Direto de Brasília
Nova Lei Geral do Esporte promete modernizar e dar impulso ao setor
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O esporte que desperta paixões, constrói ídolos e motiva tantas histórias de superação envolve também uma série de relações complexas e características próprias que exigem legislação clara e atualizada. O Senado deu um importante passo para avançar nessa modernização: aprovou, no dia 8 de junho, o projeto que estabelece uma nova Lei Geral do Esporte (PLS 68/2017).
O novo marco legal aprovado pelo Plenário reúne mais de 200 artigos e concentra, em uma só legislação, todas as diretrizes de funcionamento, regulamentação e organização do desporto no país. A proposta, que seguiu para a Câmara dos Deputados, pretende substituir a norma hoje em vigor — a Lei Pelé, que foi importante para o desenvolvimento do setor, mas já soma mais de duas décadas.
— É bom lembrar que a Lei Pelé, que é a nossa atual Lei Geral do Esporte, data de 1998. São mais de 24 anos. Inúmeras situações ligadas ao esporte evoluíram ao longo desse tempo, sobretudo no alto rendimento, que hoje movimenta muito mais recursos — ressaltou em entrevista à Agência Senado o senador Romário (PL-RJ), ex-jogador de futebol, campeão mundial.
Uma das grandes inovações do texto, de acordo com a senadora Leila Barros (PDT-DF), é a consolidação do Sistema Nacional do Esporte, com a organização de sua composição e atribuições. O projeto coloca como prioridade do sistema o fomento ao esporte educacional, estimulando a prática esportiva de base. Uma das ideias centrais da proposta, diz a senadora, é justamente reforçar o espírito de inclusão social, da prática esportiva como formação de cidadania, de promoção de saúde, cultura e paz. Leila, que é ex-atleta olímpica e iniciou sua vida esportiva nas escolas públicas da região administrativa de Taguatinga, em Brasília, foi relatora da matéria na Comissão de Educação (CE) e no Plenário.
— Ganhar e perder faz parte da vida. E no esporte, desde a base, a gente mais perde do que ganha, e a gente lida com frustrações diárias. Então, o esporte nesse sentido é fundamental para o jovem, para a criança experimentar essa frustração diária e ter a compreensão de que terá o outro dia para fazer diferente — disse a senadora durante a leitura do seu relatório.
Confira alguns pontos da nova lei
- Será o responsável por planejar, formular, implementar e avaliar políticas públicas, programas e ações para o esporte, nas diferentes esferas governamentais e integrando a União com os outros entes federativos.
- A União deverá cofinanciar programas e projetos de âmbito nacional, com prioridade para o nível de formação esportiva, especialmente o esporte educacional; manter programas e projetos próprios ou em colaboração para fomento da prática esportiva no nível de excelência; e realizar o monitoramento e a avaliação das ações do Plano Nacional Decenal do Esporte (Plandesp).
- Caberá aos estados, além de cofinanciar programas e projetos, atender às ações esportivas, com prioridade para os níveis de formação e vivência esportiva; destinar recursos prioritariamente para o esporte educacional; estimular e apoiar associações e consórcios de municípios; monitorar e avaliar o plano estadual de esporte; e executar políticas cujos custos ou cuja ausência de demanda municipal justifiquem uma rede regionalizada de serviços.
- Aos municípios, além de participar do cofinanciamento das políticas públicas esportivas, caberá executá-las em todos os níveis, dando prioridade ao esporte educacional; dispor de profissionais e locais adequados para a prática esportiva; e realizar o monitoramento e a avaliação do plano municipal de esporte.
- Ainda que integrantes do Sinesp, as organizações esportivas são autônomas quanto à normatização interna para realizar autorregulação, autogoverno e autoadministração, inclusive no que se refere ao regramento próprio da prática e de competições nas modalidades esportivas, em sua estruturação interna, na forma de escolha de seus dirigentes e membros e quanto à associação a outras organizações ou instituições.
- O projeto determina que a remuneração do atleta deverá ser pactuada em contrato especial de trabalho esportivo (com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos).
