Acre
Inscritos em programas do governo falam sobre a espera por casas populares há 10 anos no AC
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Móveis perdidos, muitas idas aos abrigos públicos e casa prestes a cair. Esta é a realidade da auxiliar de serviços gerais de Fabíola Holanda, de 31 anos. Assim como ela, muitas outras famílias sofrem a cada alagação que ocorre em Rio Branco.
Há dez anos, a auxiliar de serviços gerais que mora atrás da Judia, no Canaã, Bairro 6 de agosto, fez o cadastro no programa Minha Casa Minha Vida do governo e aguarda ser chamada no sorteio. E, apesar de ver muitas pessoas serem contempladas, ela continua no mesmo lugar.
“Minha casa fica atrás do igarapé Judia e ele transborda quando está no inverno. Aparece animal peçonhento, como cobras. Tenho três filhos e dois deles são pequenos e minha casa alaga. A água fica na altura da janela. Acaba que perco tudo”, relembra do último sufoco que passou em 2015, última cheia que sofreu.
Fabíola conta que a casa onde mora está balançando e o marido precisou amarrar e colocar algumas peças de apoio para amenizar a situação precária.
Quando fez o cadastro, Fabíola disse que se encheu de esperança com a possibilidade de sair da área de risco, mas acabou que dez anos se passaram e ela vê a situação piorar a cada dia.
“Sempre me disseram para aguardar que teria uma reunião geral da Sehab [extinta Secretaria de Habitação] e nunca fui contemplada. Levei o meu CPF e está constando que o cadastro foi feito, estou inscrita no Minha Casa Minha Vida. Estou aguardando esse tempo todo”, lamenta.
Perda dos bens
Fabíola conta que pessoas que moravam na mesma região já foram contempladas, mas que a família continua a longa espera.
“Duas pessoas, inclusive, que moravam aqui do lado, ganharam a casa e eu fiquei. Também já tentei o aluguel social, mas não consegui”, conta
Ela diz que, por duas vezes, precisou ir para o abrigo no Parque de Exposições Wildy Viana, nos anos de 2012 e 2015.
“Perdi meus móveis. Guarda-roupas, mesa, cama, armário, sofá. Ando meio desgostosa porque ano que vem a gente já fica pensando em uma possível enchente de novo”, diz.
Atualização do cadastro
Em julho deste ano, em reportagem publicada pelo G1, o Departamento de Habitação da Secretaria de Infraestrutura e de Desenvolvimento Urbano (Seinfra), informou que em 2009 foram feitos cerca de 37 mil cadastros habitacionais no estado.
Ainda segundo o órgão, os cadastros habitacionais feitos naquele ano no Acre devem passar por uma atualização de dados. Porque o atual sistema não passa a segurança necessária nos cadastros, seleções e sorteios das unidades habitacionais.
Quando soube dessa atualização, mesmo em meio a apreensão, Fabíola disse que pode ser um sinal de esperança também.
“Já não tinha mais nem esperança. Tinha entregado para Deus e fiquei nessa expectativa que falaram que vai ter uma atualização . Então estou aguardando que tenham notícia boa para me dar”, contou.
Casa cedida
A realidade de quem almeja uma casa nestes programas são as mais diversas, porém, a espera é o ponto em comum de todos eles.
Raimunda Andrade, de 35 anos, mora em uma casa cedida pela ex-sogra com os dois filhos e teme ficar sem ter onde morar a qualquer momento, quando for pedido o imóvel de volta.
Quando se inscreveu no programa, Raimunda que trabalha como assistente educacional, morava no Bairro Cidade Nova e pagava aluguel e sempre sofria com as constantes alagações.
“Passamos por várias alagações. A gente morava em uma casa alugada e, quando a alagação vinha, não tinha para onde ir porque era à margem do rio e era um grande transtorno”, relembra.
Ela conta que não saía do bairro porque é uma região que oferece aluguel de casa com preços mais baixos e acabava retornando pra lá por causa das condições financeiras da família.
“Até que consegui essa casa onde estou morando há uns três anos, na Vila Ivonete, e ela é cedida para mim”, diz.
‘Angustiante’
A preocupação de Raimunda é de ficar sem ter onde morar a qualquer momento. E para ela, a esperança já não é mais tão grande após uma década sem resposta.
“Angustiante porque, na minha mente, não tem mais possibilidade. Já fazem 10 anos e, hoje em dia, a expectativa de emprego escasso é preocupante porque a gente tem filhos e quer um lar para eles”, descreve a preocupação.
Raimunda diz que fica triste. Além disso, ela afirma que todas as vezes que procurava uma informação, sempre ouvia que a única saída era esperar.
“Fico triste porque não fui sorteada e pode ser que algumas pessoas ainda sejam sorteadas, mas eu não tenho tanta esperança. Quando se paga aluguel, ele come junto com você e me preocupo muito com o futuro dos meus filhos. Como a casa aqui é cedida, a qualquer momento a gente tem que sair se o dono pedir”, lamenta.
Longa espera
A empregada doméstica Antônia Maria, de 36 anos, moradora do Novo Horizonte, diz que vive de aluguel em uma casa de condições precárias há muitos anos.
“Moro à beira de um esgoto. Fiz o cadastro em 2009, assim que começou. No aluguel, moro há muitos anos. Aqui não alaga, mas o esgoto é próximo e tem muito mal cheiro, vem refluxo pra dentro de casa pelo banheiro. A casa é de madeira e muito complicada”, conta.
A moradora diz que que mesmo que a região não seja de alagação, ela afirma que faz parte do perfil, principalmente por causa do aluguel. Quando fez o cadastro disse que não teve nenhum tipo de restrição.
“É um pouco complicado, a gente vai sobrevivendo, mas dizer que é fácil não é. Já procurei várias vezes a Sehab e sempre ouvia: ‘tem que esperar’. É o que eles falam. E nessa espera, já estou há dez anos. Sabe Deus quando vai ser sorteado. Mas vamos ficar aí, sei que uma hora vai dar certo”, conclui.
Operação
A Operação Lares investigou um esquema de venda de casas populares no Acre. Na primeira fase, oito pessoas foram ouvidas e cinco mandados de busca foram cumpridos em Rio Branco. Entre os suspeitos, estavam uma funcionária da antiga Secretaria de Habitação do Acre (Sehab) e um servidor lotado na Junta Comercial do estado.
A polícia falou, na época, que mais de 100 pessoas foram ouvidas e ao menos 60 foram indiciadas na primeira fase da ação. A operação identificou ainda a venda de 40 unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida.