Religião
O mal da incultura brasileira
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Creio que grande parte do problema da Igreja brasileira coincide com um dos motivos pelos quais ela também possui virtudes: porque é composta por brasileiros. Nós somos um povo trabalhador, persistente, resiliente e otimista, e isso é um dos motivos de a Igreja brasileira também ser, ao menos majoritariamente, otimista, resiliente e persistente. Contudo, mistificar a situação da Igreja brasileira não ajuda em nada quanto aos problemas em que devemos realmente focar. Os vícios inerentes ao povo brasileiro são inevitavelmente levados para a Igreja, e é neste tipo de associação indevida que a Igreja brasileira, como disse, deve gastar suas energias.
Um dos grandes males do povo brasileiro é a incultura. E os prognósticos são alarmantes. Recentemente, um relatório do Banco Mundial constatou que o Brasil levará c. de 260 anos para atingir os níveis de leitura de países desenvolvidos e 75 anos para a Matemática. Isto significa que estamos quase 300 anos atrás dos chamados países industrializados. Mas, o mais alarmante é que o mesmo relatório constatou avanços significativos em países como Peru e Vietnã. Enquanto o Brasil não só não melhorou seu ranking na classificação do mesmo relatório feito em um momento anterior, como caiu em Matemática. Para mais informações sobre este relatório, acesse aqui.
Os dados deste estudo refletem uma característica notória do povo brasileiro: este não gosta de ler. E bem sabemos que quem não gosta de ler, não gosta de escrever, não fala corretamente e, em última análise, também não raciocina corretamente. É claro: o vocabulário diminuto de um indivíduo inculto reflete no modo como ele verá o mundo. As associações que fará de ideias complexas, os valores que observará, os preceitos que seguirá, e enfim, o que fará para incrementar melhorias em sua rede de relações, das mais imediatas às mediatas, tudo será influenciado diretamente pela forma como o próprio indivíduo dedica tempo para construir sua cosmovisão, o que necessariamente passa pela educação.
Um outro ponto que pode dificultar a percepção da abrangência do problema é o fato de que a palavra “cultura” sofreu corrupções semânticas significativas nos últimos anos. Quase tudo hoje é “cultural”, como se não houvesse algum crivo para o que tivesse de ser “cultivado” pelo povo, uma vez que “cultura” provém de “cultivo” ou o que se “cultiva”. Nem tudo o que é “cultivado” por um povo é “cultural”, no sentido estrito do termo, pois assim admitiríamos formalmente que hábitos ruins são “apenas cultura”, e se algo é visto como “cultural”, então a tendência é que haja leniência quanto àquilo. Por exemplo: a corrupção é vista como algo “cultural” no Brasil, e é por isso, também, que somos tão lenientes com essa desgraça, ao ponto de até nos “acostumarmos” com a corrupção, que explode em nosso meio.
O apóstolo Paulo adverte em Romanos 12:1-2 que “não nos conformemos com este mundo, mas transformemo-nos pela renovação do nosso entendimento”. Por que a renovação é a da mente? Porque é a partir da mente que pintamos os quadros que nos serão as diretrizes para o modo como vemos o mundo. Quando não dissociamos as práticas de nossa “cultura” com aquilo que, por exemplo, se revela na Bíblia, nos tornamos levianos sobre o modus vivendi genuinamente bíblico, que é em essência transcultural, desembocando exatamente neste exemplo grotesco e confuso de um povo que professa a Bíblia e suas verdades, ao mesmo tempo em que também preserva os vícios que advém de seus males, sendo um deles a teimosia em permanecer inculto.
É algo que parece não ter solução a curto ou mesmo a médio prazo. Porém, importa que, neste momento, insistamos em duas de nossas reconhecidas virtudes: o otimismo e perseverança. Devemos ser otimistas e perseverantes no propósito – que tem de se nos apresentar firmemente -, quanto ao objetivo de mudarmos esta triste realidade. Concomitantemente, precisamos expurgar a mesquinhez de personalidade que, não tenho a menor dúvida, procede também da nossa incapacidade de fazermos, grosso modo, associações mais complexas, pensarmos no todo (ao invés de apenas nas partes, como só no “eu”), termos uma ideia mais profunda de coletividade e amarmos e preservarmos o bem comum, entendendo que ele é maior, inclusive, do que o bem de um só.
Isto DEVE começar na Igreja, uma vez que lemos, estudamos e conhecemos o livro que nos impulsiona a vivermos estes preceitos. É o nosso dever moral e espiritual levar a palavra da salvação e todas as benesses que ela traz consigo. Se a Igreja brasileira decidir mergulhar de cabeça nos preceitos da Bíblia que ela defende, poderá pensar em alguma transformação efetiva a partir de uma cultura celestial, que é justamente aquela que a Bíblia nos convoca a admitirmos com afinco, uma vez que, antes de qualquer outra coisa, somos “cidadãos dos céus”. Não importa quanto tempo isso leve, aqui, neste mundo. É o dever de todo aquele que geme diante da situação geral do povo brasileiro e da Igreja brasileira. Ainda que, para vermos mudanças efetivas, tenhamos de labutar os próximos 260 anos.
Artur Eduardo
Graduado em Teologia e Filosofia. Pós graduado em Doc. do Ensino Superior, Teologia Bíblica e Psicopedagogia (FATIN). Mestre em Filosofia (Univ. Federal de Pernambuco). Doutorando em Filosofia (Univ. Federal de Pernambuco). Diretor do IALTH (Inst. Aliança de Linguística, Teologia e Humanidades). Pastor da IEVCA (Igreja Ev. Aliança). Casado com Patrícia, com quem tem uma filha, Daniella.