Mato Grosso
HOMENAGEM: Tributo ao delegado federal Roberto e o amanhã ambiental
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Jovem, no auge da carreira profissional o delegado federal Roberto Moreira da Silva Filho, partiu aos 35 anos vítima de um tiro ricocheteado no curso da operação Onipresença por ele comandada na Terra Indígena Aripuanã, no município do mesmo nome na região Noroeste de Mato Grosso. Uma bala disparada contra a lataria de um caminhão madeireiro que tentava furar um bloqueio da PF o atingiu na cabeça na madrugada do sábado, 27 de agosto. Rendo tributo ao delegado Roberto nesta terra brasileira, onde tragédias sempre mostram caminhos para que não mais se repitam. Que o sacrifício do delegado Roberto não seja em vão e que desperte o Brasil para a realidade da criação de uma política dura e inflexível que bote fim à irracionalidade do desmatamento que bota de um lado os que o praticam e aqueles que o combatem, sem que numa visão mais ampla – bem ampla – nenhuma das partes esteja errada, pois o erro nesse caso tem que ser debitado ao governo federal e – creiam – ao absurdo da ausência do Estado em sua amplitude no município de Aripuanã e seu entorno.
Descanse em paz delegado Roberto! O povo mato-grossense reconhece seu profissionalismo no cumprimento de suas missões à frente da Delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico, da Superintendência da PF em Mato Grosso, da qual era titular.
O Brasil é país de privilégios, injustiça e impunidade. Quem vive em Aripuanã conhece essa realidade. A opulência na cúpula dos poderes, as vantagens, o privilégio previdenciário, o nepotismo cruzado, o enriquecimento fácil para o grupo familiar dos sócios do poder; os incentivos fiscais a poderosos. A injustiça do aviltante salário mínimo e de seus descontos pela voracidade do Estado; os arranjos que privilegiam os filhos de papai em detrimento da competência dos herdeiros do zé ninguém. As cadeias mato-grossenses abarrotadas de pretos e pobres e sem o compartilhamento carcerário por poderosos políticos corruptos sem sombra de dúvida. Esse cenário de horror social é sentido não apenas nas grandes cidades, mas entra pela Amazônia e chega a Aripuanã. A resposta, em alguns casos por indignação, vem pelo crime ambiental que envolve madeireiros e indígenas, de um lado, e o braço policial e ambiental representado pelo Ibama, Polícia Federal e Força Nacional, do outro.
Não cabe ao cidadão criar suas próprias regras legais. O delegado Roberto cumpria a lei quando foi mortalmente ferido. Sua morte tem que ser debitada à negligência do Estado Brasileiro, senão vejamos.
Se à frente do governo estivesse um estadista; se o Congresso fosse composto por maioria sensata, honrada e nacionalista; se o Judiciário não fosse obtuso; e se a Imprensa assumisse seu verdadeiro papel, o Brasil teria uma legislação ambiental sintetizada assim:
É proibido o tráfego de madeira bruta ou beneficiada por rodovias municipais, estaduais e federais quer sejam ou não concedidas, e por hidrovias e ferrovias; veículo apreendido transportando ou navegando com madeira será incorporado ao patrimônio público da União, sem prejuízo da responsabilização penal do condutor, comandante ou maquinista.
Não é permitida a exportação de madeira bruta ou beneficiada quer seja nativa ou exótica.
Limitação e disciplinamento do funcionamento de madeireiras.
Não é permitido o funcionamento de entidades representativas do segmento madeireiro.
Para aplicação na construção civil, móveis e em cercas e outras instalações rurais somente é permitido a utilização de madeira exótica a exemplo da Teca e do Eucalipto.
Uma política ambiental nessa dimensão e com o patrulhamento das fronteiras para impedir o escoamento reverso – aquele feito no sentido contrário da lógica com forte vigilância pelas Forças Armadas para que a madeira ao invés de sair do Brasil pela foz do rio Amazonas, utilize o curso do rio em direção à sua nascente.
Aripuanã não é de outro planeta. Tanto na cidade quanto em suas vilas, zona rural e nas terras indígenas há sonho e ele é comum a aldeados e seus vizinhos. A resposta natural em busca desse sonhar é o desmatamento para a venda de espécies nobres.
Que culpa tem o aripuanense e seus povos indígenas pela absoluta ausência do Estado, que somente chega naquele município com 23.678 km² – maior do que Sergipe – com seu braço ambiental e policial? Onde está o acesso pavimentado? O saneamento? A medicina de especialidades? A universidade? A segurança pública? O Estado Brasileiro e o Estado de Mato Grosso desconhecem Aripuanã e seu povo é empurrado ao garimpo clandestino, ao desmatamento em área indígena.
Pobre Aripuanã, que em 2019 foi o primeiro município atingido por uma medida do governador Mauro Mendes, que fechou delegacias de polícia e centros de detenção provisórias (CDPs) – o CDP de Aripuanã puxou a fila do fechamento.
É precoce citar que o tiro de vitimou o delegado Roberto seja culposo, mas um fato é irrefutável: se tivéssemos uma política ambiental diferente o mesmo não teria acontecido.