- Quando esse contrato for de menos de um ano, o atleta profissional terá direito, se houver rescisão contratual por culpa da organização esportiva empregadora, a saldo proporcional aos meses trabalhados durante a vigência do contrato referentes a férias, abono de férias e 13º salário.
O texto também determina que, entre os deveres da organização esportiva voltada à prática esportiva profissional, estão os de:
- registrar o atleta profissional na organização esportiva que regule a respectiva modalidade para fins de vínculo esportivo;
- proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições esportivas, em treinos e em outras atividades preparatórias ou instrumentais;
- submeter os atletas profissionais a exames médicos periódicos;
- proporcionar condições de trabalho dignas aos demais profissionais esportivos que componham seus quadros, incluídos os treinadores;
- contratar seguro de vida e de acidentes pessoais para os atletas.
Além disso, quanto às atletas mulheres, o projeto:
- proíbe que os contratos celebrados com atletas mulheres, ainda que de natureza cível, tenham qualquer tipo de condicionante relacionado à gravidez, à licença-maternidade ou a questões referentes à maternidade em geral;
- prevê que a dispensa sem justa causa de atletas por motivos relacionados a gravidez e maternidade ensejará o pagamento de cláusula compensatória à atleta e impedirá, por um ano, a contratação de novos atletas pela organização esportiva envolvida.
De acordo com o projeto, a União facultará às pessoas ou às empresas a opção pela aplicação no esporte de parcelas do Imposto de Renda, a título de doações ou patrocínios. Os valores serão limitados a um máximo de 7% (no caso de pessoa física) ou a um máximo de 4% (no caso de pessoa jurídica), conforme uma série de condições previstas na proposta.
- O representante de organização esportiva privada que exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida (ou aceitar promessa de vantagem indevida) para realizar ou omitir ato que se desvirtue das suas atribuições será punido com pena de dois a quatro anos de reclusão, além de multa.
- Também estará sujeito às mesmas penas quem corromper ou tentar corromper representante de organização esportiva privada.
- O projeto cria a Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e à Discriminação no Esporte (Anesporte), para formular e executar políticas públicas de combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância no esporte, especialmente nos estádios de futebol.
- A Anesporte poderá aplicar sanções a pessoas, associações, clubes ou empresas que praticarem intolerância no esporte. As multas variam: de R$ 500 a R$ 3 mil para infrações leves; de R$ 3 mil a R$ 60 mil para infrações graves; e de R$ 60 mil a R$ 2 milhões para infrações muito graves.
- O texto autoriza os estados a criarem juizados do torcedor (órgãos da justiça ordinária com competência cível e criminal) para julgar causas relacionadas à discriminação no esporte.
Iniciativas como a Criação do Fundo Nacional do Esporte (Fundesporte) e o cofinanciamento entre União, estados e municípios ao setor, previstos no projeto, deverão fomentar esse avanço, avalia a organização sem fins lucrativos Atletas pelo Brasil. De acordo com Estevão Lopes, diretor da entidade, no momento em que são direcionados mais recursos ao esporte, por meio do fundo, priorizando a Formação Esportiva e o Esporte para Toda a Vida (duas novas definições de níveis esportivos que o PLS 68/2017 estabelece), há grande potencial para que se tenha maior eficiência dos programas. Ele também acredita que, por meio do Sistema Nacional do Esporte, haverá melhor coordenação das ações no âmbito dos três entes federados e das associações:
— Tanto a Formação Esportiva quanto o Esporte para Toda a Vida contribuirão para termos no país uma cultura esportiva e para que os benefícios que o esporte agrega para a sociedade (seja em termos de educação, saúde ou bem-estar) sejam mais bem aproveitados. Um dos grandes desafios de execução da Lei Geral do Esporte é coordenar as ações já existentes no setor, pois atualmente iniciativas e projetos esportivos de diferentes entes governamentais e privados se sobrepõem, enquanto outras frentes ficam desassistidas. A estruturação de um novo sistema nacional é complexo, não é algo que ocorrerá do dia para a noite. Mas, com muita dedicação, teremos um cenário para a oferta e a prática esportiva melhor.
