Alimentação
Sem desperdício: aproveitar os alimentos por inteiro pode contribuir para a saúde
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Os preços dos alimentos não param de subir. Na mesma medida, a insegurança alimentar grave já atinge mais de 19 milhões de brasileiros (Rede Penssan, 2021). Nesse contexto, evitar o desperdício se torna uma importante solução.
“O aproveitamento integral dos alimentos, além de ser uma estratégia de economia, também é capaz de aumentar a densidade nutritiva das preparações alimentares, auxiliar no combate à fome, e ainda reduzir a quantidade de lixo produzido, por meio da utilização total do alimento e de todas as suas partes, como as cascas, folhas, sementes e talos, que geralmente são desprezados, apesar de ricos em nutrientes”, explica a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN).
Dados do Indicador de Inflação por Faixa de Renda do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostram que, no segmento de renda muito baixa, o aumento dos preços dos alimentos fez com que o grupo “alimentação e bebidas” correspondesse a 61% de toda a inflação apurada em abril deste ano. As altas de mais destaque são do arroz (2,2%), feijão (7,1%), macarrão (3,5%), batata (18,3%), leite (10,3%), frango (2,4%), ovos (2,2%), pão francês (4,5%) e óleo de soja (8,2%).
Evitar o desperdício contribui com a saúde
A Dra. Marcella explica que o não desperdício deve ser realizado diariamente por todas as pessoas, de qualquer faixa de renda, já que a prática traz excelentes nutrientes para o organismo. “Muitas fibras, antioxidantes e micronutrientes estão presentes nessas partes de alimentos que são, geralmente, desprezadas. Esses nutrientes estão relacionados com a boa saúde metabólica, prevenindo diversas doenças, inclusive o câncer”, acrescenta a médica.
A diretora da ABRAN acrescenta que é um hábito do brasileiro jogar fora partes importantes dos alimentos, principalmente por não conhecer suas funcionalidades. “Um exemplo é a gema do ovo. Muitos praticantes de atividade física utilizam somente a clara do ovo, já que ela é rica em albumina, uma proteína de origem animal com alto valor biológico e de baixa caloria. Mas todos os outros nutrientes dos ovos estão nas gemas, como metade das proteínas, vitaminas, minerais, ácidos graxos e carotenóides, responsáveis pela sua coloração e benéficos à saúde particularmente por sua ação antioxidante”, revela.
Isso também ocorre com diversos outros alimentos. Confira os exemplos destacados pela especialista:
Talos
De acordo com a médica nutróloga, os talos de legumes como couve, agrião, beterraba, brócolis e salsa podem ser muito bem aproveitados. “Eles contêm fibras e podem ser ingeridos refogados, na sopa, no feijão e até em patês. Em comparação à folha, o talo das couves (couve manteiga e couve-flor) tem três vezes mais Vitamina C. No caso do agrião, ele também contém ferro, cálcio e vitamina C, ingredientes importantes para a síntese de DNA, metabolismo energético, saúde dos ossos e dos tecidos, e sistema imune”, explica a Dra. Marcella.
“O espinafre, por exemplo, quando cozido pode ser aproveitado em sua integralidade. Eles são tão nutritivos ou mais do que as folhas, por serem ricos em fibras, minerais, vitaminas e antioxidantes como os polifenóis”, acrescenta.
Folhas de cenoura
A nutróloga conta que as folhas de cenoura são ricas em ferro, magnésio, zinco, vitamina K, vitamina C e antioxidantes. “Elas podem ser aproveitadas em salada, refogadas, em sopas e até em outras preparações. Por suas propriedades importantes, ela colabora para a saúde cardiovascular, evita inflamações e problemas neurodegenerativos”, conta.
Água de cozimento
Você sabia que até mesmo a água utilizada para cozinhar os alimentos pode ser reutilizada? “É importante o aproveitamento, uma vez que essa água concentra vitaminas hidrossolúveis, que podem enriquecer purês, arroz e gelatinas. No caso dos tubérculos, como as batatas e a mandioca, a água do cozimento conta com amido resistente, um tipo de carboidrato altamente benéfico que resiste à ação das enzimas digestivas. Como não é digerido, esse amido retarda o esvaziamento gástrico e aumenta a sensação de saciedade”, exemplifica a especialista.
