Direto de Brasília
Mudanças do governo no meio ambiente serão analisadas pelo novo Congresso
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O Congresso que toma posse no dia 1º de fevereiro terá a missão de deliberar sobre as mudanças implementadas pelo governo Bolsonaro na estrutura administrativa ligada ao meio ambiente. Renovado em dois terços, o Senado também deverá retomar o debate sobre o licenciamento e a fiscalização ambiental e sobre as regras relacionadas à mineração. Isso em um momento em que o assunto ganha ainda mais projeção, diante da catástrofe em Brumadinho (MG), provocada pelo rompimento, no dia 25 de janeiro, de uma barragem de rejeitos de minério de ferro da empresa Vale.
Garantida pela Constituição federal como um direito de todos os brasileiros, a proteção do meio ambiente tem sido, historicamente, um tema de grande embate no Congresso. O assunto, por sua natureza, tem interfaces com praticamente todas as atividades econômicas e sociais. Sua abrangência vai da qualidade de vida nas cidades à preservação dos diversos biomas — incluindo a produção de alimentos, a produção e o uso de energia, a questão fundiária, os direitos dos povos indígenas, o gerenciamento dos recursos hídricos, o saneamento, o tratamento dos resíduos sólidos e a infraestrutura do país.
Dada a dependência econômica do Brasil com relação à exportação de produtos primários, é no agronegócio, na mineração e na produção de energia que ocorrem as maiores controvérsias relacionadas ao meio ambiente.
Ministério do Meio Ambiente
Assim que tomou posse, o presidente Bolsonaro assinou a Medida Provisória (MPV) 870/2019, que reestrutura a administração federal. Uma das pastas com alterações mais significativas é a do Meio Ambiente, cujo orçamento deste ano, previsto pela Lei Orçamentária Anual, é de R$ 3,79 bilhões. O Decreto 9.672, de 2 de janeiro de 2019, estabeleceu um novo desenho institucional para o ministério. O presidente, que recuou da ideia de de extingui-lo, retirou da pasta várias atribuições.
Pela MP, que será analisada pela Câmara e pelo Senado, são transferidos para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) — que trata da outorga e do manejo sustentável das florestas — e o gerenciamento do Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado pelo novo Código Florestal para monitorar as obrigações ambientais de proprietários rurais. Uma contrapartida às anistias de infrações ambientais cometidas antes de 2008.
Já o gerenciamento dos recursos hídricos — incluindo o vínculo com a Agência Nacional de Águas (ANA) — passou para o Ministério do Desenvolvimento Regional. O novo desenho do Ministério do Meio Ambiente também retirou de suas atribuições o combate ao desmatamento e extinguiu a coordenação responsável pelo combate à desertificação. As atribuições referentes ao zoneamento ecológico-econômico do país também foram retiradas da pasta.
Acordo de Paris
O setor responsável pela política relacionada às mudanças climáticas também foi suprimido do ministério. É que a pasta perdeu a Secretaria de Mudança do Clima e Florestas, responsável pelo Departamento de Políticas em Mudança do Clima, pelo Departamento de Florestas e Combate ao Desmatamento e pelo Departamento de Monitoramento, Apoio e Fomento de Ações em Mudança do Clima. Com a MP, a pasta também perde a prerrogativa de conduzir a política nacional e as negociações internacionais relacionadas às mudanças climáticas.
Ao mesmo tempo, o novo governo desistiu da candidatura do Brasil para sediar a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 25) neste ano. No fim do ano passado, senadores que integram a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) chegaram a apelar ao governo eleito para recuasse da desistência.
— O Brasil está abdicando de exercer seu soft power, um dos instrumentos mais úteis da nossa diplomacia e para nossa afirmação internacional. Renunciar a esta candidatura não condiz com a estatura que atingimos no debate mundial relacionado às mudanças climáticas — afirmou na ocasião o presidente da CRE, senador Fernando Collor (PTC-AL).
Logo após a eleição, Bolsonaro também mencionou a possibilidade de o Brasil deixar o Acordo de Paris, voltado a combater o aquecimento do planeta. Assinado em 2015 por 195 países na Conferência do Clima (COP 21) da ONU, em 2015, o Acordo de Paris selou um esforço mundial para manter a temperatura média global num patamar abaixo de 2ºC sobre os níveis pré-industriais. Para isso, cada país estabeleceu metas e compromissos internacionais de redução da emissão de gases de efeito estufa.
