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Os únicos que ganham com os Alcoólicos Anônimos são os donos das clínicas de reabilitação, diz especialista


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Gabrielle Glaser chama os AAs de “irracionais” e diz que seus métodos se baseiam mais em religião que em ciência

1. A senhora afirma que o sistema usado para tratar dependência em álcool e drogas nos EUA é ineficiente. Por quê?

Porque todo o nosso sistema de reabilitação é baseado nos preceitos dos Alcoólicos Anônimos (AA), um grupo criado nos anos 1930 que prega a abstinência e tem forte viés religioso. A taxa de sucesso dessa estratégia é baixíssima. Gira em torno dos 5%. Mesmo assim, essa indústria se agigantou. Hoje, movimenta cerca de US$ 35 bilhões nos Estados Unidos. Os únicos que ganham com isso são os donos das clínicas de reabilitação.

Gabrielle Glaser – STEPHEN ENGELBERG / CORTESIA SIMON & SCHUSTER

2. Como funciona o tratamento oferecido nessas clínicas?

A ideia em voga é que a pessoa deve passar 28 dias internada, sem consumir álcool ou drogas. É um momento de desintoxicação. Durante esse período, ela deve seguir os 12 passos descritos pelos Alcoólicos Anônimos no que é conhecido como O grande livro. Trata-se de um livro publicado em 1939 — e que orienta os tratamentos ainda hoje. Cinco desses 12 passos mencionam Deus. E, francamente, a maioria deles lembra uma oração. O livro entende o alcoolismo, ou o vício em outras drogas, como um sinal de fraqueza moral. Para superar o problema, e manter-se sóbria, a pessoa deve render-se à autoridade divina. Ora, isso não é ciência. Isso é religião. Essas clínicas cobram US$ 40 mil mensais de seus pacientes. Mas não vendem ciência. Elas vendem um conjunto de crenças.

3. Os AA fazem parte da cultura americana. Se esses programas não funcionam, por que alcançaram tamanha popularidade?

A história é sinuosa. No final dos anos 1930, havia dois homens que bebiam muito. Eles recorreram aos ensinamentos de um sistema religioso evangélico chamado O Grupo de Oxford. Esse grupo advogava que para superar o vício — uma falha moral — era preciso procurar Deus. Isso deu origem aos AA. Na época, os médicos nos Estados Unidos estavam ocupados tratando de doenças infecciosas. Os antibióticos começariam a ser usados nos anos 1940, e pouca gente se ocupava de buscar formas de tratar o alcoolismo. Os AA surgiram num momento em que a estratégia que eles ofereciam era, de fato, a melhor solução disponível. Rapidamente, o grupo se firmou na consciência popular. Tinha a vantagem de oferecer ao público algo que todos adoramos — uma narrativa redentora.

4. No Brasil, pessoas são internadas em comunidades terapêuticas para tratar de dependência química. O governo anunciou que pretende investir R$ 87 milhões nessas instituições. O dinheiro público pode ser mais bem gasto?

Os governos deveriam investir em estratégias que funcionam. A religião é um instrumento ótimo e poderoso se você for uma pessoa religiosa. Você investiria em uma igreja que prometesse curar o câncer por meio da oração? Um modelo interessante para servir de referência é o das políticas de redução de danos, empregadas em alguns países europeus. Outra coisa que se mostrou muito eficiente é a Terapia Cognitiva Comportamental. Ela reduz a intensidade e a frequência com que as pessoas bebem ou consomem substâncias desse tipo.

5. De que se trata a redução de danos?

As estratégias de redução de danos entendem que, por vezes, o melhor é permitir que as pessoas encontrem formas seguras de usar drogas. Ou que é mais eficiente oferecer uma nova droga em substituição a substâncias nocivas. Na Finlândia, por exemplo, pessoas com problemas de alcoolismo são tratadas com um comprimido chamado naltrexona. O objetivo não é que elas se tornem abstêmias. A mensagem é: “Tome a pílula uma hora antes de beber, e você beberá menos”.

6. Organizações internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), defendem a redução de danos como um método melhor que a mera abstinência para tratar dependência química. Por que há resistência à estratégia?

As pessoas têm uma noção equivocada de que redução de danos é algo nocivo. Tome o exemplo de Portugal. O país a adotou ao perceber que criminalizar o consumo de drogas provocava mortes. As pessoas não apoiam a redução de danos porque o vício ainda é estigmatizado. Resiste a ideia de que lidamos com uma falha moral. Apesar de a ciência demonstrar, repetidas vezes, que reduzir danos é uma estratégia eficiente.

A falta de preparo das pessoas que trabalham nesses centros. Eu sou do Oregon. Em meu estado, uma manicure precisa passar por mais horas de treinamento do que um funcionário de clínica de reabilitação. Os AA defendem que somente pessoas que passaram pelo programa podem ajudar outros pacientes a superar os próprios problemas. São pessoas sem qualquer formação médica.

8. No Brasil, há relatos de maus-tratos em comunidades terapêuticas. O mesmo acontece nessas clínicas?

Sim. Há relatos de pessoas que foram espancadas ou de pacientes que sofreram abuso sexual. Quem vai a uma clínica de reabilitação está vulnerável e fica à mercê de quem está no poder.

9. Os métodos usados nas clínicas de reabilitação americanas começam a ser questionados. Há mudanças no horizonte?

Não acho que o cenário deva mudar tão cedo. Há novas vozes, porém, se erguendo contra esse sistema. É um progresso em parte motivado pela crise que os EUA vivem em relação aos opioides. São drogas muito mais mortais que o álcool. A pessoa que passa um mês na reabilitação não aprende a lidar com o desejo por consumir essas substâncias. Ao deixar a clínica, volta a usar a droga, nos mesmos níveis em que usava antes do tratamento. Mas o corpo perdeu resistência. A pessoa morre por overdose. A rehab está matando essas pessoas.

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