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Quais são as diferenças entre fome e gula?


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Comer é um ato que por um lado atende às necessidades do corpo por energia e, por outro, está vinculado a um prazer autônomo e independente daquelas necessidades. No primeiro caso, as necessidades são expressões meramente fisiológicas, mas no segundo expressam uma concupiscência desde há muito vista nos contextos religiosos como pecado.

No entanto, os limites entre ambas não são fáceis de serem traçados com precisão. Quando se fala em fome, geralmente está-se referindo a uma necessidade ou desejo indiferenciado e obrigatório de comida, embora, por extensão, refere-se também a qualquer outro desejo forte (por exemplo, “eu tenho fome de vencer”). A frase “estar com fome de …” é comum para expressar uma intensidade que vai além da necessidade de comida. Em alguns contextos religiosos, o comer é incluído como parte dos seus rituais. As missas católicas contemplam a celebração de uma refeição. Conferindo ainda uma maior abrangência ao termo, Mateus, versículo 6, diz: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça”.

A gula, por sua vez, o vício de comer em excesso, é vista como pecado. Para pensadores antigos, de viés religioso, alguém envolvido nos prazeres da gula pode se afastar das atividades espirituais e enfraquecer suas defesas morais. Ela só é superada quando alguém tem uma “alma completa”. O filósofo cristão medieval Tomás de Aquino afirmou que comer em excesso pode iniciar uma alegria excessiva e indecorosa, loucura, impureza, loquacidade e embotamento da mente.

À medida que os tempos mudaram e nossa cultura evoluiu, a gula passou de um pecado a uma questão de saúde. Hoje em dia, a gula é mais uma questão de viver em uma sociedade que consome demais e desperdiça recursos; uma sociedade que se alegra com o excesso de consumo, mas denuncia aqueles que engordam. Nossos julgamentos de comida/bebida são muitas vezes baseados em nossos desejos e eles muitas vezes são moldados por forças sociais e culturais.

O consumo de alimentos pode espelhar o equivalente moral do abuso de substâncias, mas a comida é legal e aceita socialmente. Queremos o prazer irrestrito de comer, mas as consequências calóricas são mal vistas. Temos um potencial ilimitado de consumo, limitado apenas pelos nossos desejos. Não apenas evitamos assumir a responsabilidade por nossas ações, mas também jogamos fora os sinais de saciedade do corpo. Não permitimos que nossas fisiologias trabalhem como a Natureza pretendia.

Comer além do necessário faz mal?

Pense no seguinte: se uma pessoa ingere mais alimento do que é biologicamente demandado, a máquina orgânica digestora tem de funcionar além do necessário, ocasionando maiores desgastes. Além disso, o excesso de energias é acumulado sob a forma de gorduras orgânicas, causando obesidade.

A regulação alimentar de um animal não humano é feita quase que exclusivamente por mecanismos orgânicos. Quando se trata dos homens, essa regulagem depende também de fatores sociais, culturais, psicológicos e religiosos. O animal só come quando tem fome e come a primeira coisa comestível que esteja em seu caminho, determinada pelo instinto; o homem, além disso, come também por motivos psicológicos, sociais, estéticos ou rituais e mesmo encontrando comida pode adiar sua satisfação em vista de uma escolha alimentar determinada.

Todo chef sabe que um bom prato, além de ser nutritivo, tem de ser saboroso e esteticamente agradável. Come-se não apenas porque o corpo pede, por meio da fome, mas come-se para celebrar, para festejar ou por pura gula. Algumas pessoas sofrem de compulsão alimentar e não conseguem controlar a quantidade de alimentos que estão ingerindo, e comem em excesso também por ansiedade ou quando estão estressadas.

O comer demais gera uma desagradável sensação de plenitude gástrica e, por vezes, vômitos. Além disso, a ingesta em excesso de certos alimentos causa consequências maléficas. Este é o caso, por exemplo, do potássio, do açúcar, do sal, da cafeína, do flúor, das gorduras e dos carboidratos. Aqui estamos considerando apenas o excesso dessas substâncias decorrente do comer em excesso. Uma dieta que seja farta em algum desses elementos pode ter os mesmos efeitos maléficos, mesmo que a comida seja ingerida em menores quantidades. E o comer em excesso causa outro mal que em alguns países tornou-se uma epidemia: a obesidade e suas consequências.

Qual é o papel do jejum?

Em geral, os jejuns mais prolongados obedecem a motivações religiosas, embora os jejuns mais curtos possam ser feitos por razões médicas ou como dietas para emagrecer. Jejuar por propósitos espirituais é tornar-se espiritualmente “completo”, mas também constrói disciplina e respeita os verdadeiros sinais de fome do corpo.

Breves períodos de jejum ensinam que a fome não é uma emergência que requer ação imediata em todos os momentos. Idealmente, aprende-se a distinguir sinais físicos, naturais e verdadeiros de fome. Se a comida/bebida está governando a vida da pessoa, desistir dela por um determinado período de tempo pode ser um excelente exercício de autoexame. Esse autoexame através do jejum ensina a estar contente com comidas simples.

O jejum pode nos ajudar a controlar pensamentos gulosos e redirecionar o apetite para algo construtivo. Além disso, aqueles que regulam a comida tendem a gostar mais dela. Alguém que acabou de fazer um jejum de qualquer natureza, provavelmente gostará mais de um morango do que a pessoa que comeu todos os dias. Ademais, se estiver sempre plena de comida/bebida, a pessoa pode esquecer-se do crescimento espiritual. O jejum foi feito para aumentar a fome pela espiritualidade.

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