Entregue às Nações Unidas, o compromisso do Brasil é o de, até 2025, reduzir suas emissões em 37% abaixo dos níveis de 2005 e em até 43% até 2030. Para isso, o país deverá restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares, além de implementar outras ações relacionadas ao uso de energia limpa. Para chegar a essa meta, o Brasil precisa combater o desmatamento, que, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), voltou a crescer: de 6.947 km² entre 2015 e 2016, subiu para 7.900 km² entre 2017 e 2018.
Crítico do que classifica de “indústria de multas do Ibama”, Bolsonaro mudou o tom ao discursar no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, no fim de janeiro. O presidente reconheceu ser preciso “avançar na compatibilização entre a preservação do meio ambiente e da biodiversidade com o necessário desenvolvimento econômico, lembrando que são interdependentes e indissociáveis”. Ele também declarou que “por ora”, o Brasil não deixará o Acordo de Paris.
Metas
Entre as 35 metas divulgadas na última semana pelo governo como prioritárias nos seus primeiros 100 dias, duas são ligadas ao meio ambiente, agora sob comando do ministro Ricardo Salles. Ele propõe o Plano Nacional para Combate ao Lixo no Mar. De acordo com o governo, o objetivo é consolidar diagnósticos, reavaliar indicadores de qualidade ambiental, definir valores de referência e estabelecer diretrizes no âmbito de uma agenda nacional de qualidade ambiental urbana.
A outra meta é a de aprimorar o sistema de recuperação ambiental, aperfeiçoando o procedimento de conversão de multas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Prevista na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605, de 1998), essa conversão permite ao autuado pelo Ibama ter a multa substituída pela prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente. A conversão da multa não o desobriga de reparar os danos decorrentes das infrações que resultaram na autuação.
Licenciamento ambiental
Um dos temas mais polêmicos, já em debate no âmbito do Executivo, tem sido o licenciamento ambiental. A flexibilização das regras é vista por integrantes do governo como uma forma de destravar investimentos. Em entrevista à Agência Brasil logo após visitar a região atingida pelo rompimento de barragens de rejeitos minerais em Brumadinho, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que a ideia seria aplicável apenas a empreendimentos de pequeno porte. Ele disse que “precisa haver foco na atuação. Em situações de maior risco, maior complexidade, [é preciso] ter as equipes de licenciamento ambiental com foco, com dedicação”.
Consultor legislativo do Senado na área de meio ambiente, Joaquim Maia Neto afirma ser necessário distinguir o que seria uma mudança das regras para dar maior segurança jurídica e agilidade nos processos e o que seria, simplesmente, afrouxar o controle ambiental, que traria prejuízo à sociedade. Ele admite a necessidade de alguma alteração. A seu ver, por exemplo, deveria ser permitido o aproveitamento de estudos ambientais de empreendimentos anteriores em licenciamentos de obras ou atividades geograficamente próximas a outras anteriormente licenciadas. Proposta com esse objetivo (PLS 458/2018), do senador José Serra (PSDB-SP), aguarda designação de relator na Comissão de Meio Ambiente (CMA).
O especialista também observa que seria possível definir melhor os termos de referência para cada tipologia de empreendimento para evitar que o empreendedor seja “surpreendido, a todo momento, com uma solicitação diferente” do poder público.
— Porém, o que tem sido discutido é um afrouxamento do controle ambiental e das exigências relacionadas à proteção ambiental, com o intuito apenas de reduzir custos e prazos para obtenção de licenças. Até o ‘autolicenciamento’, um procedimento em que o próprio empreendedor emitiria sua licença por meio da internet. Não concordo com essa linha. Não se pode abrir mão do papel do Estado de analisar previamente as propostas de atividades que impactem o meio ambiente, bem como de controlar o desenvolvimento dessas atividades, sob pena de sujeitar toda a população a prejuízos ambientais graves. O recente caso do desastre com a barragem em Brumadinho, apenas três anos depois de Mariana, demonstra que precisamos de maior controle estatal, e não o contrário — afirma o consultor do Senado.