Estevão Lopes apresentou dados do Instituto Inteligência Esportiva que indicam que, de um total de 1.891 municípios pesquisados, 67% não possuem nenhum documento que balize as políticas esportivas municipais. Na visão dele, a criação e estruturação do Sistema Nacional do Esporte deixará mais claras as competências e responsabilidades de cada ente federativo na promoção da política pública para a população.
— O grande objetivo é democratizar o acesso ao esporte, e isso passa por um sistema integrado e articulado, em que cada ator saiba qual sua função e atuação dentro desse sistema — justificou.
Atleta paralímpico de vela adaptada, Estevão Lopes acompanhou de perto a tramitação da matéria no Senado. O Atletas pelo Brasil reúne atletas e ex-atletas de diversas gerações e modalidades esportivas em busca de melhorias para o setor, além de avanços sociais no país por meio do esporte. Também fazem parte do grupo diversos nomes do esporte nacional, como Robert Scheidt, Oscar Schmidt e Hortência.
Combate a racismo e violência
Uma das novidades do texto é o dispositivo que promove maior efetividade no combate à intolerância nas quadras, com a criação da Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e à Discriminação no Esporte (Anesporte). Segundo Leila Barros, o órgão será responsável por elaborar as políticas públicas de combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância no esporte, especialmente nos estádios de futebol.
— Sabemos da importância do esporte e das competições esportivas na vida e no imaginário da população brasileira. A ideia é ter um órgão que centralize as informações recebidas dos quatro cantos do país. De posse dessas informações, desse amplo panorama, a Anesporte poderá elaborar um plano eficaz de combate à violência e a discriminação, monitorar a execução desse plano e, quando for preciso, aplicar sanções. Acredito que qualquer mudança profunda de hábitos e mentalidade depende de ação contínua e embasada em fatos. Espero que a nova entidade possa contribuir muito na redução da violência e da discriminação no esporte e na vida em geral — disse a senadora à Agência Senado.
Crime de corrupção privada
Outra inovação da proposta é a tipificação do crime de corrupção privada no âmbito desportivo, possibilitando a responsabilidade civil e criminal de dirigentes esportivos, além da necessidade de “ficha limpa” para que gestores possam assumir a direção de clubes e entidades.
Para Romário, esse tipo de exigência é fundamental para assegurar mais transparência, melhor gestão nas organizações esportivas e, até mesmo, melhorar o rendimento dos atletas.
— É algo que pode ajudar a diminuir os casos de corrupção que enfrentamos nessas entidades de administração do esporte e obrigar a alternância e divulgação dos salários dos dirigentes esportivos, esta última por emenda de minha autoria — afirmou o senador.
De acordo com o PLS, o representante de entidade esportiva privada que exigir, solicitar, aceitar ou receber alguma vantagem indevida (ou aceitar até mesmo a promessa dessa vantagem indevida) “para realizar ou omitir ato que se desvirtue das suas atribuições” será submetido a pena de dois a quatro anos de prisão, além de multa.
Transparência e gestão
Ainda conforme o projeto, as entidades que receberem recursos originados da exploração de concursos, sorteios e loterias terão que administrá-los de acordo com os princípios gerais da administração pública e serão fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Entre outros dispositivos, a matéria determina que as prestações de contas anuais de todas as organizações esportivas, exceto as de pequeno porte, deverão ser obrigatoriamente submetidas aos conselhos fiscais e às respectivas assembleias gerais para a aprovação final.
— A expectativa da lei é ver aumentada a responsabilidade dos gestores e, consequentemente, a fiscalização do uso dos recursos públicos pelo Tribunal de Contas da União. Ainda bem que, ao contrário de anos passados, o Brasil esportivo de hoje tem agremiações voltadas para o cumprimento dessas normas elementares (…) Insisto na tese de que a autonomia esportiva é um princípio constitucional que precisa ser respeitado. Mas não podemos esquecer que o esporte de alto rendimento se sustenta com verbas públicas, inclusive no que diz respeito aos salários pagos aos gestores. Logo, é preciso que tais dirigentes tenham isso em mente e fiquem atentos aos princípios da moralidade no uso do dinheiro público. Nesse sentido, acredito que o TCU continuará desempenhando o seu papel fiscalizador, eficiente até aqui — complementou Romário.
Fonte: Agência Senado