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“Rondon foi um grande pacifista e merecia o Prêmio Nobel”


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Quando pisou em Rondônia pela primeira vez, em 1978, o jornalista norte-americano Larry Rother ficou intrigado com o nome do então território federal, que homenageava um certo Marechal Rondon. Nascia ali uma admiração que o acompanha por mais de quatro décadas.

“Eu nem sabia quem era Rondon, mas fiquei curioso, claro. Uma pessoa que vira nome de Estado deve ser uma figura interessante. E, conforme eu ia avançando no interior de Rondônia, ia ficando mais impressionado”, relata o jornalista de 69 anos, que foi correspondente do jornal New York Times no Brasil.

Mais de 40 anos depois, Rother transformou aquele fascínio em livro. É ele o autor de “Marechal Rondon, uma Biografia”, lançado no início de maio pela editora Objetiva.

Trata-se da mais ampla e documentada biografia do mato-grossense Cândido Mariano Rondon, nascido no Distrito de Mimoso, em Santo Antônio de Leverger, em 1865.

Escrito em inglês e traduzido para o português, o livro tem fôlego para elevar Rondon a um novo patamar, especialmente em países do Hemisfério Norte, onde ele sempre foi tratado como um mero coadjuvante da histórica expedição da qual participou o ex-presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, pelos confins da Amazônia.

No livro, Rother defende a tese de que Rondon só não foi uma personagem maior na História porque tinha traços indígenas e a pele escura. “A ideia de um explorador, um intelectual, cientista indígena, era uma coisa impensável naquela época devido ao preconceito generalizado”, diz.

Rother avalia que, dados seus feitos, Rondon pode ser considerado, sem nenhuma ponta de dúvida, o maior explorador dos trópicos de todos os tempos. E que merecia ter recebido o Prêmio Nobel da Paz, tanto por sua abordagem com os índios quanto por seus atos antibelicistas.

De Nova York, onde mora atualmente, Rother concedeu uma entrevista por telefone ao MidiaNews

Confira a entrevista abaixo:

 

MidiaNews – O que o levou a escrever a biografia de Marechal Rondon? Como foi o seu primeiro contato com ele?

 

Larry Rohter – O meu primeiro contato foi em 1978, quando eu viajei pela primeira vez para a Amazônia. O primeiro lugar foi justamente o então território de Rondônia. Chegando lá, eu nem sabia quem era Rondon, mas fiquei curioso, claro. Uma pessoa que vira nome de Estado deve ser uma figura interessante.

 

E, conforme eu ia avançando no interior de Rondônia, ia ficando mais impressionado. Porque viajar já nos anos 70 era difícil. Mas à época de Rondon – no início do século XX – deveria ser muito mais difícil ainda. O Rondon deveria ser um homem muito corajoso, com uma resistência física incrível. 

 

E aí nasceu a minha fascinação pelo homem e a trajetória dele. 

 

MidiaNews – Como foi o trabalho de apuração para a construção do livro?

 

Larry Rohter – Existem acervos importantes no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e no Rio Grande do Sul, onde o Exército tem um museu dedicado a Rondon, em Santo Ângelo. Pesquisei em todos os arquivos desses lugares. A Biblioteca Nacional, o Acervo Histórico do Exército, o acervo de Darcy Ribeiro em Brasília, o Museu do Índio, a Fundação Getúlio Vargas e outros lugares.

 

Em Cuiabá pesquisei no Arquivo Público, na Avenida Getúlio Vargas, e também no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Além disso, viajei pelo Estado. Fui a Mimoso por duas vezes e a Rondonópolis. Porque o último capitulo do livro é um posfácio que fala sobre o Brasil de hoje e o legado de Rondon. Além disso, também fui a Cáceres, acompanhei a antiga linha telegráfica que iria a Vilhena (RO). Também fui a Pontes e Lacerda e arredores.  

 

MidiaNews – A memória de Rondon é preservada no Estado em que ele nasceu? 

