Saúde
Refluxo: o que é, quais são os sintomas e como tratar
Compartilhe:
“Quando minha filha dormia, eu ficava acordada com medo de ela sufocar com o leite que mamava. Desde o primeiro dia após o parto foi um terror. Tudo que entrava, saía imediatamente depois. Qualquer coisa era motivo para levar jato. Vazava leite até pelo nariz!” O relato é da securitária Andrea Gonçalves, 39 anos, mãe da Rafaela, que vai completar 4. Ela conta ainda que, mesmo com todos os cuidados com a filha, já tomou alguns sustos e por três vezes precisou fazer a manobra de Heimlich – quando se vira a criança para baixo, batendo nas costas para desengasgar. O diagnóstico? Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE).
Quem compartilha da mesma angústia de Andrea é a nutricionista Nataly Ayme de Castro, 30, mãe de Alice, 1 ano e 8 meses. Por causa dos engasgos, a família família procurou ajuda médica e descobriu que o problema era outro. “O resultado dos exames mostrou que ela tinha APLV (Alergia a Proteína do Leite de Vaca), e o refluxo está entre os sintomas. Suspendi o leite da minha dieta e isso fez com que ela melhorasse”, conta.
Refluxo à parte, saiba que bebês regurgitam, e esse vômito é absolutamente normal. Por isso, antes de se desesperar, leia com tranquilidade esta reportagem até o fim e entenda melhor a doença e a importância de um diagnóstico preciso.
Refluxo: o que é e como diagnsoticar
Os vômitos ocorrem em cerca de 20% dos lactentes. Pioram nos primeiros três meses, mas depois estabilizam. E, quando a criança tem entre 4 e 7 meses, começam a diminuir finalmente. Desaparecem de vez entre 6 e 12 meses. Isso acontece porque os bebês têm o esfíncter – anel muscular que separa o esôfago do estômago – imaturo, o que facilita a volta do conteúdo estomacal.
Já a Doença do Refluxo Gastroesofágico se caracteriza pelo vômito anormal e persistente, a ponto de interferir no ganho de peso da criança. “Além disso, irritabilidade e recusa alimentar também estão associadas, já que o retorno do conteúdo do estômago tem leite e suco gástrico, que é ácido e pode causar dor”, explica o pediatra Arno Norberto Warth, do Hospital Israelita Albert Einstein (SP). Como também surge na mesma época dos vômitos, pode confundir (e assustar) tanto os pais quanto os médicos. Um estudo realizado pela Universidade Thomas Jefferson (EUA), por exemplo, mostrou que até mesmo os especialistas têm dificuldade de identificar a doença.
A boa notícia é que a DRGE é bastante rara: menos de 1% das pessoas têm a doença de fato. Para fazer um diagnóstico certo, é importante procurar um gastroenterologista pediátrico, que fará inúmeros exames. “Em muitos casos, é preciso fazer radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno, endoscopia digestiva alta, biópsias de esôfago. Ainda assim, a interpretação dos resultados não é tão simples”, diz o pediatra Aristides da Cruz, do Departamento de Gastroenterologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Por isso, vale uma investigação mais profunda.
Não há idade certa para a realização dos exames. No entanto, eles só devem ser feitos se realmente forem necessários para confirmar a doença e nos casos mais graves – e, mais uma vez, somente os médicos podem avaliar isso. “A maior parte dos diagnósticos é feita primeiramente na conversa com os pais, de acordo com a história clínica do paciente”, ressalta o pediatra Warth.
Tratamento para refluxo
Uma vez que você descobre que o seu filho tem, sim, refluxo, são necessários alguns cuidados – a começar pela posição ao deitar: o corpo do seu filho deve ficar inclinado, de modo que a cabeça fique mais alta que os pés, em um ângulo de, no máximo, 30 graus, e sempre com a barriga para cima. Também é essencial ter atenção aos hábitos alimentares. “O leite materno é sempre o alimento ideal. Quando não disponível, os lactentes devem receber uma fórmula infantil. As fórmulas AR (antirrefluxo) não são de uso obrigatório, mas podem ser uma opção”, afirma Cruz. Depois da mamada, é fundamental mexer o mínimo possível na criança e deixar seu corpo elevado, de preferência de 20 a 30 minutos, para que o leite desça e se acomode no estômago. Uma dica é trocar a fralda antes de oferecer o leite, para evitar muita movimentação na sequência.
Ainda na lista de cuidados está a alimentação da mãe que amamenta, que deve evitar excesso de gorduras e de líquidos açucarados. Isso vale também para crianças e adolescentes que tenham o problema. Além disso, é preciso deixar de lado refeições muito volumosas ou que não sejam balanceadas. Ou seja, a dieta é a mesma de pessoas saudáveis, com todos os grupos alimentares e sem exageros.
Ficar sem comer, por sua vez, é outro obstáculo para quem sofre de refluxo. O ideal é fazer refeições com intervalos menores, com pouca quantidade de comida. Em casos mais graves, podem ser utilizados medicamentos que diminuem a produção de secreção do estômago (inibidor de receptor H2; inibidor de bomba de próton). Porém, quando nenhuma dessas medidas surte efeito, a cirurgia antirrefluxo se faz necessária. O que determina o tratamento, no entanto, é a gravidade dos sintomas, independentemente da idade do paciente.
O perigo de não tratar uma DRGE é que ela pode evoluir para problemas mais sérios, com consequências inclusive para a vida adulta. “Entre as complicações estão estenose de esôfago (estreitamento do esôfago, que impede a progressão normal de saliva e/ou alimentos), hemorragia digestiva e anemia grave”, explica Cruz.
Agora, se o seu pânico em relação ao refluxo de seu filho é o risco de ele vomitar e se sufocar, acalme-se. A chance de isso acontecer é pequena. Casos como os do início da reportagem são, por sorte, pouco frequentes. E, na verdade, engasgar pode ser algo positivo, acredita? “A criança tem esses mecanismos de defesa, como tossir e engasgar, para impedir que o conteúdo do estômago vá para o pulmão, por exemplo. Pode acontecer de ela sufocar? Pode. Mas são situações extremas. Normalmente, isso ocorre com aquelas que apresentam também algum problema neurológico que iniba essa capacidade de se autoproteger”, garante Warth.
Acompanhamento depois do diagnóstico de refluxo
De acordo com o pediatra Arno Norberto Warth, após os 4 meses o sintoma diminui em boa parte das crianças. “É nessa idade que começamos a tirar a medicação daquelas que estão em tratamento. E até 1 ano, a maior parte dos casos se resolvem sozinhos”, diz o especialista. Foi assim com Rafaela, do início desta reportagem. A menina começou a melhorar com a introdução das frutas na alimentação. E a questão se resolveu totalmente ao comer as papinhas, quando ela tinha quase 1 ano. “Nunca mediquei. A pediatra optou por esperarmos até essa fase chegar. Tudo se resolveu naturalmente”, comemora Andrea.
Uma pequena parcela dos pacientes, no entanto, segue com a doença durante a infância, adolescência e vida adulta. Os especialistas estimam que 20% dos adultos brasileiros sofram de DRGE. Se esse for o caso do seu filho, está tudo bem. Ele precisará apenas do acompanhamento de um gastroenterologista, que vai indicar o melhor tratamento e adequá-lo às necessidades dele.