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Mato Grosso

Mémoria: Garimpo levou à colonização mato-grossense


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Uti possidetis, ita possideatis. Do latim para o português em tradução livre essa frase sintetiza um princípio do direito romano que reconhecia a posse da terra: como possuis, assim possuais. Desse modo o natimorto Tratado das Tordesilhas legalizou o grilo internacional brasileiro sobre terras da Coroa Espanhola, o que incorporou Mato Grosso e outras áreas ao Brasil. Aquele foi o primeiro passo para a indústria da grilagem, à época em busca de áreas garimpeiras. Desse modo a Terra de Rondon surgiu institucionalmente e mais tarde sua existência foi sacramentada pelo Tratado de Madri sem que os hermanos nada pudessem fazer. Em 8 de abril de 1719 o bandeirante paulista Moreira Cabral decretou a lavratura da ata de fundação de Cuiabá que saltava de riquezas com as Minas (de ouro) do Sutil. Por todos os cantos o ouro e o diamante fizeram brotar cidades até os anos 1970, sendo a última, Novo Mundo.

A base municipal mato-grossense, com 141 cidades, teve no garimpo seu principal alicerce quando não o único. Foi assim com Cuiabá, Nobres, Rosário Oeste, Diamantino, Nossa Senhora do Livramento, Poconé, Paranatinga, Poxoréu, Guiratinga, Tesouro, Itiquira, Alto Garças, Alto Araguaia, Araguainha, Ponte Branca, Torixoréu, General Carneiro, Barra do Garças, Terra Nova do Norte, Nova Guarita, Peixoto de Azevedo, Guarantã do Norte, Novo Mundo, Alta Floresta, Paranaíta, Apiacás, Nova Monte Verde, Nova Bandeirantes, Juína, Aripuanã, Pontes e Lacerda, Conquista D’Oeste, Alto Paraguai, Nortelândia, Arenápolis, Vila Bela da Santíssima Trindade e Nova Xavantina.

Ouro e diamante sempre são extraídos em Mato Grosso desde a fundação de Cuiabá, mas ganham mais destaque nos chamados ciclos, como o ocorrido no Nortão, entre os anos 1976 e 1994, período em que aquele metal foi a verdadeira moeda na região. O começo desse ciclo coincidiu com o início do processo de colonização de Alta Floresta e cidades no entorno, e em alguns momentos chegou a ameaçar a colonização, por falta de mão de obra e de interesses de pequenos produtores, que preferiam a aventura do garimpo.

Em Poxoréu, nas cidades do Vale do Garças e do Médio-Norte, o ciclo do diamante começou nos anos 1930 e prosseguiu até 1994, quando pressões ambientais praticamente inviabilizaram o garimpo, sem, no entanto, que impedissem a mineração.

Ao contrário do Nortão, onde a principal moeda era o grama do ouro, em Poxoréu quem davas as cartas era o diamante, que ia de uma cerveja paga com um xibio, ao carro zero, trocado por uma gema de preço módico para a movimentação que o município mantinha no mercado internacional.

No ano de 2012, em Cuiabá, num seminário sobre bens minerais, promovido em parceria pelo antigo DNPM e a Companhia Mato-grossense de Mineração (Metamat), o presidente da IMS Engenharia Mineral, de Minas Gerais, Juvenil Tibúrcio Félix, detalhou sobre o depósito mato-grossense de minério de ferro. Citou que Juara tem 3 bilhões de toneladas desse minério.

Félix revelou algo fascinante: o minério de ferro em Juara é de alto teor, compete com Carajás e sua jazida se estende a Juína. O que falta para viabilizar a explotação daquele minério? Logística de transporte para escoamento. Na visão de Félix, o ideal seria a construção de uma ferrovia ligando Juara a Porto Velho (RO), onde seria transbordado para embarcações na Hidrovia Madeira-Amazonas.

Fora do Nortão há depósitos de ferro em Juína, Cocalinho e Mirassol D’Oeste – onde foi descoberto fosfato, numa área pertencente ao ex-banqueiro Daniel Dantas. Porém, em Mirassol – o maior desses depósitos – o minério tem baixo teor. Em Cocalinho há reserva de ferro ainda não cubada, vizinha ao trecho onde passarão os trens da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), em construção.

