Religião
Ética Cristã: Um estilo de vida na pós-modernidade
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A ciência da conduta, chamada ética, é cada vez mais relevante em nosso tempo e pode ser vista como referência adequada para o comportamento nas diversas áreas da vida. Desde Aristóteles até a pós-modernidade a ética tem sido buscada para referenciar o comportamento adequado nas mais diferentes áreas do viver, como na política, na medicina, no clero, etc.
Nosso desafio é olhar para ética não apenas como ciência para a sociedade, mas como aquilo em que deve se fundamentar o caráter do Cristão. Uma ética fundamentada em Cristo e, portanto, na Palavra de Deus, é o que se deve esperar daqueles que confessam sua fé em Jesus Cristo.
1. O que é ética?
Ética é uma palavra cada vez mais usada em nosso tempo. É possível encontrar facilmente pessoas falando de ética na política, nos esportes, na medicina e em vários outros aspectos da vida. Outro aspecto que podemos observar em nosso tempo é a crescente exigência por ética mesmo em meio a igreja e especialmente no meio dos pastores evangélicos. Contudo o que é ética? Será que as pessoas que debatem, que exigem ética de terceiros, tem realmente conhecimento do que estão falando?
O termo ética vem do grego éthos, que significa em primeiro lugar o habitat, também o caráter, a maneira como se habita o mundo, os costumes, a maneira de se comportar, sendo que sempre o sentido geral está no comportamento por trás dos diferentes usos do termo. Também é possível perceber que ética tem a mesma base etimológica de moral do latim (mores). Os dois vocábulos significam hábitos e costumes, significando normas e comportamentos.
Enquanto a origem da ética está ligada a Sócrates, temos no filósofo grego Aristóteles (385-323) o primeiro grande sistematizador da ética. Ele situava a ética na filosofia prática. Para Aristóteles havia três dimensões entrelaçadas da práxis da ação humana: ética, política e economia.(2)
Portanto, ética pode ser definida como a ciência da conduta. Também, é possível afirmar que a ética é o estudo crítico da moralidade, que consiste na análise da natureza da vida moral humana incluindo os padrões do certo e do errado. A definição de ética retorna assim à questão de Sócrates: como devemos viver?
2. Ética Cristã
Depois de ter sido abordado, ainda que brevemente, alguns conceitos sobre ética, agora voltemo-nos para a ética dentro do entendimento cristão. E, na busca de conceituar a ética cristã apresento a seguinte definição:
A Ética Cristã é a ciência que tem por objetivo orientar não apenas o cristão, mas também o não cristão, quanto às reivindicações da Bíblia Sagrada acerca de sua conduta pessoal, familiar e pública. Ela é, portanto, normativa. É imprescindível, por isso mesmo, que as suas orientações estejam bem fundamentadas na doutrina dos profetas hebreus e dos santos apóstolos.(3)
Nesse sentido, também é possível conceituar, a seguinte definição: “qualquer estudo que responda à pergunta: O que a Bíblia inteira nos ensina sobre quais atos, atitudes e traços de caráter pessoal recebem a aprovação de Deus e quais não?”.(4) A Ética Cristã vista não apenas como neotestamentária, é uma visão que coloca este tipo de ética como parte integrante de todo o texto bíblico.
Apesar de a ética cristã emanar de todo o texto Bíblico, ou seja, Antigo e Novo Testamento, é no Novo Testamento que está a fonte primária dos princípios filosóficos da ética cristã. Os mandamentos neotestamentários são a bússola para o Cristão compreender o que é certo e o que é errado.
Se temos um sistema de normas que nos diz o que é certo e o que é errado, então estamos lidando com um tipo de ética deontológica. Sobre um sistema de regras e leis, é possível apresentar a seguinte citação:
…Uma das grandes inspirações desse sistema é novamente a Religião, que nos fornecia regras e leis a serem seguidas sob a forma de uma legislação moral, por exemplo, os dez mandamentos do judaísmo, cristianismo e islamismo.(5)
Desta forma, podemos entender que a ética do Novo Testamento, ou mesmo de toda a Bíblia, uma vez que por toda Escritura estamos sendo ensinados a distinguir o santo do profano, o que é certo ou errado, do comportamento humano, pode ser denominada como um sistema ético deontológico. Tal sistema enfatiza princípios segundo os quais as ações são inerentemente certas ou erradas. “Jesus essencialmente reinterpreta e reaplica os princípios da Lei que foram mal utilizados pelos fariseus”.(6) Jesus buscava uma deontologia que combinasse compromisso a princípios e compaixão pelas pessoas, com a Lei.
