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O que levou à queda do totem no Cânion de Capitólio?
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O cartão postal da região de Capitólio e Lago de Furnas, em Minas Gerais, que na última década ficou conhecido nacionalmente por sua beleza natural ímpar e começou a atrair turistas de todo o Brasil – sendo pautas de grandes programas de TV – virou uma das notícias mais comentadas e republicadas da sua história neste sábado, 08 de janeiro de 2022. Mas desta vez, por um acontecimento trágico.
O Cânion de Furnas, como é conhecido desde o século passado, a partir da construção da barragem da usina hidrelétrica de Furnas, na década de 60, era um local desconhecido até os anos 2000. Apenas alguns pescadores ou rancheiros da represa chegavam ao local por vias aquáticas, além de alguns amantes da natureza e aventureiros, que o acessavam por cima, para praticar escalada em rocha e o rapel na cachoeira.
“O local era deserto, uma paz, um convite à contemplação no sentido mais pleno da palavra. Muito antes do advento da fotografia digital e das mídias sociais, muito menos dos smartphones, íamos pra lá para praticar nossas aventuras e trocar energia com a natureza. Não para voltar com uma foto e ganhar likes e comentários na internet”, conta o aventureiro Sanner Moraes.
Com o passar dos anos, mais casas à beira da represa foram surgindo, mais barcos, cada vez maiores foram chegando e claro, por sua beleza, o local começou a ser mais frequentado.
Com visão empreendedora, dois empresários locais começaram a realizar passeios comerciais, um em uma balsa, conhecida por “Chalana” com capacidade para cerca de 100 pessoas e um outro com uma escuna, com capacidade para cerca de 20 pessoas. Eles foram pioneiros neste segmento.
Nesta mesma época, a câmera fotográfica digital se tornou acessível, a primeira mídia social popular apareceu, o “Orkut” e com estes, a possibilidade de divulgar galeria de fotos em perfis pessoais ou comunidades. Com a chegada do Facebook e novos recursos, a divulgação destes locais e de serviços entrou em sua primeira fase de grande alcance.
Foi então que o local também passou a ser mais frequentado por cima, dado a sua proximidade com a rodovia MG 050 e a facilidade de acesso.
Estes “novos turistas” vieram sem a consciência de um turismo sustentável, muito menos o compromisso necessário para o mínimo impacto.
“No local onde reinava a paz e tranquilidade, passou a reinar a baderna, o som alto, a bebida alcóolica, o churrasco, o lixo. Tudo isso é representado pela expressão “farofa”.
Cheguei a ver até fezes e pichações nas rochas. É altamente lamentável que um local destes, tenha sido consumido e depredado desta forma”, relata Sanner.
O que os dois pioneiros fizeram, fez crescer aos olhos de outras pessoas, que começaram a fazer passeios com seus barcos, numa atividade aparentemente bem lucrativa, uma vez que quem começava com uma lancha, logo passavam a ter duas ou mais, e isso foi um incentivo para que outras pessoas começassem a fazer o mesmo, aumentando significativamente a frota de barcos para passeios comerciais na represa.
É claro que isso só aconteceu porque aumentou também a demanda por passeios, e esta demanda aumentou por conta do início da era digital, que falamos acima.
Após o início de 2010, com o advento dos smartphones, do Instagram e do Whatsapp, entramos na segunda fase da divulgação de altíssimo alcance. Desta vez, foi o “boom”, uma avalanche “imparável” de divulgação.
A economia local entrou em um ótimo momento, mas o ecossistema entrou em uma decadência exponencial.
Isso é comum em qualquer lugar onde o ser humano passa a interferir. É o caso de quando se forma uma cidade. Antes da cidade, o local era uma natureza, com sua fauna e flora, e essa interferência existe desde que os humanos passaram a ser a raça dominante.
A inteligência para explorar novas economias é livre para todos e gera novos empregos. Do outro lado da cadeia econômica, há os turistas, todos que têm vontade de conhecer e têm o direito de conhecer. Mas quando este sistema começa a rodar e a aumentar significativamente a ponto de começar a comprometer a natureza, algo deve ser feito para frear, normatizar e preservar.
Mas isso não é algo que surge coletivamente, de quem está dentro dessa roda econômica. Essa normatização acaba surgindo através de instituições ou prefeitura que detém poder organizacional.
Lembrando que, se o turismo predatório acaba com a natureza e, consequentemente com sua beleza natural, e passa a ser um contrassenso, já que o objetivo é visitar a beleza natural.
