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Rocha calcária ganha vida pelas mãos de Yusuf Dogan
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Esculturas serão expostas no Museu de Imagem e do Som de Cuiabá.
Pelas mãos do escultor Yusuf Dogan, a rigidez das rochas calcárias se desdobra em imponentes bustos, abstrações e representações regionais das mais variadas. Da Turquia, de onde saiu com seis meses de idade, o artista trouxe o ímpeto, estimulado aqui pela rica iconografia mato-grossense.
Mistura que deu origem à exposição Pedras em Movimento, que inaugura no Museu da Imagem e do Som de Cuiabá (Misc), na sexta-feira (14), às 19h30.
Para que o trabalho ganhasse vida, Dogan ignorou o estereótipo atribuído aos seus conterrâneos e se descobriu como escultor em 1994, durante uma de muitas passagens por Chapada dos Guimarães. Antes disso, era comerciante.
“Diziam que estava no meu sangue ter comércio, mas eu não via a luz que eu vejo na escultura. Fui crescendo e amadurecendo, até que veio a conclusão: é na pedra que está o que eu procuro.”
A partir daí começou a estudar e conhecer as pedras e a entender quais eram mais adequadas à sua proposta. Foi assim que chegou às calcárias, dolomitas e calcitas, predominantes entre o Distrito de Nossa Senhora da Guia (30 km da Capital) e Nobres (120 km de Cuiabá).
O resultado de sua primeira escultura, uma mão, confirmou a escolha. “Quando a vi pronta, pensei: é isso! É aqui que vou ficar.”
Autodidata em lapidação, o escultor se orgulha em dizer que não possui estudo formal em artes. Ele explica que cada peça exige de três a quatro meses de dedicação, da escolha da gema até o arremate final. O processo começa na pedreira, onde blocos são escolhidos de acordo com suas cores. Já no atelier, eles facetados com o auxílio de máquina. Daí para frente tudo é entalhado e lixado manualmente.
Embora a descrição remeta a precisão, força e atrito, o resultado se prova na sutileza das curvas e volumes. A deusa da justiça, exposta no Museu, materializa as minucias do processo. Se dividida em duas metades, revela o ombro direito erguido, em consonância com o braço que empunha a espada. Do outro lado, mais sensível, o queixo ruma para baixo, onde a outra mão segura a balança.
“No momento de facetar é que se dá a destinação da obra, o desenho que você vai querer. Esses são os traços que dei para a obra, mas no final ela reflete o imaginário do espectador. Ou seja, a interpretação depende do que cada um carrega dentro de si, de cada olhar”, afirma.
Embora hesite em apontar uma peça preferida, ele demonstra carinho especial pelo busto de Marechal Rondon. A obra, rica em detalhes, é composta também por um mapa do Brasil, com os contornos de Mato Grosso em alto relevo. Outras referências à cultura cuiabana encontram espaço em seu baú iconográfico. Caju, viola de cocho, o Esplendor do Espírito Santo e o Pintado são alguns deles.
“Eu devo muito a Mato Grosso e a Cuiabá, porque tudo aconteceu aqui. Então é impossível desprender esse elo. Pode ser que haja alguma coisa de lá [Turquia], que trouxe junto com a família, mas as minhas maiores inspirações são daqui”.
Frente ao trabalho, os obstáculos impostos pela criação perdem proporção e dão lugar a um semblante orgulhoso, como o de quem colocou um filho no mundo. “Não tenho nenhum arrependimento de ter mudado minha trajetória. Eu acho que o escultor, a partir do momento em que se encontra, é só aquilo que o satisfaz. Essa é a descoberta de tudo. Quando eu vejo uma obra pronta eu sinto que faço parte de alguma coisa, faço parte dela”, diz.
Diversidade
A realização da exposição converge com uma das principais características do Museu de Imagem e do Som de Cuiabá, que vem fazendo da diversidade, uma de suas principais marcas. Consolida-se ali um espaço multicultural, que transcende a singularidade de uma única proposta para abrir-se aos mais diferentes artistas e promover acesso a todos os públicos. É assim que se posiciona o diretor do Misc, Cristóvão Gonçalves da Silva.
“Esta é uma casa. E como casa, estamos disponíveis para receber bem todos aqueles que querem nos visitar. Na reabertura, tivemos a apresentação do Grupo Flor Ribeirinha, de cultura popular. Ao lado tínhamos o africano Hermínio Nhatumbo, que trouxe peças feitas com madeira. Ou seja, os artistas estão produzindo e buscando espaços, e nós temos esse espaço. Por que esperar?”
Ele reforça que esta também é uma forma de movimentar o Museu, que reabriu as portas neste ano, depois de quase três anos de pausa.