Religião
O Deus que torna mal em bem – Por Daniel Lima
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É impressionante como um período de sofrimento parece eterno para quem o está atravessando, mas para quem olha de fora é mais fácil ter uma perspectiva mais real. Lembro-me bem do período em que lutei com uma depressão, fruto de não liberar perdão. Foi quase um ano em que nada me animava; durante o dia eu ansiava pela noite, para dormir, e durante a noite eu ansiava pelo dia, para poder sair da cama… Pareceu uma eternidade, um tempo sem fim. No entanto, foram apenas alguns meses.
Este é o terceiro artigo sobre sofrimento. No primeiro escrevi sobre a realidade do sofrimento e como sofrer sem entender a razão tem o poder de nos tornar mais sábios ou mais amargos (leia “Qual o papel do sofrimento?”). No segundo comecei a estudar a vida de José, que sofreu a traição de seus irmãos de forma totalmente desproporcional a qualquer atitude arrogante que pudesse ter tido: foi vendido como escravo e levado ao Egito (leia “E agora, José?”).
Escravos eram bens valiosos e, muito embora vivessem em condições precárias, José teve a sorte de ser comprado por um oficial do Faraó (Gênesis 37.36). Potifar era certamente um membro da nobreza militar do Egito. Homem de influência e riqueza. É evidente que a condição de José, ainda que escravo, foi privilegiada. Gênesis afirma que ele passou a morar na casa do seu Senhor. Não só se tornou um escravo da casa, ao invés de um escravo do campo, mas também era bem-sucedido no que fazia, ao ponto de que o próprio Faraó passou a confiar nele. A Bíblia deixa claro que isso ocorria porque “o Senhor estava com José”. Esta confiança do patrão foi recompensada e tudo que era seu prosperava.
Contudo, mais uma vez Deus permite que José seja enredado em uma trama perversa (Gênesis 39). Desta vez a esposa de Potifar tenta seduzi-lo. Registros históricos mostram que esta situação não era tão rara. Nesta sociedade pagã da Antiguidade, senhores (e senhoras) mantinham relações sexuais com escravos selecionados. No entanto, José se nega a trair a confiança de seu senhor e de seu Deus. Em determinado dia a senhora cria uma situação e, sendo rejeitada, acusa José injustamente de assédio.
Por que nos surpreendemos quando sofremos injustiças? Deveríamos nos preocupar se o mundo não nos confrontar.
Mesmo um escravo qualificado não tinha nenhuma credibilidade diante da senhora da casa. José é enviado para a prisão. Ali também o “Senhor estava com ele”, e ele é encarregado da administração da prisão. Algum tempo depois ele interpreta corretamente os sonhos de dois oficiais do rei. Muito embora ambas as interpretações se cumpram, e mesmo tendo pedido por intervenção do chefe dos copeiros, José é mais uma vez esquecido na prisão. Mais dois anos se passam antes de José ser chamado a interpretar os sonhos do Faraó e ser erguido à posição de governador do Egito. Nesta condição, mais uma vez ele é bem-sucedido e prospera em sua função.
Mais alguns anos se passam até que seus irmãos venham comprar comida no Egito. Nesta ocasião José testa seus irmãos forçando-os a trazer o irmão mais novo, Benjamim, na próxima viagem, enquanto mantém Simeão como refém. Na segunda vinda ele mais uma vez testa os irmãos, mas acaba por se revelar e promove a vinda e a instalação do pai e do restante da família ali no Egito. É uma história impressionante e complexa. As reações são muito humanas – a ponto de não deixar dúvidas de se tratar de uma história real. Nosso foco, no entanto, é em como José encarou seu sofrimento e que lições podemos tirar desta história.
- Primeiramente, não resta dúvidas de que o sofrimento de José não foi causado por ele. O relato afirma repetidas vezes que Deus estava com José. Embora se possa vislumbrar alguma arrogância em sua juventude, não há nenhum indício desta em sua idade adulta. Pode-se imaginar que a experiência de ser vendido como escravo transformou sua atitude de uma vez por todas.
- As injustiças que José sofreu foram resultado do mundo em pecado. Como cristãos, não deveríamos ficar surpresos com o sofrimento que o mundo nos causa. O apóstolo Paulo escreveu com clareza: “De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2Timóteo 3.12). Por que então nos surpreendemos quando sofremos injustiças? Deveríamos nos preocupar se o mundo não nos confrontar.
- José continuou servindo a Deus mesmo em meio a condições injustas e indignas. Ele sabia quem era seu Salvador e Sustentador. Após a morte do pai, quando seus irmãos ficaram temerosos do que José podia fazer, ele faz uma declaração que indica duas verdades: “Não tenham medo. Estaria eu no lugar de Deus? Vocês planejaram o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem, para que hoje fosse preservada a vida de muitos. Por isso, não tenham medo. Eu sustentarei vocês e seus filhos” (Gênesis 50.19-21).
Primeira verdade: vocês planejaram o mal… Reconhecer que sofremos a injustiça é o primeiro passo do perdão. Infelizmente, quando ouvimos alguém se queixar de uma injustiça, queremos minimizar o ocorrido procurando dizer que “quem sabe o outro não percebeu? Quem sabe foi sem querer?”. É importante reconhecer que sofremos injustiças, mesmo de outros cristãos; caso contrário, vamos continuar tentando nos convencer de que o engano foi meu, que eu não entendi o que aconteceu… Embora isso possa ocorrer, às vezes pessoas (mesmo família ou cristãos) planejam o mal contra nós.
José continuou servindo a Deus mesmo em meio a condições injustas e indignas. Ele sabia quem era seu Salvador e Sustentador.
Segunda verdade: Deus é soberano e ele torna o mal em bem! Esta é nossa grande esperança em um mundo caído. Sim, vamos sofrer injustiças; sim, sofreremos as atitudes de um mundo caído. No entanto, podemos confiar em um Deus que torna o mal em bem, que lida com o pecado daqueles que pecaram contra nós.
Minha oração é que diante do sofrimento que Deus tem permitido contra nós, nosso coração não fique amargurado, mas confie naquele que pode tornar o mal em bem. Pessoalmente, eu acredito que era devido a esta crença que “Deus estava com José”, mesmo no fundo da prisão