Agronegócios
PECUÁRIA: Gado com carteira de identidade
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Quando essa atividade, por alguma circunstância, ficava sob responsabilidade do marido ou filhos, aconteceu em certas ocasiões deles não reconhecerem os animais e, assim, dificultava as anotações individuais de produção em propriedades de referência e a informação se perdia.
Pesquisa – Dessa situação, digamos, pitoresca, surgiu uma pesquisa do Iapar (Instituto Agronômico do Paraná) para desenvolvimento de um método de identificação baseado no padrão biométrico do espelho nasal (o focinho) dos animais, a partir de tecnologias como inteligência artificial e algoritmos. O pesquisador do instituto, João Aril Hill conduz o trabalho de pesquisa com o estudante de engenharia da computação da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná), de Curitiba, Lucas Nolasco.
Novas tecnologias – É a partir da identificação precisa dos animais que é possível a inserção de novas tecnologias no rebanho, caso da pecuária de precisão, saindo do conceito de lotes e partindo para uma individualização do manejo.
“Impressão digital” – Em entrevista à Folha Rural, Hill comenta que lendo um livro do exame clínico de ruminantes de 1906 já se demonstrava que o espelho nasal funciona como uma “impressão digital” para bovinos. “O nosso trabalho acontece desde o início de 2018, tínhamos um banco de imagens com 90 animais e agora temos mais de 500 animais. Descobrimos poucos trabalhos nesse sentido aqui no Brasil, um deles na USP (Universidade de São Paulo). Conversamos com o pesquisador, que cedeu também a base de dados dele.”
Análise – A imagem será analisada por redes neurais e algoritmos que vão buscar padrões e assim auxiliar na identificação. Os testes até aqui mostraram taxas de acerto superiores a 95%. “Estamos trabalhando com perspectiva que o produtor use o seu celular (para tirar a foto do espelho nasal). A ideia é vincular essa imagem com uma ficha do animal, como é a nossa identidade, com informações básicas de uso rotineiro do produtor.”
Banco de imagens – Como a conectividade ainda não é forte nas propriedades rurais brasileiras – e isso acaba travando algumas tecnologias de agricultura e pecuária de precisão – o pesquisador imagina que num primeiro momento o pequeno e médio produtor tenha um banco de imagens no próprio celular. “Ele teria que fazer o cadastro do rebanho, já que ainda é difícil a rede nos estabelecimentos rurais. ”
Ampliação – Com o passar do tempo, a tecnologia de identificação poderia ser ampliada para associações de produtores e pela própria Adapar (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná), que ajuda na vigilância, rastreabilidade e até checar se exames e vacinação estão em dia. “Além de evitar marcar os animais na cara com ferro quente, o novo método também é mais eficaz e confiável que o brinco fixado na orelha do animal porque não há risco de perda e não pode ser trocado.”
Viabilidade – Por fim, ele trata da viabilidade dessas tecnologias na pecuária, que segundo ele, tem uma lacuna muito grande para preencher. “Para inteligência artificial (IA), aprendizado de máquinas, é preciso de um banco de dados robusto para que se torne realidade. Mas já há uma série de tecnologias que estão sendo utilizadas em rebanhos mais tecnificados. Como a ordenha mecânica, que pouco se tinha acesso e hoje dificilmente se encontra alguém que ordenhe com as mãos.”
Individualização do manejo – A ideia do pesquisador do Iapar, João Aril Hill, em relação à identificação dos animais casa perfeitamente com as tecnologias de pecuária de precisão que estão sendo estudadas em diversas instituições de pesquisa e já comercializadas com pecuaristas mais tecnificados. Se a agricultura de precisão ganhou impulso com a indústria de máquinas – e a suinocultura e avicultura também estão muito fortes nesse sentido por trabalharem em ambientes fechados – a pecuária tem todo o potencial para seguir essas mesmas tendências.
Adaptação – Pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, Alberto Bernardi, em São Carlos (SP), que atua com agricultura e pecuária de precisão, relata que o trabalho da equipe da instituição é adaptar essas novas tecnologias para o manejo animal. Para isso, é preciso uma identificação animal eficiente. “A ideia é individualizar o manejo buscando um maior retorno do negócio. Isso passa por tecnologias como brincos ativos, que armazenam informações e puxam o histórico daquele animal. Hoje isso já está acontecendo, mas ainda sem esse detalhamento todo.”
Estudo – Bernardi comenta que equipamentos e sensores estão sendo estudados. Os testes envolvem por exemplo colocarem gadgets que monitoram quanto tempo um animal está andando, parado, e até o tempo de pastejo e ruminação. “Isso começa a dar informações interessantes sobre saúde animal, se ele andou menos o que está acontecendo Um problema no casco Se a fêmea andou mais pode indicar um período de cio. São informações para auxiliar no manejo. Tudo isso são facilitadores para a tomada de dados e assim subsidiar as decisões.”
Finalidade bem definida – Uma situação interessante que o pesquisador da Embrapa bate na tecla é que pecuária de precisão não é simplesmente ter uma máquina cara ou sensor funcionando, sem finalidade muito bem definida. “Se não conseguir extrair os dados e a informação daquilo, não estou fazendo a gestão do negócio. Entendemos (essa tecnologia) como ferramentas de gestão. O pecuarista precisa deve ter em mente primeiramente todo o processo dele, e o técnico precisa estar ligado para saber onde é possível automatizar (a produção) e a partir daí detectar as necessidades deles.”
Entendimento – Portanto, o processo de escolha dessas tecnologias está ligado ao entendimento claro do sistema de produção e, antes de qualquer coisas, o manejo básico precisa estar muito bem afinado. “Existe um conjunto de boas práticas que devem ser aplicados na produção, desde pastagem, manejo animal…se não tiver cumprindo esse bê-á-bá, dando comida para os animais, sanidade, não adianta aplicar equipamentos caros. Se não fizer o básico bem feito, que efeito terá tais equipamentos”
Boa gestão – Com esse pensamento de gestão, talvez antes de qualquer investimento em equipamentos, a pecuária de precisão já comece com uma boa gestão da propriedade, tomando nota da produção e individualidades de cada animal, controle de custos, receitas do negócio… “Isso já faz parte da pecuária de precisão. Mas estamos vendo que o setor cada vez mais vai se profissionalizar e lançar mão dessas tecnologias. Hoje ainda temos o pecuarista extrativista, mas também aqueles extremamente profissionais, com foco em exportação, por exemplo. Esse último está dentro do mercado e os outros vão ter que se adequar”, avisa.