O ÍNDIO – A Terra Indígena Aripuanã da etnia Cinta Larga tem 751 mil hectares entre os rios Aripuanã e Roosevelt nos municípios de Aripuanã e Juína, e é contígua com outras áreas indígenas que avançam para Rondônia. Não se trata de um naco de terra que pode ser vigiado a olho nu, nem pela Operação Onipresente que integra o programa federal Guardiões do Bioma e que é desencadeada pela PF em conjunto com o Ibama.
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Quando o delegado Roberto tombou, Onipresente estava em sua terceira fase em menos de dois meses, e em seu curso foram incendiados mais de 30 carretas, caminhões, picapes, motos, motosserras, madeiras e barracos. A área que a mesma julga proteger dista 40 quilômetros da cidade, por rodovias municipais e vicinais; seu trajeto cruza a comunidade de Lontra.
Os Cinta Larga discordam da tutela da Funai, querem liberdade, direito à vida nos moldes dos vizinhos não aldeados. Circulam ao volante das camionetes mais caras no mercado, ostentam relógios e smartphones. Vivem no dilema entre o enclausuramento ditatorial imposto pela Funai e os ventos da liberdade que o dinheiro confere.
Somente com a desmonetização da madeira essa situação será vertida, mas juntamente a ela o governo deve criar um mecanismo de fortalecimento dos costumes, tradições e modo de viver dos diversos povos indígenas.
A saga de Aripuanã
Aripuanã resiste.
Sempre resistiu, desde 1910, quando seu núcleo urbano começou a ganhar ares urbanos em razão da construção da linha telegráfica ligando o Rio de Janeiro e Cuiabá a Manaus, pelo Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, dois anos antes.
Seus habitantes primitivos dedicavam-se ao extrativismo do látex de seringueiras nativas, e sua localização era à margem do rio Roosevelt distante cerca de 200 quilômetros da cidade de agora, que é banhada pelo rio que lhe empresta o nome. À época a região pertencia a Santo Antônio do Rio Madeira, que foi rebatizada como Porto Velho, capital de Rondônia.
Em 31 de dezembro de 1943, quando Mato Grosso se preparava para o Ano-Novo de 1944, o interventor Júlio Müller emancipou Aripuanã, de Santo Antônio do Rio Madeira.
A cidade hibernou até 1966, quando o governador Pedro Pedrossian nomeou o piloto civil Amauri Furquim prefeito do município e deu-lhe carta branca para escolher um local adequado para a instalação de sua sede.
O comandante Furquim buscou a experiência do topógrafo Antonio Severo Gomes, e juntamente com ele bateu o martelo sobre a instalação da cidade.
Severo Gomes fez o arruamento e criou o projeto urbanístico de Aripuanã, a exemplo do que mais tarde faria em Alta Floresta, Apiacás, Paranaíta e Colniza.
Com a nova cidade, a prefeitura daquele município pouco tempo depois deixou a saleta que ocupava como se fosse sua sede, na Travessa Dom Bosco, em Cuiabá.
Reconhecendo o papel do comandante Furquim, Aripuanã deu seu nome ao aeroporto local, que tem pista pavimentada. Parte das terras de Aripuanã são apontadas juntamente com as da República de Geórgia como as melhores do planeta.
A fertilidade desse solo, segundo o escrivão da cidade, o advogado Domingos Gonçalves de Paula, o Domingão, funciona como atrativo e tem influenciado para que todos os anos milhares de novos moradores cheguem ao lugar.
A beleza dos saltos das Andorinhas e Dardanellos, no rio Aripuanã, nas imediações da cidade, atraía turistas, mas a construção de uma usina hidrelétrica no rio Aripuanã desfigurou aquela beleza natural.
MINÉRIOS – A multinacional Nexa Resources, sucessora da brasileira Votorantim, incrementa um grande projeto mineral no município, há alguns anos, mas em 2019 garimpeiros descobriram ouro na área com direitos minerários da Nexa.
A cidade foi literalmente invadida e ocorreram problemas sociais, que foram – ainda que momentaneamente – resolvidos graças a um acordo entre as partes com intermediação dos governos estadual e federal.
A Nexa e a Cooperativa das Mineradoras e Garimpeiros de Aripuanã (Coopermiga) com as bênçãos da Agência Nacional de Mineração (ANM) e da Companhia de Mato-grossense de Mineração (Metamat) decidiram recentemente que durante um ano, 1.500 garimpeiros poderiam garimpar em 516 hectares amparados por uma Permissão de Lavra Garimpeira (PLG)
RESUMO – Aripuanã não suporta mais a presença do Ibama, Força Nacional e Polícia Federal. Nada, absusolutamente nada contra esses braços do Estado, mas tudo contra a ausência plena e federativa do mesmo.
Que a trágica e lamentável morte do delegado Roberto não crie um fosso entre a Polícia Federal e Aripuanã e vice-versa, mas que a dor de seu adeus mostre que é preciso cessar o desmatamento por força de uma política ambiental que a incompetência do governo federal não consegue implantar e a bancada federal mato-grossense – subalterna e menor – não tenha voz para cobrar.
Descanse em paz delegado Roberto. É nas grandes quedas que se gera energia para iluminar o mundo. Iluminemos-nos com sua precoce partida.
Fotos:
1 e 2 – Polícia Federal
3 e 4 – Blogdoeduardogomes.com.br
EDUARDO GOMES
@ andradeeduardogomes
eduardogomes.ega@gmail.com
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