Agronegócios
Indígenas de Rondônia se destacam na produção de café com sustentabilidade
Compartilhe:
Sem adubo especial, sem irrigação e, apenas com o cuidado para colher no tempo certo, tratar e estocar os grãos de café clonal produzidos na lavoura escondida em meio à floresta da Reserva 7 de Setembro, os índios Paiter Suruís comemoram o 8º lugar, com 80 pontos registrados no Concurso de Qualidade e Sustentabilidade de Café de Rondônia (Concafé), que aconteceu na cidade de Cacoal no dia 21 de setembro. A pontuação foi alcançada já na primeira safra plantada pelo herdeiro da aldeia Lapetanha, Luan Mopib Gorten Suruí, 24 anos.
A aldeia está localizada a aproximadamente 35 quilômetros da cidade de Cacoal, no interior do estado. São 15 famílias somente na Lapetanha, e todas trabalhando com a cultura de café, em uma reserva com a extensão de 243 mil hectares. Segundo o coordenador regional da Funai, Ricardo Prado, as terras onde o povo Suruí está dividido em 27 aldeias com mais de 1.800 pessoas, tomam parte dos municípios de Cacoal, Espigão D’Oeste e Rondolândia.
Para conhecer a lavoura de Luan, é preciso adentrar a mata da aldeia, onde é possível perceber que a temperatura é diferente e que o adubo natural produzido pela floresta favorece o plantio. Com o apoio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Rondônia (Emater), os indígenas conseguem firmar a lavoura e produzir café considerado especial pelos técnicos do setor.
“Nossa função aqui é dar assistência especializada, mesmo sendo uma lavoura sem muita técnica de trabalho. O segredo deles está na hora da colheita e pós colheita. É uma lavoura sem defensivos e o que eles conseguem fazer em micro lotes com qualidade é que faz a diferença”, explica o gerente técnico da Emater-RO, Raphael Cidade.
Luan Suruí conta que em três hectares de lavoura já produzindo e mais quatro começando, há dois anos ele iniciou o trabalho com o café clonal. Através da Cooperativa de Produção e Extrativismo Sustentável da Floresta Indígena Garah Itxa do Povo Suruí, uma máquina para limpar os grãos foi adquirida, e o galpão para o armazenamento das sacas construído. Garah Itxa, na língua nativa Tupy Mondé, significa “Juntos com a Floresta”, esclarece o tradutor da tribo, Rubens Suruí.
“Todo o café produzido pelo nosso povo é seco e limpo aqui. Eu fiz 28 sacas com essa primeira safra, e como foi considerado especial, já temos um comprador que vai exportar para a Suíça. Cada saca (60 quilos) será vendida a R$ 750”, revela Luan Suruí. A média de preço da saca de café comum no mercado rondoniense varia entre R$ 280 e R$ 300.
Uma vez por mês, o extensionista rural da Emater Wesley Gama vai até o local e orienta os indígenas sobre o manejo sustentável para a manutenção da qualidade da produção. “Tem lote que é feito dentro do sistema agroflorestal, tentando recriar a floresta acrescentando essências de diversas espécies. Todo o solo tem recuperação natural por meio da matéria orgânica da floresta”, explica.
Segundo Wesley, a Emater já está em processo documental com o Banco da Amazônia (Basa) para a abertura de créditos para os produtores indígenas da área. Na Lapetanha, assim como nas demais aldeias da Reserva 7 de Setembro, também há plantações de banana, babaçu, cacau e castanha, tendo a castanha destaque na última safra colhida entre novembro de 2017 e março deste ano com o volume de 200 toneladas.
Moperi Suruí, pai de Luan e cacique da aldeia Lapetanha, dançou e cantou para recepcionar a equipe de técnicos e comemorar a ascensão da produção, e antes da emocionante apresentação, Moperi se orgulhou da capacidade da tribo, e falando em Tupy Mondé demonstrou alegria e agradecimento. “Nós parabenizamos a iniciativa de virem mostrar como convivemos na aldeia e o potencial da nossa produção. Estamos felizes por estarmos entre os melhores pelo trabalho de forma sustentável legal e sem destruição da floresta, e agora sermos exemplo para o mundo com a nossa cultura dentro do território Suruí”.
Das três edições do Concafé, este ano foi a primeira com a participação de indígenas que produzem o café clonal nas aldeias.
Como tudo começou
Os especialistas do setor produtivo de café contam que as lavouras de seminais foram plantadas no início dos anos de 1980, quando colonos ultrapassaram os limites das reservas indígenas e se instalaram nas áreas sem autorização.
Foi assim que o povo Suruí decidiu se espalhar pela reserva, formando várias aldeias, forçando a retirada dos colonos e impedindo novas investiduras por parte dos brancos nas terras de sua propriedade.
