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Mentira na infância: saiba se é normal e como lidar


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Lidar com as primeiras mentiras de uma criança faz parte das dificuldades de participar de seu desenvolvimento. Muitas vezes os pais não sabem como reagir a isso, tentando compreender o que motivou a criança a mentir, e adotando reações impulsivas, que vão desde aplicar castigos pesados a atribuir estigmas de mentirosa à criança.

“Mais comum do que a criança mentir é o adulto interpretar o que a criança fala como se fosse mentira”, pontua Daniela Araújo, psicóloga, psicanalista e coordenadora do Núcleo Infantojuvenil da Holiste Psiquiatria. Isso acontece porque, dependendo da idade, a criança ainda não desenvolveu uma percepção crítica dos seus atos, diferente dos adultos. Por isso, são eles que dão sentido e definições às ações das crianças.

A infância é uma fase de descoberta, quando a criança começa a testar e entender o que ela almeja e o que deve fazer para conseguir aquilo. É nesse período, também, que ela percebe os níveis de interação com cada pessoa de seu convívio – pais, professores, colegas de classe etc. Apesar das regras de convivência serem as mesmas, existem detalhes que diferenciam cada relação. E é nessa fase de “teste” que a mentira pode surgir.

Apesar de ser normal e fazer parte do desenvolvimento da criança, é preciso atentar-se à intensidade e à frequência da mentira. Quando ela começa a mentir em excesso ou sempre que um determinado assunto surge, é um sinal de que há algo errado, e ajuda de especialistas deve ser procurada.

Fantasia x Realidade

É bastante comum que pais e mães confundam quando a criança está mentindo ou fantasiando. A fantasia é inconsciente, a criança não sabe que o que está dizendo não é real. Já a mentira, por mais rasa e frágil que seja, é pensada. É importante que o adulto saiba distinguir as duas situações para não correr o risco de criar o estigma de uma criança mentirosa, quando, na verdade, é apenas uma fantasia, ajudando a criança a diferenciar o que é real e imaginação.

De acordo com Sueli Bravi Conte, mestre em neurociências, psicopedagoga e diretora do Colégio Renovação, crianças têm dificuldade de diferenciar a fantasia da realidade até os cinco anos de idade. A partir dos seis anos, já conseguem brincar com a fantasia e criar, conscientemente, situações imaginárias.

“A mentira se torna algo intencional a partir dos sete anos, quando a criança já adquiriu noções de valores sociais e sabe exatamente a diferença entre verdade e mentira e quando a mentira pode prejudicar o outro”, explica a psicopedagoga.

Por que as crianças mentem?

A mentira na infância é consequência de diversos fatores, principalmente a faixa etária. Crianças menores mentem, geralmente, por causa da fase de desenvolvimento. “Para delimitar a si mesma a sua relação com aquele que pergunta e sua relação consigo mesma […] Faço essa distinção, pois afasto a mentira da ideia comum de que o outro ‘queria me enganar’. Está mais ligada ao âmbito dos ajustes relacionais e do sujeito consigo mesmo”, explica Fernanda Zacharewicz, psicanalista e editora da Aller Editora e da Stylus, revista de psicanálise.

Enquanto isso, as crianças maiores podem mentir por medo de repreensões e castigos, para fugir das responsabilidades (como dizer que está doente só para não ir à escola), para chamar a atenção dos pais ou para se sobressair entre colegas.

O ambiente familiar também possui grande influência na relação com a mentira. Se a criança está acostumada a ver os pais mentindo em situações pequenas – como pedir para criança dizer que não tem ninguém em casa quando o telefone toca -, ela assimila que aquela atitude é natural e aceitável. Por isso, os adultos devem ter atitudes coerentes com o discurso de aversão à mentira, servindo de exemplo.

“Aquela história dos pais estarem afinados no que vão falar aos filhos, no que vão permitir ou não, se vão apoiar o parceiro nas decisões tomadas perante as crianças é fundamental”, enfatiza a psicanalista.

Como reagir à mentira da criança?

O primeiro passo é dialogar. A criança precisa saber que está em um ambiente seguro para compartilhar ideias, vontades e pensamentos sem julgamentos. “E escutar é ouvir mesmo o que a criança tem a dizer. Conversar é falar e escutar e não apenas falar sozinho para o outro apenas ouvir. Fazer circular a palavra em casa é um exercício que visa também manter viva a dignidade de cada um”, orienta a psicóloga Daniela Araújo.

Essa conversa irá criar uma abertura para que o adulto possa entender os motivos daquela mentira. Se é apenas por causa da fase de desenvolvimento ou se existe alguma outra dificuldade. A partir disso, é possível estabelecer juntos – ou explicar para a criança – os limites e regras de convivência.

Agora, se a primeira reação dos pais for bater ou repreender com castigos severos, a sensação de desconforto, sofrimento e desconfiança pode intensificar na criança, podendo levá-la a continuar mentindo ou mentir mais. Bater não deve ser considerado um meio educativo em nenhuma hipótese. Já os castigos não podem se prolongar além da capacidade de refletir sobre o assunto. O mesmo vale para as chamadas de atenção que, quando muito longas, se transformam em sermão e perdem a capacidade de manter a criança concentrada.

“A postura de quem chama a atenção é mais importante do que a duração ou a intensidade do castigo. Falar sério, considerando a criança como um sujeito digno de seus direitos, é mais eficaz do que o prolongamento e a intensidade do castigo, que podem ser desproporcionais ao ato que o causou”, finaliza Fernanda Zacharewicz.

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