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Faculdade de Belém retira artigo contrário à união homoafetiva de evento científico, após repercussão negativa
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Uma universidade particular de Belém resolveu retirar da programação de um evento científico um artigo da área do direito que tratava sobre união homoafetiva no Brasil, direito reconhecido por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há dez anos.
Intitulado “A inconstitucionalidade do reconhecimento civil das uniões homossexuais no Brasil: uma crítica à ADI 4277 e à ADPF 132”, o trabalho gerou discussão nas redes sociais, o que fez com que o Centro Universitário do Pará (Cesupa) emitisse uma nota de esclarecimento na noite de terça-feira (26). Entre as críticas ao artigo, estão parágrafos sem citação de referência.
O conteúdo do artigo foi relatado em boletim de ocorrência na Diretoria Estadual de Combate a Crimes Cibernéticos, da Polícia Civil. O caso foi registrado como possível crime de ódio – LGBTIfobia.
Segundo o registro de ocorrência, o artigo apresenta “teor extremamente homofóbico dizendo que a união homoafetiva (deferida pelo STF) é inconstitucional usando palavras como homossexualismo, que já foi retificada pela Organização Mundial da Saúde (OSM), descaracterizando a homossexualidade como doença”.
Prédio do Cesupa, em Belém — Foto: Divulgação / Cesupa
A universidade informou em nota que a Comissão Organizadora da XXII Jornada Científica, “reavaliou a sua decisão e optou pela não apresentação do trabalho durante o evento”, “após as diversas sinalizações reportadas sobre o artigo”. O evento começa nesta quarta (27) e vai até sexta-feira (29).
A nota diz ainda que a faculdade “repudia toda forma de discriminação dentro ou fora de seus campi e reitera seus esforços em garantir, cotidianamente, a pluralidade dos direitos de professores, alunos e funcionários, visando um ambiente invulnerado para toda a comunidade acadêmica”.
A instituição afirma ainda que “os trabalhos acadêmicos aprovados (…) são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem o posicionamento do Cesupa, da Comissão Organizadora da XXII Jornada Jurídica ou do Comitê Científico de Avaliação”.
Políticos e ativistas também se posicionaram contra o artigo. Em nota, a Comissão de Diversidade Sexual e População LGBTI+ da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA) disse que tomou conhecimento do caso e que “deve aguardar a apuração de mais informações pelas autoridades competentes e debate para definir que medidas seriam adotadas para dar apoio às pessoas que se consideraram ofendidas”.
Já a deputada federal Vivi Reis (Psol) afirmou que “é inadmissível que o Curso de Direito do Cesupa permita a apresentação de um trabalho que questiona a constitucionalidade do casamento homoafetivo”. Liberdade acadêmica não é salvo conduto para disseminação de preconceitos e crimes de ódio”, escreveu em rede social.
O advogado Hugo Mercês, pós graduando em direito digital pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que o “debate sobre o acerto do STF em julgamento de qualquer natureza é pauta acadêmica e merece ampla proteção jurídica, mas perverter o aspecto da liberdade para promover discurso de ódio pode ser crime“.
“Discutir se o STF agiu de acordo com a Constituição na decisão sobre união homoafetiva colocou em lados opostos grandes intérpretes do direito brasileiro, contudo nenhum deles, em suas divergências, assentaram que a união homoafetiva violaria o conteúdo principiológico da dignidade da pessoa humana”, defende.
Mercês explica que “afirmações presentes no artigo, acompanhadas de expressões como ‘homossexualismo’ em texto acadêmico, merecem investigação séria do Ministério Público e dos órgãos internos das instituições de ensino, pois discurso de ódio não tem proteção jurídica no Estado Democrático Brasileiro, portanto, pode ser conduta ilícita”.
“O ocorrido acende um alerta que pode haver, no seio das faculdades de direito, um grupo de pessoas que, de maneira articulada, está escrevendo na história de universidades páginas injuriosas, corrompendo o espaço acadêmico com falácias e discurso de ódio”.
O advogado argumenta para que haja “responsabilização dos estudantes envolvidos e investigação se há grupo de pessoas que tem promovido este tipo de intervenção, desorientando jovens, convertendo-os em instrumentos de ódio”.
Ele afirma também que “é preciso, a exemplo do que as faculdades de saúde já fazem, organizar conselhos de ética acadêmicas nas faculdade de direito, para que haja acompanhamento dos trabalhos produzidos sob a rubrica de produção jurídica”.
O g1tentava contato até a publicação da reportagem com os estudantes autores do artigo, mas não obteve resposta.
Outra polêmica
Em 2018, um outro trabalho na área do direito mobilizou movimentos sociais, que fizeram um protesto na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, contra a dissertação de mestrado “O bem humano básico do casamento na teoria neoclássica da lei natural”. Novamente, para os manifestantes, o tema era de “fomento à violência contra LGBT’s”.
À época, a UFPA disse que “jamais praticou ou praticará atos de censura acadêmica e por isso sua coordenação e todos os seus docentes defenderam e defendem o direito da discente ir a Júri Acadêmico”.
A instituição decidiu compor a banca examinadora com dois integrantes internos do programa e um membro externo. A defesa chegou a ser foi adiada, mas foi defendida e aprovada.
G1.globo.com