Medicina
HIV não é sinônimo de aids e tratamento pode garantir vida normal a pacientes
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Ter HIV não significa estar com aids. Assim como milhares de brasileiros, a estudante Blenda Silva, de 24 anos, que descobriu há seis meses ser soropositiva, só aprendeu a diferença após ser diagnosticada com o vírus. “Quando pensam no assunto, as pessoas ainda se lembram de Cazuza, de Renato Russo e de outros ícones que morreram de aids no início da epidemia e acham que ser portador de HIV é uma sentença de morte, além de achar que HIV e aids são a mesma coisa. Não é, e com tratamento é possível afastar a ameaça da aids”, esclarece.
O HIV, sigla de Human Immunodeficiency Virus, em inglês, é o causador da aids, mas isso não significa que todas as pessoas que têm o vírus vão desenvolver a doença, segundo o infectologista Pablo Velho, médico da Secretaria de Saúde de Santa Catarina que trabalha há dez anos com pacientes soropositivos. “Ainda não existe uma cura para a aids, mas o vírus pode ser controlado com medicamentos”, destaca.
Segundo o médico, a única maneira de evitar que a aids se desenvolva é recebendo medicação adequada após o diagnóstico de infecção pelo vírus. “Se nada for feito para interromper o processo de evolução natural dessa doença, ela vai chegar à aids. Em alguns indivíduos isso acontece de forma muito rápida, e eles podem desenvolver a aids em até dois anos após o contágio. Na outra ponta, há algumas pessoas que podem levar mais de dez anos. Em média são sete anos, mas não se pode confiar nisso porque varia de pessoa para pessoa e não faz sentido esperar a pessoa ficar mal para começar o tratamento”, explica.
No Brasil, a estimativa é que 160 mil pessoas estejam vivendo com HIV sem saber. O Boletim Epidemiológico de HIV/aids, divulgado, estima que das 670 mil pessoas diagnosticadas com HIV, 129 mil não estão se tratando.
Prevenção
Durante o lançamento da campanha Vamos combinar? Prevenir é viver, nesta sexta-feira em Curitiba, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, destacou a importância de “convencer aqueles que sabem que têm o vírus mas que não se tratam de que precisam ser engajados no tratamento, que é gratuito e de qualidade”. O tratamento pode deixar o paciente com uma carga viral indetectável e, nesses casos, o HIV se torna intransmissível na relação sexual.
O empresário soropositivo Lucian Ambros, de 29 anos, demorou quatro anos para iniciar o tratamento depois de receber o diagnóstico por medo dos efeitos colaterais dos remédios. Ele não sabia que os medicamentos antirretrovirais de hoje são mais modernos que os coquetéis do passado, que incluíam 18 comprimidos e debilitavam os pacientes.
“Quando eu tomei, vi que não tinha nada disso. Mas sinto que falta informação sobre isso, o que leva muitas pessoas a se comportarem como eu fiz, aumentando o risco de desenvolver aids ou transmitir o vírus, por pura ignorância”, contou. Em junho deste ano, Ambros lançou o aplicativo Posithividades, uma plataforma gratuita de apoio e troca de informações entre soropositivos. Ele disse que tem compartilhado sua experiência com milhares de pessoas, tentando ajudá-las a perder o medo e começar o tratamento.
Segundo o Ministério da Saúde, o preconceito causado pela falta de informação sobre a aids é um problema, por isso a principal estratégia da nova campanha do governo é diminuir o número de portadores de HIV que desenvolvem a aids apostando na ampliação do diagnóstico e na divulgação de informações que aumentem o número de pessoas em tratamento.
O foco da iniciativa são os jovens, e o material informativo reforça as diversas formas de prevenção ao HIV disponibilizadas gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “É o público que mais está se expondo ao vírus e estamos tentando reverter a tendência de crescimento”, disse o ministro.
A Agência Brasil conversou com dois jovens soropositivos que escolheram enfrentar o estigma e assumir publicamente que têm o vírus para tentar ajudar a diminuir o preconceito sobre o tema. Até encontrar Blenda Silva e Lucian Ambros, a reportagem recebeu várias negativas de pessoas que tinham receio de se expor e depois serem punidas por isso, por exemplo, com uma demissão do trabalho.
“As pessoas são preconceituosas”
Ao sair do laboratório logo após o resultado positivo para HIV, há seis meses, e ir para a casa de uma amiga próxima, Blenda Silva, então com 23 anos, foi aconselhada a não contar para ninguém sobre o diagnóstico, além da família e melhores amigos. “Todos pareciam muito preocupados com a rejeição que eu poderia sofrer, diziam que ‘as pessoas são preconceituosas e que eu não precisava encarar isso’, ou ‘não quero te ver sofrendo com a maldade do mundo’.”
