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Novos estudos não demovem governo brasileiro de recomendar cloroquina


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Desde o início da pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, a cloroquina causou polêmica no governo, selou a demissão de dois ministros da Saúde e levou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a aconselhar insistentemente o uso do medicamento para prevenção e tratamento da doença.

O posicionamento do chefe do Executivo nacional vai na contramão de pesquisas científicas pelo mundo inteiro. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, publicou no começo do mês um estudo em que é categórica ao afirmar que a cloroquina e o remdesivir não funcionam contra a Covid-19. A pesquisa foi realizada em 450 hospitais de 30 países.

“Os resultados preliminares do Solidarity Therapeutics Trial, coordenado pela OMS, indicam que o remdesivir, que a hidroxicloroquina, a combinação lopinavir/ritonavir e os tratamentos à base de interferon parecem ter pequeno ou inexistente efeito sobre a mortalidade em 28 dias ou no percurso hospitalar da Covid-19 entre os pacientes recuperados”, diz o comunicado da pesquisa internacional.

O governo brasileiro, por outro lado, se baseia ainda em teses usadas ainda quando os estudos eram iniciais. Assim, sete meses após editar um documento recomendando o uso do medicamento, em março deste ano, o Ministério da Saúde não realiza qualquer tipo de pesquisa para atualizar o texto.

Mesmo com cientistas afirmando mundo afora que a cloroquina não tem eficácia no combate à Covid-19, mais de seis milhões de doses foram distribuídas pelo país.

Metrópoles apurou que a pasta manterá o documento que regula o manuseio dos medicamentos cloroquina ou hidroxicloroquina associada à azitromicina, em pacientes com diagnóstico de Covid-19.

“Falsa segurança”

Quem acompanha a briga do governo brasileiro pelo uso da cloroquina pondera que o posicionamento do Ministério da Saúde deixa de lado a estratégia sanitária e prioriza o pensamento do presidente Bolsonaro, que é um defensor ardoroso da droga.

Alcides Miranda, professor nos cursos de graduação e pós-graduação em saúde coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), critica a investida brasileira em prol da cloroquina. Segundo ele, o movimento despertou na população brasileira uma falsa sensação de segurança sobre o uso preventivo e de cura para a Covid-19.

“Em nenhum desses casos houve comprovação científica de eficácia. O relatório da OMS é um desfecho para essa discussão. Foi feita uma meta-análise e a conclusão é de que não há eficácia comprovada”, frisa.

O professor avalia que mortes podem ter ocorrido após a indução ao uso do remédio. Enquanto isso, a crença pregada pelo governo é de que protegeria do contágio ou traria a cura em caso de infecção. “Acreditando nisso, as pessoas circularam mais”, avalia.

Para Alcides, a posição do Ministério da Saúde de não mudar o protocolo sobre o uso da cloroquina é “irresponsável e negligente”. “Mostra que não está alinhado ao interesse publico, mas sim, com visão estreita e negacionista. Quem será responsabilizado por isso?”, indaga.

Ele conclui com uma crítica ao Conselho Federal de Medicina (CFM). “Eu, como médico, afirmo: o CFM deveria ter tido postura clara sobre isso. A postura foi omissa”, conclui.

A reportagem procurou o CFM para comentar o assunto e rebater as críticas, mas não obteve resposta. O espaço continua aberto a manifestações.

“Interferência no âmbito técnico”

O sociólogo Antônio Carlos Mazzeo, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), alerta para a “interferência no âmbito técnico” do Ministério da Saúde e salienta os riscos disso.

“Isso expressa que o governo está muito ligado ao núcleo ideológico fascista, que é fundamentado no senso comum e na consciência da impressão, ou seja, que vem sem a confirmação científica”, alega.

Para ele, essa foi a postura do governo desde o início da pandemia. “Foi sempre a mesma tônica. O governo se comportou contra a ciência, com ódio ao conhecimento técnico, ao diverso e até cunhou a Covid-19 como uma ‘gripezinha’”, relembra.

O que diz a Saúde

O Ministério da Saúde, de início, evitou se manifestar sobre o assunto. Foram necessários cinco questionamentos do Metrópoles para a pasta responder que “acompanha todos os estudos científicos publicados nacional e internacionalmente”, mas que não vai mudar o Manual de Orientações do Ministério da Saúde para Manuseio Medicamentoso Precoce de Pacientes com Diagnóstico da Covid-19.

“A recomendação para a população é procurar o tratamento precoce da doença logo após os primeiros sintomas. As medidas são fundamentais para evitar casos graves da doença, internações e óbitos”, destaca, em nota.

Se em março o governo autorizou o uso de cloroquina como tratamento de formas graves da Covid-19, em maio a pasta ampliou a aplicação para casos leves. O protocolo é usado até hoje.

Milhões de doses distribuídas

Desde o início da pandemia, o Ministério da Saúde distribuiu mais de seis milhões de caixas de cloroquina e hidroxicloroquina pelo Brasil. Foram enviadas aos estados e municípios brasileiros 5,8 milhões de caixas de cloroquina e 289 mil de hidroxicloroquina.

O volume de distribuição foi levantado pelo Metrópoles, com base em informações publicadas na plataforma Localiza SUS, alimentada pela pasta com o panorama do enfrentamento da doença no país.

Segundo o Ministério da Saúde, a pasta “adquire historicamente a cloroquina para tratamento da malária e tem dado ampla divulgação nos quantitativos distribuídos”.
Metropoles
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