Dificilmente, nessa proporção turística que a região chegou, ainda mais com o comportamento cada vez mais ególatra das pessoas, alcançaremos uma fase de controle de capacidade de carga de cada local. Todos têm o direito de visitar os locais e estes turistas não sabem qual a capacidade, muito menos conseguem gerenciar tal controle de acesso. É como se você estivesse sentado em sua poltrona em um ônibus lotado e embarcasse uma pessoa idosa, ou mãe com filho no colo.
Você tem o direito de se manter na sua poltrona, assim como os turistas têm o direito de visitar os locais, mas nem tudo que se pode, convém. No caso do ônibus, a probabilidade de alguém se abster do seu direito à vaga na poltrona e ceder o lugar, de forma empática, a quem sob seu julgamento precisa mais do que você, é muito maior do que no caso do turismo.
No turismo, estamos falando de um organismo muito maior, onde o ego e o senso de merecimento próprio supera qualquer outra percepção, e é claro que ninguém vai se abster de conhecer um atrativo turístico natural se não houver uma limitação imposta por alguma autoridade que controla e fiscaliza.
Foi o que passou a acontecer em 2019 com a criação Delegacia Fluvial de Furnas, a DelFurnas, da Marinha do Brasil, que começou a implantação de uma capacidade de carga e intensificou a fiscalização náutica do lago de Furnas.
Mas estamos falando apenas das vias aquáticas. E as vias terrestres, as estradas de acessos e as outras cachoeiras da região? O mercado de passeios 4×4 é tão intenso quanto os de passeios náuticos e depredam as serras.
Nesse caso, qual entidade poderia definir a capacidade de carga? Não se tem esse controle nas terras que estão fora das delimitações do Parque Nacional da Serra da Canastra. O que tenho visto é um impacto cada vez maior nas estradas de terra causados pelos veículos 4×4 e do turismo predatório em algumas cachoeiras da região.
A crescente oferta de passeios 4×4 segue o mesmo princípio dos passeios de lancha. Há muita demanda e quem começa com um veículo, passa a ter dois ou mais, despertando o interesse cada vez maior de novos operadores.
Alguns atrativos turísticos que já possuem essa consciência, já implementaram um modus operandi e determinaram sua capacidade de carga, especialmente em épocas de chuvas com risco de cabeças d’água. Eles fecham suas portas, impedindo que os turistas que desconhecem os riscos coloquem suas vidas em perigo.
Já outros atrativos investem cada vez mais em acessos para ônibus, aumentando a capacidade de recepção dos turistas, com o foco cada vez maior no lucro, o que vai na contramão da sustentabilidade do local e da segurança dos visitantes.
E alguns ainda dizem que as pedreiras que funcionavam antigamente nestes locais é que acabavam com as serras. O que o turismo predatório está estragando em menos de 10 anos vai superar, em área degradada, o que as pedreiras estragaram em mais de duas décadas.
Ninguém pode ser culpado pela situação ter chegado a este ponto, mas a partir desta tomada de consciência, de entender onde o turismo chegou e junto as suas consequências, se negligenciarmos as mudanças necessárias para conter o caos, então seremos todos responsáveis.
Sobre o totem de rocha que desabou no cânion de Capitólio.
Confira os pontos que Sanner Moraes, praticante frequente de aventuras no local destacou:
1)Não houve Cabeça d’água no dia.
Alguns pseudo especialistas, associaram o desmoronamento da rocha à uma cabeça d’água que ocorreu antes, causando vibração e fazendo o totem pré-fissurado cair. Essa informação é FALSA. Não houve cabeça d’água momentos antes. O vídeo que está circulando mostra o aumento repentino do volume de água da cachoeira da “esquerda” de quem entra no cânion por via aquática, ou seja, a cachoeira do ribeirão Diquadra, não aconteceu no dia da tragédia. Se você quiser entender as cabeças d’água e saber 7 dicas de como evitá-las.
2)A rocha da foto não é a mesma que caiu.
Algumas matérias mostram a foto de um totem, feita em 2012 pelo médico Flávio Freiras, com o título “Essa pedra vai cair”, como sendo o totem que desmoronou, mas isso não é verdade. Eu conheço bem o local e esta rocha da foto fica numa aresta central, entre as duas cachoeiras. A rocha que caiu fica à direita da cachoeira da direita, do ribeirão Diquadrinha, e é bem maior que a rocha da foto divulgada.