Blenda teve relacionamentos longos e não tem certeza de quando contraiu o HIV, mas pela carga viral que apresentava quando foi diagnosticada, os médicos estimam que isso ocorreu há dois ou três anos. Ela nunca tinha feito exames para doenças sexualmente transmissíveis.
Apesar da insegurança, Blenda disse ter se questionado sobre o porquê de não pode falar sobre o vírus. “Mas por que não posso contar para ninguém? Por que eu preciso ter vergonha de uma condição que eu não escolhi?”, se perguntou antes de decidir dar a notícia para o pai e a irmã.
Três dias após o diagnóstico, a estudante procurou uma unidade de saúde e começou o tratamento. Ela toma dois comprimidos diariamente e não sente nenhum efeito colateral. “Tenho uma vida normal, só me sinto um pouco cansada às vezes”, contou.
Blenda decidiu não tratar o vírus como tabu e enfrentar o preconceito falando abertamente sobre o assunto para conscientizar outras pessoas sobre os riscos do HIV. “Meu papel hoje, como portadora, é ajudar outras pessoas. Não consigo nem contar o número de pessoas que já me procuraram para dizer que fizeram o exame após ouvir a minha história”, relata.
A coragem de Blenda de tornar pública sua condição em alguma medida a protegeu do preconceito. “Como todos sabem, só se aproximam de mim as pessoas que não têm problema com isso ou que estão curiosas”.
A estudante disse nunca ter sido agredida nem se sentiu excluída nas interações interpessoais ao vivo. No entanto, na internet a repercussão foi um pouco diferente, o que ela percebeu após gravar um vídeo e postá-lo nas redes sociais. “Publiquei um vídeo respondendo às perguntas que sempre ouço quando conto que sou soropositiva. Eu estava cansada de ter que explicar a diferença entre HIV e aids e queria ajudar outras pessoas e mostrar ao mundo que eu não ia morrer, que eu estava bem. Vi que há muita gente desinformada e cheias de preconceito sobre o assunto e recebi muitos comentários maldosos, mas felizmente não são a maioria”, lembra.
Medo da rejeição
Lucian Ambros mora em Balneário Camboriu, em Santa Catarina, tem 29 anos, e soube que era soropositivo aos 21. “Receber o diagnóstico foi bem tenso. Eu só pensava em morrer, parecia que a minha vida já tinha acabado. Hoje, depois de conversar com muitos outros soropositivos, vejo que a maioria acha que vai morrer quando recebe o diagnóstico”.
Na época, o empresário disse ter lembrado de que quando assumiu para a família que era homossexual, na adolescência, sua mãe disse “só espero que você nunca tenha aids”. Lucian tem um primo soropositivo há 20 anos e cresceu percebendo como ele era excluído da família por causa disso. “Ele era tratado com muita indiferença, era nítido. Então eu pensei muito em como seria contar para a minha família. Eu sentia que a mesma coisa aconteceria comigo”.
O empresário só contou para a mãe sobre o diagnóstico dois anos depois, e por meio de mensagem em uma rede social. “A única coisa que ela disse era que não queria que eu morresse antes dela”, lembra. Ao anunciar que criaria o aplicativo Posithividades, Lucian disse que “sentia que era importante assumir publicamente para dar força e ter a confiança de outras pessoas”.
Qualidade de vida com HIV
Mesmo tendo superado o medo do preconceito, Blenda e Lucian ainda enfrentam alguns impasses no convívio com o HIV. Desde o diagnóstico, a estudante não teve nenhum namorado e tem um pouco de receio de como será uma futura relação. “Mas o que realmente me magoou foi pensar na maternidade e saber que não poderei amamentar, pois um parto com acompanhamento correto impede a transmissão do vírus para o bebê, mas o leite também pode transmitir o vírus”, lamenta.
Lucian Ambros também não teve nenhum relacionamento sério nos últimos oito anos e conta que, recentemente, uma pessoa também soropositiva se recusou a se relacionar com ele por ele assumir publicamente que tem o vírus. “Não dá para impor a ninguém que torne pública sua sorologia. Mas quanto mais informação se tem, menos preconceito também”.
O infectologista Pablo Velho lembra que apesar dos desafios de ser soropositivo, é possível ter uma vida saudável. “A expectativa de vida hoje de uma pessoa que tem um diagnóstico precoce e inicia o tratamento imediatamente e mantém a carga viral indetectável é semelhante à de uma pessoa com a mesma faixa etária e que não tenha HIV”.
Segundo Velho, é comum que os pacientes não acreditem nessa informação quando a recebem na primeira consulta, mas que mudam hábitos a partir da descoberta do HIV. “Já vi muitos pacientes parando de fumar, deixando de ser sedentários e se alimentando melhor depois do diagnóstico. Não vou dizer que ter o HIV seja uma coisa boa, claro que não, mas muita gente passa a cuidar mais da saúde. As consultas que fazemos hoje com pacientes de HIV são de saúde”.
Edição: Luana Lourenço
AGENCIA BRASIL