a população, que conhece a necessidade da população. Eu fui vereador e deputado estadual, e minha base é Cuiabá e Várzea Grande. Conheço a situação. E sempre foi assim. Mas hoje está infinitamente pior. Eu nunca vi a Saúde de Cuiabá tão mal como está hoje.
Estou elaborando uma solicitação da relação dos óbitos diários nos hospitais de Cuiabá, porque já estamos entrando em colapso total. Nós temos pacientes que estão há 30 dias, 60 dias, 90 dias esperando. Temos pacientes de ortopedia esperando uma prótese, um parafuso, uma placa… Temos pessoas necessitando de cirurgia neurológica. E ao mesmo tempo, como esses profissionais e médicos não recebem, têm muito dinheiro para receber, podem entrar em greve a qualquer momento. Anestesista entra em greve, neurologista entra em greve, ortopedista. E eles todos atendem no Hospital Municipal de Cuiabá e no São Benedito. A alta complexidade está toda ali. Ou seja, a situação é gravíssima, muito preocupante.
Quando tratamos aqui da possibilidade de estadualização, eu falei: “Governador, o prefeito aceita estadualizar”. O governador pensou uns dois dias e a resposta que tivemos é que ele não quer fazer a estadualização. Estamos em uma situação delicadíssima. Prefeitura sem conseguir tocar… Estou querendo o relatório dos óbitos. Aumentaram as filas das cirurgias, das consultas, dos exames. A situação é gravíssima.
Não existe cidadão municipal, cidadão estadual, cidadão federal. A Saúde é tripartite. É a União, o Estado, o Município. Todos são responsáveis e têm que cuidar.
MidiaNews – Diante desses descumprimentos do TAC, há como se falar em punição ao prefeito Emanuel? O TCE e o MPE podem fazer isso?
Sérgio Ricardo – O Emanuel chegou a ser afastado por não cumprir decisão judicial. Durante quase um ano, houve uma intervenção e ele perdeu a gestão da Saúde. Teve as contas reprovadas pelo Tribunal de Contas. Ele está pagando pelo desgaste.
Há punição, sim. E está aí um exemplo de gestor que vem sendo punido. Agora, ele está aguardando um novo julgamento de suas contas pela Câmara de Vereadores, mas já teve as contas reprovadas pelo Tribunal de Contas. É raro isso acontecer. Nunca aconteceu com a Capital de Mato Grosso. Veja, há um preço. Não tem como não se pagar um preço se não correspondeu, se se propôs a ser gestor e não conseguiu cumprir. E aí não importa o porquê. Penso que ninguém quer ser político para errar, para fazer bobagem. Só que não é fácil ser gestor. Uma coisa é ser legislador, outra coisa é ser gestor. Não estou aqui avaliando Emanuel, mas é assim que a coisa funciona.
Vejo que ele está pagando um preço muito alto. Agora, não dá mais para ficar jogando a culpa em ninguém. Passou o tempo da culpa. Não dá mais para perder um minuto. Não! Tem gente morrendo na fila, tem gente morrendo esperando um exame. Essa gestão termina daqui a oito meses. Não dá mais para esperar. Todo mundo tem que se unir, estar junto, buscar soluções, porque a situação da Saúde de Cuiabá é caótica. E aí a gente vai ver o Tribunal… Eu quero a relação. Vou entrar em contato com a Secretaria de Saúde do Estado, do Município… Eu quero a relação dos óbitos e os motivos a partir de hoje, para colocar isso em pratos limpos.
MidiaNews – Cuiabá hoje sofre com problemas em todas as Pastas, não só na Saúde. Pelo que o TCE está acompanhando, qual é o pior setor da atual gestão?
Sérgio Ricardo – Quando cheguei em Cuiabá, há 40 anos, havia cinco prédios. Eram 55 municípios no Estado. Os futuros gestores precisam seguir exemplos do que fazer e do que não fazer. Os desafios de uma cidade como Cuiabá são maiores que qualquer outra cidade de Mato Grosso. Temos uma cidade planejada, e outra não. Temos uma cidade com pouquíssimo saneamento básico.
Solicitei à Câmara que me encaminhasse o projeto do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, apresentado pelo prefeito Emanuel, e pedi que não votasse a matéria antes de uma análise do Tribunal de Contas. A nossa preocupação, na causa ambiental, por exemplo, é para onde essas construções serão permitidas. Quando eu era vereador, eu e meu grupo não permitimos a construção perto do Parque Mãe Bonifácia. Os prédios que existem ali já estavam planejados. Você pode ver que ao redor do Parque, ele ficou protegido. Eu sou presidente da Comissão de Meio Ambiente aqui e quero analisar.
