Pode-se tomar a meia-idade sob diversos pontos de vista. O assunto se tornou tabu num mundo em que a juventude é o capital mais específico, e por essa razão, mais valorizado numa pessoa. A sociedade contemporânea compra quase tudo — beleza, sucesso, fama, amor verdadeiro —, mas nem o cirurgião plástico mais talentoso consegue tirar vinte, trinta, quarenta anos da cara de alguém sem ou mutilar o infeliz ou dar-lhe uma nova identidade, perceptível pela incapacidade de mover certos músculos do rosto, por lábios inflados como a natureza nunca pudera fazer ou narizes minúsculos, sem ossos. E então tem-se um quadro muito pior que o de antes.
Chegar à meia-idade ou mesmo à velhice — ou mesmo morrer — não é o problema; a questão é de que forma e em que circunstâncias isso acontece. Ter de confessar para si próprio que se atingiu determinada etapa da vida sem que o passar dos anos tenha se traduzido em sucesso profissional, relacionamentos íntimos estáveis, sólidos, e alguma tranquilidade a fim de encarar os outros desafios que vão se acumular pela jornada afora é que constitui a grande angústia de não ser mais tão jovem. Gilles Lellouche acerta na mosca ao defender essa abordagem em “Um Banho de Vida” (2019), e para tanto se cerca de atores renomados que encarnam os tipos pouco qualificados de seu filme. Esses perdedores meios desacoroçoados encontram um jeito inusitado de tentar virar o jogo, e esse é o argumento a partir do qual a trama se movimenta, sem ritmo definido. Como eles.
Uma das maiores qualidades de “Um Banho de Vida” é se desdobrar sobre os temas áridos que o mote central do filme suscita sem fazer disso um cavalo de batalha, garantindo visibilidade de públicos variados e isso, calculadamente ou não, lhe valeu o passaporte para Cannes sem maiores dificuldades. Em sua estreia num trabalho solo como diretor, Lellouche, um ator excelente, mostra que também pode ir longe por trás das câmeras, graças à sua obsessão por detalhes. A fotografia de Laurent Tangy valoriza o azul, cor que pontua o filme e se torna sua marca registrada, e a trilha de Jon Brion segura o enredo na proposta que o diretor elegeu para seu roteiro, coescrito com Ahmed Hamidi e Julien Lambroschini.
Bertrand, o quarentão depressivo vivido por Mathieu Amalric, está desempregado há dois anos, e se dedica a passar seus dias jogando online, largado no sofá, abrindo mão de seu amor-próprio e do respeito dos filhos e da mulher, que insiste, pelo marido e por si mesma, que ele encontre algum motivo para resistir. Bertrand segue decidido a pensar que a vida está mesmo acabada para ele, mas numa última cartada, resolve investir na equipe de nado sincronizado masculino da piscina pública da cidade, descoberta por ele casualmente. Os integrantes desse estranho grupo são, claro, perdedores como ele, o que o motiva a ingressar no time e, quem sabe, tomar novo fôlego e tentar, outra vez, fazer alguma coisa por si mesmo. Treinada pela ex-campeã aquática Delphine, a ex-alcoólatra que persegue o ex-namorado interpretada por Virginie Efira, a equipe não tem nada de excepcional, nem mesmo um membro que reúna alguma qualidade que confira destaque à perseverança de Delphine, que o aceita de imediato apesar disso — ou por isso mesmo.
A forma como o time se constitui parece um experimento, que se dedica a observar a reação de uma amostra especial frente a uma metodologia inusitada. Toda a turma é composta por indivíduos que obedecem ao mesmo padrão do protagonista, e Bertrand logo se dá conta de que, em comparação com alguns de seus novos companheiros, nem é tão desditoso assim, malgrado Lellouche, Hamidi e Lambroschini não se preocupem em desenvolver os arcos dos demais atletas. Além de Bertrand, integram os quadros Laurent, o sujeito que ainda não lida muito bem com um divórcio recente, de Guillaume Canet; o roqueiro frustrado Simon, de Jean-Hugues Anglade; o vendedor de piscinas quase falido, personagem de Benoît Poelvoorde; e Thierry, um tipo meio perdido entre a pureza e a bestialidade, de Philippe Katerine. Malgrado cada um tenha uma trajetória — e Laurent possa se considerar um profissional de sucesso, destoando dos colegas —, nenhum deles jamais emerge como um ente distinto, uma personalidade autônoma, o que aprisiona a narrativa, dando a entender que o sal do enredo é compreendê-los como indissociáveis entre si, quando o filme ficaria ainda mais interessante em se percebendo cada personagem em separado, com seu tempo próprio para crescer. Politicamente incorreto de propósito, Lellouche encarna em Avanish, de Balasingham Thamilchelvan, a necessidade de falar sobre a incomunicabilidade, que toma corpo sob a forma de um homem negro do sul asiático, certamente imigrante, que mesmo sem falar francês consegue se fazer entender e é ouvido pelos parceiros. Uma defesa inesperada, mas poética, da utopia.
Repisando o modelo farsesco de besteiróis amados pelo público, a exemplo de “Ou Tudo ou Nada” (1997), de Peter Cattaneo, em “Um Banho de Vida”, Gilles Lellouche expõe algumas das misérias da humanidade em sua incursão pelo terceiro milênio, concentrando-se na maneira que os homens têm de enfrentar esse combate e explicitando que muitos deles sequer se julgam capazes de admiti-lo. Só de assistir a alguns dos maiores atores dramáticos da França levando a sério a odisseia de fazer verossímil a busca por dias melhores por meio de números de dança subaquáticos “Um Banho de Vida” já vale a pena. É bom sair do previsível de vez em quando.