 

Larry Rohter – Em certo ponto, sim. O Aeroporto de Cuiabá leva o nome dele. Tem também o obelisco, que marca o centro geodésico da América do Sul. E na Biblioteca Estadual tem um busto dele. Então, foi feito um esforço para preservar a memória. Em Mimoso, eu assisti à cerimonia dos 150 anos do nascimento de Rondon, com a presença do governador [Pedro Taques à época], comandante do Exército etc. Em Rondonópolis, fiquei hospedado no Hotel Rondon, fui ao Shopping Marechal Rondon. Tudo leva o nome dele. 

 

Mas eu não sei se o Rondon está presente no cotidiano do mato-grossense. Ele está presente, sim, mas de uma forma protocolar, eu diria. Ele não continua sendo uma presença viva na vida do Estado, dos cidadãos.

Divulgação

LARRY ROTHER

O jornalista norte-americano Larry Rother, autor da biografia de Rondon

 

MidiaNews – Há alguns anos, um colega seu, David Grann, lançou o livro “Z – A Cidade Perdida”, sobre o coronel inglês e explorador Percy Fawcett, que, acredita-se, morreu em Mato Grosso, possivelmente atacado por índios. O livro virou filme de Hollywood com lançamento mundial. O senhor tem o sonho de ver a figura de Rondon, com essa grandeza, nas telas do cinema?

 

Larry Rohter – Vamos falar primeiro de Fawcett. Eu dou uma esculhambada nele no meu livro. Porque eu acho que ele foi um grande incompetente e ele não merece o título de “grande explorador”. O livro de David Grann é muito bom e tem uma visão equilibrada do Fawcett. Mas o filme é muito ruim, porque exalta a figura dele, e realmente ele não merece isso. Porque foi uma pessoa muito arrogante e racista. Ele não gostava dos brasileiros, dos amazonenses e atuava com superioridade. Ele não quis aprender nada dos locais e isso vai ao contrário da minha experiência. Eu sempre escutei atentamente os conselhos dos moradores, dos ribeirinhos, da Amazônia. Porque eles têm um conhecimento do lugar e do ambiente que vai muito além de qualquer coisa que eu tenha lido em livros. 

 

Agora, os dois não se davam bem. Isso é claro. E eu fico com Rondon. Ele sendo natural da região, aprendeu o valor medicinal das plantas, como se virar na selva. Foi uma aprendizagem que começou quando ele era menino e nunca terminou. A coragem e o valor do homem foram incríveis.

 

MidiaNews – Sobre seu livro. Enxerga a possibilidade de ser um ponto de inflexão na história de Rondon no Hemisfério Norte. O senhor inclusive diz no livro que ele foi pouco reconhecido.

 

Larry Rohter – Eu acho que o caso mais claro disso é a famosa Expedição de Rondon e Roosevelt [ao longo do então chamado Rio da Dúvida, hoje Roosevelt, na Amazônia]. Existem muitos livros – e a maioria bons – sobre a expedição, mas Rondon sempre aparece nesses livros como coadjuvante, quando na verdade foi ele quem organizou a expedição e deu o título de comandante a Theodore Roosevelt por cortesia. 

 

Na verdade o Rossevelt, como novato na Amazônia, reconheceu o conhecimento que Rondon havia adquirido e sabia que a única maneira de sobreviver a uma aventura tão esgotadora seria seguir os conselhos de Rondon.

 

MidiaNews – Mas gostaria de insistir. O senhor sonha com Rondon sendo visto por um público maior, se tornando um grande personagem mundial? 

 

Larry Rohter – Seria ótimo divulgar o nome de Rondon por todos os meios de comunicação. Ele é o mais importante explorador dos trópicos de todos os tempos e merece ser destacado fora do Brasil. Ele não é conhecido mundialmente como outros. E as façanhas dele são iguais ou ainda mais imponentes do que outros exploradores mais conhecidos. Eu quero, sim, projetar o nome e a imagem de Rondon no Mundo inteiro. 

 

MidiaNews – Em algumas entrevistas, o senhor fala que os traços indígenas de Rondon foram determinantes para que ele não tivesse o reconhecimento que mereceu. Ele foi vítima de racismo?

 

Larry Rohter – Sim, e isso fica claro nas correspondências da Real Sociedade Geográfica e nos livros do Arnold Henry Savage-Landor, que na época era o autor de livros de aventura mais conhecido no Mundo. No livro e nas memórias que ele escreveu, ele fustiga os brasileiros e especialmente Rondon em uma imagem vulgar e racista. 