Não estava nos meus planos jamais parar com minha vida política e vir para o Tribunal de Contas. Se você olhasse as pesquisas em 2012, eu estava liderando a corrida para ser prefeito
Fiquei sabendo que veio uma equipe do Paraná para fazer esse plano, meio que a contragosto dos profissionais e técnicos da Prefeitura de Cuiabá. Quero saber o que este plano está dizendo com relação à ocupação de Cuiabá, a preservação dos nossos córregos, dos nossos riachos, das nossas nascentes. Precisamos tomar conhecimento desse projeto.
E o presidente da Câmara, vereador Chico 2000, me garantiu que não vota enquanto não tivermos o parecer do Tribunal de Contas. Sei também que o doutor Deosdete [Cruz Júnior] do Ministério Público também pediu cópia. Justamente por causa desta preocupação que nós temos. Entendo que Cuiabá precisa de programas de reflorestamento. Cuiabá foi a “Cidade Verde”. Mas veja: como aumentou o calor em Cuiabá. Desde que cheguei aqui, posso dizer: está ao menos dois graus mais quente. Havia inverno em Cuiabá. Hoje não existe mais inverno!
Veja o Centro: casas abandonadas, lojas fechando todos os dias, comércio… Cada dia tem mais placas da aluga-se. Cada dia mais casas abandonadas. Eu ando muito no Centro. É impressionamente o abandono. Ali na região da Escola Técnica… Nosso Centro antigo nem se fala.
MidiaNews – Quais são os maiores desafios para o próximo prefeito?
Sérgio Ricardo – Cuiabá é uma cidade de muitos desafios. Eu morei em Curitiba (PR). Jayme Lerner foi prefeito e ele mudou a cidade. E era uma cidade que parecia que não dava para mudar. E ele mudou Curitiba. O gestor tem que pensar nas pessoas, no ser humano, priorizar a Saúde, a Educação.
Cuiabá é uma cidade de muitos problemas. Para quem futuramente vier a ser prefeito, tem que saber: não vem de qualquer jeito. Não vem achando que é fácil. Basta analisar a história. Eu já vi dez prefeitos, no mínimo, gerindo Cuiabá. Desejo sorte para quem quer que venha a ser o próximo prefeito. Eu, como cidadão cuiabano, cidadão mato-grossense, desejo sorte, muita sorte. Vou torcer muito para quem quer que seja.
MidiaNews – Comenta-se que seu estilo na presidência do TCE indicaria um possível retorno à política partidária no futuro. O senhor tem planos de voltar a disputar uma eleição?
Sérgio Ricardo – Tem duas coisas certas na minha vida: uma é a morte. E outra que eu não volto mais para a política. Duas coisas totalmente certas.
Não é muito comum para um presidente do Tribunal de Contas ter essa característica popular. Mas trago essa característica popular da rua, porque sou assim. Fui jornalista e estive sempre na rua, fui deputado de rua, que pedia voto nos semáforos. Sou popular, não consigo perder essa característica. Não consigo chegar aqui no Tribunal e me transformar em conselheiro, presidente do Tribunal de Contas, e ficar quieto, parado no meu gabinete.
Não, não é essa a minha característica. Gosto de estar discutindo, de participar das discussões. Continuo assim. Fui três vezes deputado estadual, fui presidente da Assembleia, fui vereador, fui durante um período curto – mas fui – governador do Estado. Vi a agonia que é você ser um prefeito. Vi muita agonia naqueles com quem eu convivi que eram prefeitos, naqueles com quem convivi que foram governadores. Quero discutir políticas para Mato Grosso, soluções para Mato Grosso. Agora, voltar para política? Jamais! Política partidária, disputar a eleição, nunca mais.
MidiaNews – O senhor foi um dos conselheiros afastados por ordem da Justiça em 2017, acusados de receberem propina no ex-governador Silval Barbosa. Após 4 anos, retornaram aos cargos. O que o senhor pode falar desse episódio?
Tem duas coisas certas na minha vida: uma é a morte. E outra que eu não volto mais para a política. Duas coisas totalmente certas.