Totem “Errado”: Muitos estão pensando que o tem que desabou foi este, publicado pelo médico Flávio Freitas em 2012, porém esta não foi a rocha que caiu. Esta é bem menor e fica na aresta central do cânion
A cena do deslocamento da rocha caindo sobre as embarcações parecia cena de filme, parecia computação gráfica, de tão surreal que foi.
Quem poderia imaginar que aquele totem ia cair tão cedo assim? Acredito que ninguém que frequentou o local por muito tempo, pensou nessa possibilidade. Nem eu, que frequentei o local intensamente por mais de década.
Mas, segundo Paul Antonio, Ph.D em geofísica pela França e Brasil, que já visitou a região comigo para prática de canionismo, estas rochas vêm caindo desde a sua formação.
O Arenito, uma rocha macia e porosa, formada por camadas depositadas uma acima das outras (chamado de sedimentos) há 10 milhões de anos, quando submetido a alta pressão e temperatura, se metamorfoseou, se tornando o Quartzito, uma rocha extremamente dura (a mais dura que já vi) e resistente, porém essa dureza vem acompanhada de fraturas e pré-fissuras, por onde a água na época das chuvas – quando o solo fica saturado – escorre, e com o mesmo princípio da água que escava um profundo cânion, esse “veio” d’água, numa proporção menor, também escava a fissura.
Mas estamos falando de eventos de quedas que podem ocorrer com um espaçamento enorme de anos, entre um e outro desmoronamento, mas quando comparado num espaço de tempo de 10 milhões de anos, passa a ser percebido como um atrás do outro. Exemplo: O que são 200 ou 300 anos de espaço dentro de 10 milhões de anos? Nada… é um atrás do outro.
Segundo Paul, outras rochas podem ter caído neste tempo, mas como antigamente o local era pouco frequentado e não existiam formas práticas de registro audiovisuais, como os celulares, então um evento (ou mais) destes pode ter passado despercebido de nós.
Mas Sanner acredita que uma rocha desta magnitude não tenha caído desde que começou a frequentar o local, em 1999. São várias as vias de escalada por todo o cânion, e se uma rocha daquele tamanho tivesse “sumido” do local, entre uma ida e outra visita, certamente ele perceberia a falta.
Segundo ele, outro ponto a ser levado em consideração é que um desmoronamento destes, mudaria expressivamente o fundo, e os praticantes de mergulho do local, também amigos dele, perceberiam esta mudança.
Nunca houve delimitação de distância mínima para se navegar das paredes rochosas porque simplesmente, com base nas observações acima, nunca se viu uma queda destas. Diferentemente do turismo de observação de grandes geleiras, onde as quedas são frequentes, e por este motivo, por normas de segurança, as embarcações tem um limite para se aproximar.
Após este evento, certamente as instituições que regulamentam os passeios, ou mesmo a própria Marinha do Brasil, farão delimitações, às vezes até proibições de locais a serem navegados, até que um estudo geológico minucioso seja feito e garanta a segurança. Mas com base na imensidão de paredões rochosos que temos no lago de Furnas, este estudo pode demorar muito tempo, e por conveniência e segurança, é mais pragmático proibir do que abrir uma brecha para novos acidentes.
Quem perde com isso é todo o turismo náutico, ainda mais considerando que o Cânion de Capitólio é o cartão postal da região. É como você ir às cataratas do Iguaçu e não poder ver as cataratas. Mas até o momento, não há outra medida mais coerente do que a proibição da visitação ao local.
Mas no final das contas, qual foi a causa da queda do totem rochoso?
Esta é uma foto que fiz em 2013. Na ocasião, o nível do reservatório estava mais de 10 metros abaixo do nível máximo, expondo todo o totem que veio a cair.
Dá pra ver em detalhes que sua base estava com marca de desassoreamento, ou seja, sua base estava com a parte externa se fragmentando e sendo dissolvida pela intempérie da água.
Também é possível ver toda a fissura principal, longitudinal (no sentido vertical), da base ao topo.
Provavelmente uma somatória de fatores, mas não dá para definir qual teve maior participação. Alguns já mencionados acima, como a própria natureza de formação da rocha e suas fissuras internas, o desgaste feito pelas águas que minam através das fendas em épocas chuvosas, a variação do volume do reservatório e, consequentemente, seu peso podendo movimentar o leito do cânion, e até as obras com escavações para as fundações na construção de uma ponte, plataforma de escadaria, mirante e tirolesa que foram feitas na área do topo deste cânion podem ter antecipado a queda.
Acidadeon.com