Ainda que os aspectos deontológicos podem muito bem serem vistos na ética Cristã, este não é o único entendimento que se tem para classificar esta filosofia tão importante para os cristãos. Existem outras teorias éticas em que se poderia classificar a ética Cristã. Por exemplo, Grudem consegue entender a ética Cristã dentro do Hierarquismo e é possível explicar o hierarquismo ético da seguinte maneira:
O hierarquismo ético é assim chamado porque sustenta um arranjo ou ordem hierárquica das normas éticas, baseado na escala relativa de valores que representam. Subentende-se uma pirâmide de valores normativos que em, e por si mesmos, são objetivamente obrigatórios sobre os homens. Mas quando dois ou mais destes valores entram em conflito, a pessoas está isenta de sua obrigação, doutra forma inevitável, a uma norma inferior, tendo em vista a obrigação preferencial da norma superior.(7)
A partir do pensamento de que sempre que as normas conflitam entre si, se pode quebrar a regra inferior a fim de cumprir com a superior, Grudem elabora seu raciocínio demonstrando o hierarquismo na ética cristã. Para ele, se admitimos uma estrutura teísta, então “sempre que há um conflito entre o valor das pessoas finitas e do Ser infinitamente pessoal, a pessoa deve preferir este último a todas as primeiras”.(8)
Grudem elabora fartamente sobre o hierarquismo ético, dentro de uma ética Cristã, chegando até mesmo a demonstrar uma base revelacional, sendo as Escrituras Sagradas a revelação autoritária de Deus. Este autor escreve:
Jesus referiu-se a alguns pecados como muito maiores do que outros. Disse a Pilatos: “Por isso quem me entregou a ti, maior pecado tem”. Noutra ocasião, Jesus comparou o dízimo com a justiça e a misericórdia, e declarou que estas últimas eram “os preceitos mais importantes da lei”. Quando Lhe perguntado qual era o grande mandamento, Jesus respondeu sem hesitação: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo teu entendimento…” […] “O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”…(9)
Como é possível perceber acima, há argumentos lógicos apresentados para embasar esta teoria. Mas, Geisler continua indo além em seu argumento demonstrando que no Sermão da Montanha Jesus distinguiu pelo menos três degraus de má vontade: cf. ira contra o irmão leva a julgamento, insulto ao irmão leva ao julgamento do tribunal, e quem o chamar de tolo estará sujeito ao inferno de fogo (Mt 5.22). O autor ainda demonstra que Paulo fala de si mesmo como o principal dos pecadores e do amor como a maior das virtudes.(10)
Contudo, a ética Cristã não é disputada apenas como pertencente a deontológica ou ao hierarquismo, mas outras vertentes também a reivindicam para si. Por exemplo, falando sobre a ética das virtudes, ao decorrer sobre a generosidade Rachels(11) cita a Jesus Cristo e seu ensinamento de dar para ajudar aos pobres. Obviamente, várias outras virtudes são encontradas dentro da ética Cristã, levando também ao entendimento de que é possível enxergar a ética Cristã dentro da ética das virtudes, uma vez que o Novo Testamento não dá destaque apenas a deontologia, mas também concede alto valor à virtude(12).
Portanto, a ética Cristã poderia muito bem ser vista como uma categoria própria. Sendo que, o centro da Ética Cristã está nos ensinamentos de Cristo, que trouxe à tona uma ética de amor, assim como podemos ver na ênfase que dava ao amor em seu ensino.
Como podemos ver em: “Ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e com toda a sua força. O segundo é: ‘Ame o seu próximo como você ama a si mesmo.’ Não há outro mandamento maior do que estes.” (Marcos 12.30-31).
Para Jesus o ensino da ética do amor, não se limitava apenas a pregação, mas também pelo seu exemplo de vida. As expressões de amor demonstradas por Jesus através de suas ações são muitas, mas é possível resumi-las na seguinte frase: “O meu mandamento é este: que vocês amem uns aos outros, assim como eu os amei. Ninguém tem amor maior do que este: de alguém dar a própria vida pelos seus amigos”. (João 15.12-13).
A definição dos valores morais, seria uma tarefa da ética. Esta definição por valores, é nossa busca em entender quais ações estão certas e quais estão erradas, quais atividades e objetivos valem a pena e quais não valem, quais ações e instituições são justas e quais não são(13). Tal busca por distinguir o certo do errado, o sagrado do profano, é a busca em compreender o que é moral no comportamento humano.
A respeito das questões morais, para o Cristão quem determina o que é certo ou errado do viver são as Escrituras Sagradas. E, para o Cristão as Escrituras são a revelação de Deus para o homem, portanto é em Deus que está a autoridade moral.
Falando sobre moral C. S. Lewis afirma que há três partes da moral. Vários autores não fazem distinção entre moral e ética, mas ainda assim, é possível observar estes aspectos da moral dentro da visão da ética Cristã. As três partes apresentadas são:
Para o Cristão são as Escrituras Sagradas quem ensinam a andar na sociedade amando o próximo como a si mesmo, a colocar em ordem a vida interior e também, demostra o propósito de sua existência. A ética Cristã, que também chamamos aqui de ética do amor, provém dos mandamentos bíblicos, especialmente os do Novo Testamento. São estes comandos divinos que dão ao crente a base moral com a qual ele deve conduzir sua vida.
Referências:
1) Alencastro (2010, p. 27);
2) Neri (2004, p. 24);
3) Andrade (2015, p. 16);
4) Grudem (2018, p. 42, tradução nossa);
5) Zingano (2013, p. 21);
6) Rae (2013, p. 34-35);
7) Geisler (1984, p. 98);
8) Grudem (2018, p. 85);
9) Geisler (1984, p.109);
10) Geisler (2018, p. 109);
11) Rachels (2013, p. 180);
12) Rae (2013, p. 38);
13) Grenz (1997, p. 285);
14) Lewis (p. 72, 2017);