Há três anos, com apoio da Emater, e recursos direcionados para a tribo através de Organizações Não Governamentais (ONGs), as mudas de café clonal conilon passaram a ser introduzidas nas lavouras indígenas.
Raphael Cidade justifica que a substituição dos seminais pelo clonal fez toda a diferença também a produtividade mais vantajosa. “Depois de um ano, após essa safra colhida de março a julho, o plantio já estará novamente produzindo inserido na floresta com a proteção e o equilíbrio naturais. O café seminal renderia apenas de 10 a 14 sacas, enquanto o café clonal conilon rende uma média de 25 sacas por hectare. Se a lavoura fosse tecnificada seriam produzidas de 80 a 100 sacas no mesmo espaço. A vantagem para os indígenas dessa área é que além do solo fértil, há muitos viveiros de fácil acesso para o investimento no plantio”.
E o extensionista rural Wesley Gama afirma a importância do apoio direcionado às lavouras para os povos indígenas. “Se você parar para pensar que essa é a realidade deles, que é o que eles tem para dar o sustento às suas famílias, o trabalho de assistência prestado pela Emater é fundamental para eles”.
Premiação em grande estilo
Uma das principais avaliações do Concafé para a pontuação dos cafés apresentados foi a sustentabilidade. E a surpresa para o indígena Valdir Aruá foi a classificação em 2º lugar, com 81 pontos. Na Comunidade Indígena Rio Branco, a cerca de 80 quilômetros da cidade de Alta Floresta, em uma área de 236 hectares, vivem aproximadamente 1.150 famílias, entre elas a do cafeicultor indígena.
São Tuparis, Jabotis, Aruás, Kanoés, Ajurus, Sacarabiás, Iaricapus, Macurapi e Kampés, todos orgulhosos e querendo seguir o exemplo de Valdir. Em cerimônia na tribo, o prêmio foi entregue ao vencedor pelo gerente técnico da Emater, Raphael Cidade. Um cheque de R$ 8 mil em insumos, credencial para a retirada de 5 mil mudas de clonal e mais 24 toneladas de calcário. A lavoura de Valdir vai ficar ainda mais fortalecida.
“Nem nos nossos melhores sonhos imaginávamos estar entre os melhores de Rondônia. Isso é um marco na história da cafeicultura, é a primeira etnia a conquistar um pódio de 2º melhor café na região amazônica. Representa desenvolvimento, respeito e potencial”, disse Enrique Alves, pesquisador da Embrapa RO que acompanhou e desenvolveu o projeto junto ao indígena.
A comunidade conta também com o apoio técnico da Secretaria Municipal de Agricultura de Alta Floresta e terá, tão logo formalizado o termo de parceria junto à Funai, a assistência da Emater RO.
“Não foi somente eu que ganhei, mas toda a comunidade indígena do estado de Rondônia, porque esse prêmio abre portas para mais interessados conhecer e descobrir nosso potencial produtivo”, declarou Valdir Aruá. Outras 8 mil mudas serão destinadas à comunidade através da Emater.
As etnias Aruá e Tupari usam pouca aplicação de tecnologia, plantam também mandioca, milho e algumas frutíferas, e a principal fonte de renda é a castanha. Mas há 15 anos os nativos dessas terras cultivam o café, em clareiras no meio da floresta. Segundo Enrique Alves, eles seguem o sistema agroflorestal, com a lavoura inserida entre outras plantações.
“Os tratos são bastante rudimentares, e já estão ensaiando com o clonal e herbicidas. Mas quando começamos, percebemos o erro na secagem que era realizada em chão batido ou terceirizada. Assim, o processo de secagem era feito sob altas temperaturas e após a espera nas lavouras e nas filas dos secadores, e isso fazia com que o café perdesse a qualidade, sendo vendido na vala comum dos commodities”, conta o pesquisador.
Foi no início deste ano que as primeiras visitas da equipe técnica começaram a ocorrer e, é claro, os treinamentos específicos para melhoria do cultivo. “Trabalhamos como foco o pós colheita, que é um dos principais pontos a serem melhorados na cafeicultura em todo o país. Sempre destacando a importância da sustentabilidade, foram construídos os terreiros suspensos para secagem, e ainda a prática de colheita de grãos mais maduros, mais saudáveis e bem formados”.
Desta maneira, o primeiro lote de robustas da lavoura de Valdir Aruá foi premiado como café especial e de alta qualidade, valendo como um divisor de águas para a produção sustentável não só indígena, mas como exemplo para todo o setor de cafeicultura de Rondônia.
Texto: Vanessa Farias
Fotos: Frank Nery