Sérgio Ricardo – Falo sobre isso com muita tranquilidade. Sobre o afastamento, sobre a acusação de que eu tinha comprado a vaga no Tribunal de Contas. É impossível comprar algo de alguém que não tem. Como você vai comprar uma vaga. Ninguém é dono de vaga? E a minha vinda para o Tribunal está muito bem explicada, tanto que na ação penal fui absolvido sumariamente desta questão da compra de vaga.
Em 2012, eu vivia na Assembleia Legislativa o melhor momento da minha vida. Tinha sido eleito com 87 mil votos, estava no meio do meu mandato, era o primeiro-secretário da Assembleia, uma amizade maravilhosa com todos os deputados, tanto que fui mandado para cá por unanimidade. Tive o voto de todos os deputados estaduais. Eu estava no meio de meu mandato, já era primeiro secretário, havia possibilidade de ser presidente na próxima composição. E aí surgiu a vaga aqui. E na Assembleia, o meu partido, o PR, tinha a maior bancada. E era consenso que o futuro conselheiro ia sair do PR, que era o maior partido, era o partido do governador Blairo Maggi.
Naquele momento a vaga era da Assembleia e seria um dos sete deputados do PR: eu, ou Sebastião Rezende ou o Mauro Savi, ou Wagner Ramos, João Malheiros, J.Barreto. Um de nós já sairia com sete votos. Depois era só compor com mais cinco. E o PR entendeu naquele momento que o mais indicado pelo partido era o Sérgio Ricardo. Por quê? Eu tinha credibilidade com todos os deputados. E eu sempre ia ser candidato a presidente e a primeiro secretário da Assembleia.
Então eles queriam era que eu saísse da Assembleia porque eu era campeão de votos. Naquela eleição eu tive 47 mil votos em Cuiabá e 17 mil em Várzea Grande. Eles pensaram: “Peraí, surgiu um cargo no Tribunal de Contas e tem um cara aqui que sempre vai disputar. Campeão de votos em Cuiabá, campeão de votos em Várzea Grande. Vamos tirar ele da Assembleia. Vamos mandá-lo para o Tribunal de Contas”.
Foi uma coisa totalmente nova para mim. Não estava nos meus planos jamais parar com minha vida política e vir para o Tribunal de Contas. Se você olhasse as pesquisas em 2012, eu estava liderando a corrida para ser prefeito. Na eleição que me reelegi eu figurava em primeiro nas pesquisas para senador, para governador. Então em 2012 eu estava pronto para ser prefeito de Cuiabá.
Surgiu a vaga em janeiro e começou a discussão interna na Assembleia. Eu não estava nem aí, não passava pela minha cabeça. A decisão para eu vir para cá foi dentro de dois meses. O meu partido decidiu, trabalhou e me mandou para cá. Então zero de preocupação, tanto que fui absolvido da ação penal na questão da compra da vaga.
MidiaNews – Alguns conselheiros falam desse período com muita mágoa e dor. O senhor sente isso?
Sérgio Ricardo – Não me entristeceu, não tenho mágoa, nenhuma mágoa. Há uma passagem de Mateus na Bíblia que diz assim: “Ninguém chega à terra prometida sem passar pelo deserto”. Todo mundo passa pelos seus desertos. Deus sabe o que faz. Continuo tocando minha vida exatamente assim, com muita tranquilidade.
Quero construir muito aqui dentro do Tribunal para ajudar Mato Grosso. Devo demais a Mato Grosso e a Cuiabá. Sou uma pessoa extremamente feliz. Não me deprimi e não tenho também notícia de que os outros conselheiros tenham ficado deprimidos.
Alguns, claro, se revoltaram, porque foi muita injustiça. Ficar quatro anos afastado de um cargo que você conquistou legalmente, de forma transparente, é uma coisa que você tem, até por obrigação, ficar indignado. Mas hoje ficaram as cicatrizes.
Convivo muito com meus colegas conselheiros, tenho consideração, carinho, sou amigo de todos eles. Vejo que todos estão trabalhando muito, se dedicando, voltados para a vida aqui dentro do Tribunal, produzindo.
Nós voltamos infinitamente melhores do que quando saímos. Estamos mais preparados. Veja: Valter Albano e Waldir Teis se formaram em Direito no período, o Novelli fez mestrado… Nós não temos mágoa mais. Isso já foi. Nós estamos melhores. Eu gosto de uma música do Milton Nascimento, que diz o seguinte: “Eu sou maior do que era antes. Estou melhor do que era ontem”.
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