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Por que a raiva é uma questão de saúde pública?


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Recentemente, casos de raiva no estado do Rio de Janeiro despertaram um alerta sobre essa zoonose, uma doença infecciosa viral que acomete mamíferos, inclusive seres humanos. Ela é causada pelo vírus do gênero Lyssavirus, da família Rhabdoviridae e se manifesta por meio de uma encefalite progressiva e aguda, que mata cerca de 40 mil pessoas no mundo, a cada ano, a maioria, na Ásia e na África.

No Brasil, muito por conta do Programa Nacional de Profilaxia da Raiva (PNPR), instituído em 1973, o Brasil alcançou resultados relevantes no controle da raiva urbana. Desde 2004, houve significativa redução dos casos de raiva em cães e gatos, tornando a enfermidade praticamente eliminada dos centros urbanos do país. Consequentemente, caiu também a ocorrência de casos humanos por transmissão dessas espécies.

As ações de vacinação antirrábica canina e felina resultaram em um grande ganho para a saúde pública, permitindo que o país saísse de um cenário anual de mais de 1.200 cães positivos para raiva e taxa de mortalidade de raiva humana por cães de 0,014/100 mil habitantes, em 1999, para nove casos de raiva canina e nenhum registro de raiva humana por cães, em 2018. De acordo com o Ministério da Saúde, 2020 foi o quinto ano consecutivo sem casos de raiva humana por variante canina.

Por isso, os recentes casos noticiados chamaram atenção. Eles ocorreram em dois municípios fluminenses. Em Duque de Caxias, no início do mês, foi confirmada pelo Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária (Ivisa-Rio) a morte por raiva de um cão atacado por um morcego. Em 2020, um caso de raiva humana, em Angra dos Reis, resultou na morte de um menino, mordido por um quiróptero, e que não recebeu a profilaxia adequada. Quando não tratada, a raiva evolui para óbito em quase 100% dos casos e, nos sobreviventes, deixa sequelas gravíssimas.

Segundo dados atualizados em dezembro de 2020, pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS), entre 2010 e 2020, foram registrados 39 casos de raiva humana. Já o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que recebe as notificações de raiva animal, informa que, de 2009 a 2019, foram notificados 49.562 casos em nove espécies, como bovinos, equídeos, cães e gatos, entre outros.

Isso mostra que a raiva ainda é uma zoonose que deve estar no radar de órgãos de governo, médicos-veterinários e da população em geral. “Faz-se prioritária a orientação de médicos-veterinários para a conscientização do público em geral voltada a aspectos de risco de transmissão de vírus da raiva por mamíferos não tradicionais, as formas de prevenção e ações pós-exposição ao vírus”, alerta Nélio Morais, presidente da Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CNSPV/CFMV).

Raiva no Brasil

O PNPR foi institucionalizado há quase 50 anos e já listava seis atividades estratégicas para o controle da raiva urbana e a eliminação de casos em humanos.

     • Atendimento das pessoas expostas ao risco de acometimento da doença;

     • Vacinação de cães e gatos;

     • Diagnóstico laboratorial;

     • Vigilância Epidemiológica;

     • Recolhimento de animais;

     • Educação em Saúde.

Apesar de rara em áreas urbanas, a raiva silvestre, sobretudo casos relacionados à transmissão por quirópteros, passou a figurar no cenário epidemiológico nacional como um grande desafio a ser trabalhado em busca de um controle sustentável. O morcego hematófago passou, então, a ser o principal transmissor dessa zoonose ao homem, no Brasil.

O Programa Nacional de Controle da Raiva dos Herbívoros (PNCRH), executado pelo Departamento de Saúde Animal (DSA), do Mapa, estabelece suas ações visando ao efetivo controle da ocorrência nos herbívoros, no Brasil, e não à convivência com a doença. Esse objetivo é alcançado por meio da vacinação estratégica de espécies suscetíveis e do controle populacional de seu principal transmissor, o Desmodus rotundus, associados a outras medidas profiláticas e de vigilância.

Estima-se que, em toda a América Latina, a raiva em herbívoros cause prejuízos anuais de centenas de milhões de dólares, devido à morte de milhares de cabeças de gado, além dos gastos indiretos com a vacinação de bovinos e tratamentos pós-exposição (sorovacinação) de pessoas que mantiveram contato com animais suspeitos. A notificação de casos suspeitos ao Serviço Veterinário Oficial é obrigatória.

“Embora não seja considerada uma enfermidade de grande risco pandêmico, é evidente que a raiva deve ser foco de avaliação de risco e prevenção, pois apresenta um elevado risco para a saúde pública. Pesquisas e desenvolvimento nas áreas de vigilância, monitoramento e formas de diagnóstico precoce são necessários. Esforços para entender e encontrar os gatilhos do desenvolvimento do quadro clínico e mitigar as causas de sua ocorrência devem ser encorajadas”, assinala Morais.

O que fazer em casos suspeitos ou confirmados de transmissão?

O gerenciamento atual para alguém exposto ao vírus da raiva é a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), a qual deve ser iniciada o mais precocemente possível. Alguns fatores devem ser considerados para a adoção do esquema profilático adequado, como o tipo de exposição, a localização da agressão, o animal agressor e a condição do animal agressor, dentre outros, conforme orientação do Ministério da Saúde.

Até o momento, a PEP tem taxa de sucesso de quase 100%, quando administrada corretamente, ou seja, logo após a exposição ao vírus. Como resultado, há poucos casos de raiva hoje, no Brasil, enquanto no mundo 95% deles ocorrem na Ásia e na África, onde a atenção médica após a exposição ao vírus ainda permanece como uma lacuna na atenção ao paciente. Isso significa que é possível evitar essa zoonose, desde que seja possível a realização da PEP apropriada.

Prevenção

Os principais cuidados a seguir são: manter em dia a vacinação de animais domésticos; evitar qualquer contato com animais silvestres, em especial morcegos; e prestar atendimentos de profilaxia imediatos, em caso de mordedura, arranhadura ou lambedura de ferimentos, meios pelos quais o vírus é transmitido.

Atualmente, a legislação federal que aprova as normas técnicas para o controle da raiva nos herbívoros no Brasil é a Instrução Normativa (IN) nº 5 do Mapa, de 1º de março de 2002, alterada pela IN nº 41, de 19 de junho de 2020. Várias Unidades da Federação possuem legislação própria que detalha ações específicas, em apoio às normas federais e quanto ao controle do Desmodus rotundus, além de atividades educativas, diagnóstico laboratorial, estímulo à vacinação dos herbívoros domésticos, cadastramento de abrigos e vigilância epidemiológica.

Vale lembrar que a reorganização de um determinado espaço determinará alterações ecológicas em menor ou maior grau, as quais modificam a circulação do agente infeccioso. O estudo de viroses, como a raiva, sua ocorrência, seus determinantes e processo de disseminação está incluído em epidemiologia. Por isso, sua análise deve ser realizada na perspectiva moderna de espaço virtual, e não territorial, e uma aplicabilidade de saúde única.

Fontes:

Site do CFMV,  Nota técnica da CNSPV/CFMV, publicada em 27/9/2019.

Jornal O Globo, Menino morre de raiva após ser mordido por morcego em Angra dos Reis, publicada em 17/6/2020.

CRMV-RJ, Confirmado caso de raiva em cão na Baixada Fluminense, publicada em 11/5/2021.

Ministério da Saúde, https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z-1/r/raiva. Atualizado em 22 dez. 2020, acessado em 17 mai. 2021.

Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Boletim Epidemiológico Vol. 50, nº 35, Nov. 2019.

Conselho Federal de Medicina Veterinária

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