Economia
Políticos aumentam ataques à Aneel e geram reação no setor elétrico
Compartilhe:
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tem sofrido forte pressão de políticos nos últimos meses, em uma tensão que chegou ao ápice na última terça-feira, durante reunião pública semanal da diretoria do órgão regulador.
Parlamentares da bancada de Rondônia atacaram diretores e servidores da agência em meio à discussão do reajuste nas contas de luz da empresa que atende o Estado, a Energisa (ENGI11), que também foi alvo, o que gerou uma reação no setor e levou uma importante associação de investidores a divulgar uma nota de repúdio.
O deputado federal Mauro Nazif (PSB-RO) chamou representantes da Energisa de “ladrões”, enquanto acusou a Aneel e seus funcionários de “covardia” e de serem “totalmente parciais” no debate.
“Vocês estão querendo trabalhar lascando os outros? Trabalhar apunhalando as pessoas?”, questionou ele, aos gritos, o que paralisou por alguns minutos a reunião do regulador.
As pesadas críticas dos parlamentares vieram mesmo após elevação média de apenas 0,1% nas tarifas estaduais.
O Fórum de Associações do Setor Elétrico (Fase), que reúne entidades de empresas de geração, transmissão e distribuição de energia, entre outras, definiu o caso como “uma situação alarmante e de extremo desrespeito às instituições e à sociedade em geral”.
A associação ainda disse que “apoia a postura da Aneel na condução dos processos que são de sua atribuição, ao tempo que defende a independência da instituição”.
Nova política
Um dos diretores da Aneel, Sandoval Feitosa, avalia que a forte renovação dos quadros do Congresso e em outros cargos nas últimas eleições está por trás do acirramento da tensão entre o órgão regulador e a classe política.
“Diria que no momento político atual houve uma grande renovação política, e muitos dos políticos que estão hoje aí não conhecem a estrutura administrativa do governo de uma forma geral”, disse ele à Reuters.
“A agência tem um rito de trabalho, que já está aí há mais de 20 anos.”
Criada em 1996, no governo Fernando Henrique Cardoso, a Aneel coloca como seu principal valor a autonomia. Embora sejam indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado, os diretores da agência têm mandato fixo e não podem ser substituídos.
Os reajustes tarifários, por exemplo, decorrem de cálculos complexos que levam em conta a regulação e são realizados por técnicos concursados.
Para o diretor-geral da autarquia, André Pepitone, o episódio com os parlamentares de Rondônia nesta semana “certamente não contribui para a formação de um ambiente de negócios seguro e saudável no país”.
“O diálogo é fundamental no exercício da regulação, mas atitudes desrespeitosas para com a instituição e seu corpo técnico, como vivenciamos na reunião de diretoria da Aneel da ultima terça-feira, não podem ser toleradas!”, defendeu, em nota à Reuters.
Além do deputado Nazif, outra parlamentar de Rondônia, Silvia Cristina (PDT), chegou a afirmar na reunião que o reajuste na tarifa de energia local seria “um assalto a mão armada”.
A Energisa afirmou em nota à Reuters que “cumpre de forma rigorosa a legislação federal que rege o setor e, por essa razão, não admitirá tentativas de difamação”.
Outras pressões
A coordenadora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretora da Aneel, Joísa Dutra, lamentou o caso, mas destacou entender que há um recente aprofundamento do movimento de políticos contra a agência reguladora, com foco em alguns temas específicos.
“Considero o episódio lamentável. Acompanho a agência, diria que desde sua criação, e não lembro que tenha havido momentos de tanta tensão.”
“Mas agora existem pressões enormes, eu diria que em três processos neste momento, relacionados à agência”, acrescentou.
Ela lembrou de queixas de políticos de Estados que tiveram elétricas privatizadas, incluindo Rondônia e Goiás, onde o governador Ronaldo Caiado tem prometido cassar a concessão da italiana Enel, responsável pela distribuição local; e debates sobre redução pela Aneel de subsídios à geração de energia solar por consumidores.
A Assembleia Legislativa de Goiás aprovou em primeira votação um projeto para rescisão do contrato da Enel Goiás, uma atribuição que seria da Aneel e do Ministério de Minas e Energia.
Já as discussões sobre a chamada geração distribuída, que geralmente envolve a instalação de painéis solares em telhados, chegou ao presidente Jair Bolsonaro, que disse em mais de uma ocasião em suas redes sociais ser contra a proposta da Aneel, mas destacou, em tom de queixa, que “as agências são independentes”.
O senador Major Olímpio (PSL-SP) afirmou em vídeo que circula nas redes sociais que uma frente parlamentar já obteve 303 assinaturas de deputados e 41 de senadores contra a atuação da Aneel para mudar as regras da geração distribuída.
“É uma coisa de louco, são órgãos de governo (agências) contra a manifestação do presidente da República.”