O Ciclo do Ouro no Nortão passou, mas a atividade mineral continua. Saíram de cena os garimpeiros e entrou a mineração. O mesmo acontece em Poconé, Chapada dos Guimarães, Vila Bela da Santíssima Trindade, Nova Xavantina e Pontes e Lacerda.

A atividade mineral mato-grossense começou com ouro e diamante, mas ganhou um leque de segmentos que inclui calcário, manganês, estanho, zinco, agregados para a construção civil (areia, pedra, brita, pedrisco, telhas e tijolos).  Em 2022 esse conjunto movimentou R$ 6,8 bilhões, receita que deixa Mato Grosso em sexto no ranking dos estados minerais, mas estima-se que esse número seja bem maior.
Com números de 2021 o Instituto Escolhas revela que houve indícios de ilegalidade em 52,8 milhões de toneladas de ouro – correspondente a 54% da extração nacional – e que Mato Grosso foi o maior suspeito, com 16,3 milhões de toneladas.

A diversificação e a verticalização da cadeia mineral transformaram Mato Grosso em grande produtor nacional de calcário e de cimento, por duas fábricas da Votorantim em Nobres e Cuiabá. O calcário está presente em diversas regiões, mas seu principal centro é Nobres – sua extração próxima às lavouras reduz o custo do frete, que é um dos principais componentes do preço desse insumo mineral indispensável ao cultivo no cerrado.

O ouro e o diamante são extraídos clandestinamente em áreas indígenas, sobretudo em Sararé, dos nambikwaras, na faixa de fronteira, onde o metal mais cobiçado do mundo é abundante, e o diamante, em territórios indígenas em Juína e Aripuanã.  

Em Aripuanã, a multinacional Nexa Resources, sucessora da brasileira Votorantim, incrementa um grande projeto mineral no município, há alguns anos, mas em 2019 garimpeiros descobriram ouro na área com direitos minerários da Nexa.

A cidade foi literalmente invadida e ocorreram problemas sociais, que foram – ainda que momentaneamente – resolvidos graças a um acordo entre as partes com intermediação dos governos estadual e federal.

A Nexa e a Cooperativa das Mineradoras e Garimpeiros de Aripuanã (Coopermiga) com as bênçãos da Agência Nacional de Mineração (ANM) e da Companhia de Mato-grossense de Mineração (Metamat) decidiram que durante um ano, 1.500 garimpeiros poderão garimpar em 516 hectares amparados por uma Permissão de Lavra Garimpeira (PLG).

Garimpo é aventura, mas mineração é atividade de custo elevado e dominada por grandes grupos empresariais. Em Mato Grosso a cúpula do poder político tem presença na área mineral. Os ex-governadores Wilmar Peres de Farias e Silval Barbosa, e o governador Mauro Mendes são exemplos de mineradores; o ex-deputado estadual Wagner Ramos foi garimpeiro. Em 14 de novembro de 2018, o ex-prefeito de Juína, Hermes Bergamim, aos 54 anos, morreu soterrado em um de seus garimpos na localidade de Terra Roxa, naquele município.

A aventura do garimpo desperta interesse inclusive nas aldeias indígenas. O cacique-geral da etnia Haliti/Paresi, na Terra Indígena Paresi, João Arrezomae ganhou o apelido de cacique João Garimpeiro em razão do período em que garimpou em busca do diamante.

Mesmo considerada vilã ambiental por ambientalistas, a mineração sofre menos pressão que o agronegócio, em razão da pequena área onde suas jazidas e filões são explorados. Ainda assim, há forte pressão contra sua atividade, mas o alto valor agregado de suas commodities e o pequeno volume que representam para o transporte a sustentam em alta. O escoamento de sua produção foge ao controle do Estado por ser feito preferencialmente em aviões de pequeno porte que operam em pistas clandestinas e sem nenhum tipo de fiscalização pela Agência Nacional de Aviação (Anac), Receita Federal e a Polícia Federal.

Uma poderosa indústria com alta tecnologia para extração mineral opera na clandestinidade e na semiclandestinidade extraindo diamante gemológico e industrial. O mesmo acontece em relação ao ouro. Ao contrário do crime ambiental que pode ser quantificado levando-se em conta a área desmatada, na mineração isso não é possível. Garimpeiros e mineradores sabem bem sobre isso e agem com a convicção de que não serão responsabilizados e bom exemplo disso são os pequenos garimpos clandestinos de ouro que teimam em surgir em bairros de Cuiabá às vésperas dos 304 anos de sua fundação.
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