 

Isso foi uma barreira que o Rondon teve que enfrentar no Mundo de fala inglês. Com os franceses, não. Os franceses sempre valorizaram a obra e o trabalho de Rondon. Mas aqui nos EUA e na Inglaterra foi muito difícil. E o preconceito trabalhou contra o reconhecimento devido às conquistas de Rondon.

 

MidiaNews – O senhor acredita que Rossevelt poderia ter trabalhado mais para divulgar os feitos de Rondon?

 

Larry Rohter  – Eu não tenho briga com o Roosevelt nesse sentido. Quando ele volta ao EUA, ele tinha algumas reservas sobre a maneira em que a expedição foi conduzida, mas ele louvou aos seus o nome de Rondon e toda a equipe dele. Como o livro mostra, o doutor Cajazeira [médico José Antônio Cajazeira, que participou da expedição] foi o grande herói não reconhecido da expedição, e salvou a vida de Roosevelt em vários momentos.

 

Roosevelt já sabia disso e reconhecia. E nas cartas que escreveu quando votou aos Estados Unidos, ele fez um esforço para compartilhar de modo igual a fama e renome que veio com a expedição. Ele escreveu sobre Rondon, indicou-o para medalhas de sociedades especializadas em exploração. Ele fez tudo para projetar o nome de Rondon, mas o preconceito generalizado daquela época foi uma barreira. 

 

A ideia de um cientista indígena não “batia”. Para aquela época, era impensável. Porque índio é aquele cara que dança, canta e faz guerra. A ideia de um explorador, um intelectual, cientista indígena, era uma coisa impensável naquela época devido ao preconceito generalizado. E o próprio Roosevelt lutou contra isso, querendo ajudar o amigo.

 

MidiaNews – No seu livro o senhor diz que, diferente de outros exploradores cujo interesse maior era a biodiversidade, Rondon tinha como foco o homem.  Como chegou a essa conclusão? 

 

Larry Rohter – Ele se preocupou muito com recursos naturais também, mas sendo ele mesmo um caboclo – porque naquela época a palavra caboclo não tinha o sentido pejorativo que tem hoje – ele se orgulhava de ser caboclo, gostava das pessoas, dos ribeirinhos, ele ficava com eles, respeitava a coragem e o conhecimento deles.

 

Sendo egresso daquele ambiente do interior, fez tudo para estudar, fazer estudos e escrever sobre a vida do habitante do interior, sobre os indígenas, sobre os mestiços como ele. E ainda valorizava o estilo de vida deles, o conhecimento, e a maneira com que eles ajudavam a preservar o ambiente amazônico. 

Ele merecia, sim. O campo de atuação de Rondon em prol da paz era enorme

 

MidiaNews – O físico Albert Einstein chegou a indicar Rondon ao Prêmio Nobel da Paz. O senhor acredita que ele merecia essa honraria?

 

Larry Rohter – Ele merecia, sim. O campo de atuação de Rondon em prol da paz era enorme. Por exemplo, ele cunhou a frase “morrer se preciso for, matar nunca”. Ele foi um grande pacifista. E foi chamado de Gandhi brasileiro. 

 

Mas além da atuação dele em defender os povos indígenas, no Brasil e na América Latina, ele conseguiu evitar uma guerra entre Colombia e Peru, e passou quatro anos nessa difícil tarefa no coração da Amazônia. Além disso, trabalhou contra uma aliança entre o Brasil Varguista com a Alemanha Nazista e a Itália Fascista. Isso também é uma contribuição à paz mundial. 

 

O Einstein focou o trabalho pacífico de Rondon com os povos indígenas, mas o Rondon foi indicado três vezes ao Prêmio Nobel da Paz. E nas outras duas ocasiões as atividades como interventor e garantidor da paz também entraram na pauta. Tudo isso entra no currículo de Rondon como grande pacificador.

 

GALERIA DE FOTOS
Arquivo Nacional

Museu Histórico do Exército e Forte de Copacabana

Museu Histórico do Exército e Forte de Copacabana

Acervo do Museu do Índio/ FUNAI – Brasil

Acervo do Museu do Índio/ FUNAI – Brasil

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