A nutróloga conta que o amido também possui ação prebiótica, alimentando as bactérias do bem do nosso intestino. “Alimentos prebióticos têm sido apontados, em diversos estudos, como fundamentais para a manutenção da saúde imunológica, cardiovascular, cerebral e até da pele, devido à conexão da microbiota intestinal com diversos órgãos do corpo”, destaca a médica.
Cascas
A Dra. Marcella pede mais atenção com as cascas de frutas e tubérculos. “As cascas da batata e da mandioquinha podem ser assadas em forno e servidas como aperitivo. Uma batata cozida com casca pode conter até 175% a mais de vitamina C, 115% a mais de potássio, 111% a mais de folato e 110% a mais de magnésio e fósforo do que uma descascada. Só aí já percebemos o riquíssimo valor nutrológico da casca da batata. A casca de mandioquinha contém fibras em abundância”, diz a médica.
No caso das frutas, há opções que contam com fibras que melhoram o trânsito intestinal, como é o caso da maçã, da pera e goiaba. A nutróloga cita ainda benefícios das cascas de banana, laranja, limão e manga – todas ricas em nutrientes. Ela chama atenção também para as entrecascas, aquela porção entre a casca da fruta e seu “recheio”, como na melancia, no melão e maracujá.
Sementes
A nutróloga cita a procura por frutas sem sementes, como é o caso da uva – resultado do uso de agrotóxicos, substâncias danosas ao nosso organismo. “A semente da uva conta com boas doses de resveratrol, um poderoso antioxidante, e substâncias protetoras como magnésio, zinco e cálcio. Além disso, elas são fontes de fibras, vitamina C e E, flavonoides e proantocianidinas, elemento responsável pelo combate dos radicais livres”, conta a médica.
De acordo com a especialista, as sementes do maracujá também não devem ser evitadas. “Elas são ricas em compostos polifenólicos, substâncias que protegem as células de danos causados por radicais livres, então devemos sim consumi-las”, diz a diretora da ABRAN. Ela destaca ainda outras frutas com sementes altamente benéficas para o nosso organismo, como a melancia, o melão e o mamão.
Partes alternativas de carne animal
A Dra. Marcella recomenda o consumo de pé e pescoço de galinha, pedaços mais baratos, mas altamente nutritivos. “Suas proteínas são compostas prioritariamente de tecidos conjuntivos feitos de colágeno, ossos, pele, cartilagens e tendões, portanto o consumo dessa parte do frango tem benefícios muito particulares”, explica.
Além da galinha, o peixe também é uma opção – mais especificamente a sua cabeça. “O caldo de peixe fornece boas gorduras, vitaminas e minerais, excelente para o bom funcionamento do cérebro”, diz a médica.
Outras dicas para economizar
Segundo a especialista, é imprescindível manter hábitos alimentares saudáveis durante esta época de alta nos preços. “As proteínas são essenciais para um hábito alimentar equilibrado e as carnes foram um dos itens que mais tiveram seus preços majorados. Porém fazem parte do grande grupo das proteínas, além das carnes, os ovos, os laticínios e as proteínas vegetais presentes nas leguminosas como feijões, ervilhas, lentilhas, grão de bico e soja. Quanto às carnes, para continuar consumindo sem gastar muito, além de escolher cortes bovinos mais baratos, optar por carnes de frango, suína e até mesmo de peixe como a tilápia e a sardinha. Lembrando sempre que as melhores opções são os cortes mais magros”, diz a médica.
“Não há necessidade de consumir carnes em todas as refeições ou mesmo todos os dias, portanto bons substitutos para as carnes são os ovos, os queijos magros e as proteínas vegetais, um bom exemplo é a nossa brasileiríssima combinação de feijão e arroz que fornece todos os aminoácidos essenciais ao organismo. Se o arroz for integral, ainda contribui sobremaneira para o aporte de fibras diárias necessárias. Todas essas opções são mais baratas que a carne bovina e ainda trazem benefícios à saúde”, completa.
A nutróloga ainda destacou a importância de incluir uma variedade de frutas e vegetais na dieta, mas alerta: “como esses alimentos são frescos, é necessário cuidado e planejamento quanto às quantidades, prazo de consumo e armazenamento, para evitar desperdícios”. Também é fundamental tomar cuidado com os alimentos ultraprocessados. “Eles devem entrar no cardápio muito esporadicamente, pois além de impactarem negativamente o orçamento, ainda causam malefícios à saúde”, finaliza.
Terra.com.br