Internacional
Sem passaporte, venezuelanos enfrentam caminhadas para obter refúgio
Compartilhe:
Venezuelanos correm contra o tempo, muitas vezes a pé, para chegar ao Peru antes de amanhã (25), quando o país passará a exigir passaporte dos imigrantes – e não apenas carteira de identidade. A medida representa mais um obstáculo para aqueles que buscam escapar da intensa crise pela qual a Venezuela passa.
“Conseguir um passaporte hoje, na Venezuela, é impossível para a maioria”, contou à Agência Brasil o administrador de empresas Edgar Romero, de 41 anos. Há um ano, ele decidiu se mudar com a mulher e os dois filhos para Buenos Aires, pois os passaportes dos quatro estavam prestes a vencer e tinha medo de não conseguir outros.
“Falta matéria-prima para fabricar documentos. Demoram uma eternidade para marcar entrevista e ainda cobram propina em dólares, o que representa uma fortuna que poucos têm”, acrescentou Romero que atualmente é motorista de táxi na capital argentina. “No mercado negro você consegue um [passaporte] por US$ 2 mil, mas nossa moeda não vale, depois de tanta desvalorização”.
De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 1,6 milhão de pessoas deixaram a Venezuela desde 2015.
Êxodo
Os países limítrofes à Venezuela adotam medidas para tentar lidar com o êxodo de venezuelanos que cruzam as fronteiras. O Equador foi o primeiro a exigir passaporte. Depois veio o Peru.
Nos últimos dias, o intenso fluxo de imigrantes virou tema principal da imprensa americana. Imagens mostraram venezuelanos que passam pelo território equatoriano ilegalmente, arrastando malas pelas estradas, para apresentar a carteira de identidade na fronteira peruana, antes de o prazo vencer.
Argentina
Nem os países mais distantes da Venezuela, como Argentina e Uruguai, escaparam. Neles, a presença venezuelana é cada vez maior, pois não exigem passaporte porque a Venezuela faz parte do Mercado Comum do Sul (Mercosul) – apesar de suspensa do bloco regional, integrado também pelo Brasil e o Paraguai.
“Até recentemente os venezuelanos que vinham a Buenos Aires eram profissionais formados, pessoas com condições econômicas para pagar uma passagem de avião”, disse à Agência Brasil o presidente da Associação de Venezuelanos na República Argentina, Mario Vicenzo Pensa. “Mas com o agravamento da crise, vem quem pode. Alguns cruzam a fronteira com o Brasil a pé, depois continuam de ônibus ate chegar aqui, onde e mais fácil conseguir emprego porque falam espanhol”, acrescentou.
Segundo dados do governo argentino, em cinco anos o número de imigrantes venezuelanos aumentou 1000%. Em 2016, eles representavam a 5ª maior comunidade de imigrantes em pedidos de residência na Argentina, depois dos paraguaios, bolivianos, peruanos e colombianos. Atualmente são a primeira.
Uruguai
A mesmo situação se repete no Uruguai, apesar de a economia ser menor e o custo de vida mais caro. Em 2017, o Uruguai emitiu 3.248 vistos de residências permanentes a cidadãos da Venezuela, país que liderou a lista de pedidos, seguido da Argentina (2.184 solicitações) e do Brasil (1.832).
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Uruguai, em 2014 apenas 78 venezuelanos obtiveram a residência permanente no país. Em 2015, foram 1.100. Em 2016, o número ultrapassou os 1.300, tendo mais do que dobrado no ano passado.
Tanto na Argentina quanto no Uruguai são freqüentes os relatos de imigrantes que abandonaram a família, o emprego e os amigos para refazer a vida longe, porque não acreditam que haja futuro na Venezuela.
Preservação
Maria* (nome fictício), de 52 anos, é funcionária pública aposentada do governo venezuelano. Há três meses e meio, ela se mudou para Montevidéu. À Agência Brasil, ela contou que os três filhos são adultos e vivem na capital uruguaia há três anos. Com saudade deles e cansada de não ter acesso aos medicamentos de que precisa para o coração e para a tireóide, Maria migrou para o Uruguai.
Mesmo com uma aposentadoria considerada razoável para os padrões da Venezuela, a funcionária pública disse que não conseguia comprar alimentos básicos e remédios, devido ao alto preço e ao desabastecimento dos produtos.
“Minha filha tinha que comprar os remédios aqui no Uruguai e enviar para mim. Agora consigo comprar meus medicamentos e me sinto comovida com a recepção que tive”, disse Maria, que elogiou a facilidade para adquirir o visto de residência. No Uruguai, para pedir residência, basta que os venezuelanos apresentem carteira de identidade e certidão de antecedentes criminais.
Segundo a aposentada, na Venezuela a água era cortada uma vez por semana, além de passar vários dias seguidos sem luz. Ela não quis revelar o nome verdadeiro, pois tem medo de que sua família possa sofrer represálias. Em Montevidéu, trabalha como cuidadora de uma senhora idosa, mas disse que não perde as esperanças de conseguir validar seus estudos para poder trabalhar na sua área de formação – relações públicas.
Temores
A Agência Brasil conversou também com Pedro* (nome fictício), que chegou há uma semana a Montevidéu e aguarda a tramitação dos documentos no Consulado da Venezuela. “Como ainda tenho pedido de documentos no consulado, tenho medo de que me bloqueiem e eu não consiga me legalizar aqui”, disse.
Professor de educação física, Pedro, 28 anos, tem um filho de 3 na Ciudad Bolívar, de onde veio. Ele contou que pretende se estabelecer em Montevidéu e juntar dinheiro para buscar o filho.
Segundo o venezuelano, a situação no seu país é mais difícil para quem tem filhos pequenos. “Um pacote de fraldas para 15 dias pode custar cerca de US$ 20. É praticamente impossível comprar leite em pó e comida, só consegue quem tem muito dinheiro. A opção é esperar o governo fornecer. Mas nunca se sabe o que virá nem quantos dias pode demorar”, desabafou.
Uma exceção entre tantos imigrantes, Pedro viajou de avião. Antes, seguiu a pé da Venezuela até o Brasil, onde conseguiu chegar a Boa Vista, de onde partiu de avião para Manaus e de lá, em um voo internacional com mais duas escalas, desembarcou em Montevidéu. “É muito caro para nós. Somente de passagens foram US$ 430, sem contar os gastos de comida e traslado terrestre”.
Desvalorização da moeda
A última desvalorização da moeda venezuelana registrou perda de 96%. Na segunda-feira ( 20), entrou em vigor a nova moeda venezuelana, o bolívar soberano, que tem cinco zeros a menos.
A referência na Venezuela é o petro – uma criptomoeda criada pelo governo do presidente venezuelano, Nicolas Maduro, baseada nas reservas petrolíferas do país, que estão entre as maiores do mundo. Cada petro vale US$ 60, o mesmo valor que um barril de petróleo.
Maduro também anunciou que, a partir de setembro, o salário mínimo será 35 vezes maior que o atual, valerá meio petro, o equivalente a US$ 30. O pacote econômico inclui o aumento de impostos e um acordo para fixar preços de determinados produtos.
O esforço é para acabar com o desabastecimento e a hiperinflação que, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), deve chegar a um milhão por cento até o fim de 2018.