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Ignorância que silencia sorrisos
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Dados da OMS apontam que 1 a cada 650 crianças nascidas em nosso país, ou seja, cerca de 5 mil por ano, possuem fissura labiopalatina
Seria a ignorância uma benção? Talvez, para aqueles que estão distantes de determinada realidade. Por outro lado, para as crianças portadoras de fissura labiopalatina e suas famílias, ela é fonte de muito sofrimento.
Imagine as emoções que vivencia um casal humilde, nos rincões de nosso país, em um dos momentos mais especiais de sua vida, ao descobrir que seu filho nasceu com uma deformidade facial. Esta notícia, muitas vezes, é acompanhada de total ignorância. Desconhecimento em entender a frequência daquela condição, que segundo dados da Organização Mundial de Saúde afeta uma a cada 650 crianças nascidas em nosso país, ou seja, cerca de 5 mil por ano. Ignorância de não conhecer o tratamento possível que pode alterar trajetórias de vidas quando estas crianças, ainda bebês, passam por procedimento cirúrgico e posterior acompanhamento de diversas especialidades.
Esta ignorância leva estas crianças a não terem acesso ao tratamento, crescendo com dificuldades de se alimentar, de pronunciar as palavras e de se socializar. Muitas vezes, afetadas por bullying, abandonam a escola e deixam de receber educação. Em outras, se isolam em casa e se tornam invisíveis para a sociedade.
A condição é estudada pela equipe do Projeto Genoma Humano, da USP e por outras instituições de ponta pelo mundo. Entretanto, os fatores exatos que causam a fissura labiopalatina permanecem desconhecidos. Acredita-se que ela está relacionada fortemente a questões ambientais, como infecções congênitas, diabetes gestacional, hipotireoidismo, uso de medicamento banido na gestação e deficiências de vitaminas e ácido fólico, que afetam a gestante. Isto pode explicar a maior incidência em algumas regiões do Norte e Nordeste do Brasil, por exemplo.
Como cuidar de todos estes pacientes?
Todos os pacientes têm direito a este cuidado, inclusive, o projeto de lei n° 3526, de 2019, de autoria do deputado Danrlei de Deus Hinterholz (PSD/RS), aprovado na Câmara dos Deputados e atualmente no Senado, estabelece a obrigatoriedade do Sistema Único de Saúde (SUS) prestar serviço gratuito de cirurgia plástica reconstrutiva de lábio leporino ou fenda palatina, bem como efetuar o tratamento pós-cirúrgico. Determina, também, que nos casos de lábio leporino detectado em bebê, este deverá ser submetido à cirurgia reparadora, logo após o nascimento.
Entretanto, várias famílias desconhecem a possibilidade de cirurgia corretiva e onde e como buscar tratamento. E, muitas vezes, o registro desta condição no nascimento documenta deformidade facial de maneira genérica, o que torna complexo identificar quais crianças, efetivamente, estão afetadas por esta condição.
Neste aspecto, seria fundamental criar linhas de cuidado que possam abranger ações de prevenção no pré-natal, melhoria no sistema de identificação de crianças nascidas com essa condição e programas robustos de atenção básica, por meio de agentes comunitários e núcleos especializados no tratamento.
Estratégias de Hubs Sociais também podem ser muito efetivas para alcançar aqueles que ainda não são devidamente cuidados. No Reino Unido, por exemplo, carteiros orientam idosos em áreas rurais a controlar suas doenças crônicas. De forma similar, no estado do Rio de Janeiro (RJ), utilizou-se a capa da conta de luz para fazer propaganda de um mutirão para tratar o problema. Esta ação alcançou 200 crianças e adultos que, até o momento, eram invisíveis ao sistema.
Tão importante quanto trazer estas crianças para o sistema é capacitar este sistema a atendê-las. É importante ter centros especializados neste tratamento para obter melhores resultados.
A realidade de nosso país se impõe mais uma vez com uma concentração destes centros no Sul, Centro-Oeste e Sudeste. Nas regiões Norte e Nordeste, existem atualmente três núcleos capacitados, localizados em Natal (RN), Porto Velho (RO) e Santarém (PA). Segundo a ONG Operação Sorriso, estima-se que cerca de 150 mil pessoas de todas as idades aguardam tratamento nestas duas regiões.
E o que podemos fazer?
Por um lado, desenvolver políticas públicas efetivas que possam criar um impacto de longo prazo e de grande alcance. Estas, deveriam abranger desde prevenção durante o pré-natal, passando por ações de atenção básica para informar a todos, em especial aos mais humildes, sobre as possibilidades de acesso ao tratamento e, ainda, desenvolver núcleos especializados levando em consideração a prevalência regional.
De forma imediata, ONGs como Operação Sorriso são essenciais para ajudar a superar os desafios atuais. Todos podem contribuir para que elas existam com doações para viabilizar as missões, participação como voluntários e, no caso de empresas como a Johnson & Johnson MedTech, além de organizar campanhas de doação e apoiar colaboradores interessados em serem voluntários, há a possibilidade de doar materiais, em nosso caso, suturas, para realização dos procedimentos.
Convido a todos a visitar o portal da Operação Sorriso, conhecer esta ação social e apoiar esta missão.
Concluo destacando que, naturalmente, mobilizamos os esforços para resolver os desafios que têm grande visibilidade. Neste contexto, setores com maior poder de impulsionamento podem conseguir desequilibrar a alocação de investimentos a seu favor.
Recentemente, a crise humanitária envolvendo o povo Yanomami entristeceu e sensibilizou a todos. A ignorância da sociedade em relação a esta situação provavelmente permitiu que ela chegasse ao ponto atual.
Refletindo sobre os impactos da falta de visibilidade de situações que afetam populações em situação de vulnerabilidade, acho bastante positiva a iniciativa recente do Ministério da Saúde de ter como meta eliminar doenças relacionadas às condições de pobreza, saúde precária e exclusão social.
Em momento de significativas limitações de recursos, precisamos ter mecanismos eficientes para tornar visíveis as dores que impactam populações em situação de vulnerabilidade e, desta forma, ajudar a alocar os investimentos limitados onde ele gerará maior impacto social.
FUTURO DA SAÚDE