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Entrevista: obesidade infantil reduzirá a expectativa de vida da população


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Em 2017, um estudo do Imperial College London e da Organização Mundial da Saúde trouxe dados preocupantes: o número de crianças e adolescentes obesos aumentou dez vezes nos últimos 40 anos em todo o mundo. No Brasil, estima-se que cerca de 35% das crianças estão com sobrepeso e 15% são obesas.

Essa realidade exige um olhar especial, já que há um risco enorme de meninos e meninas desenvolverem, ainda na infância, doenças sérias, a exemplo de diabetes. Fora a alta probabilidade – em torno de 80% — de os pequenos virarem adultos obesos. O quadro está associado a várias doenças crônicas.

Recentemente, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) promoveu um simpósio para discutir a obesidade infantil e convidou um grande estudioso no tema: David Thivel, professor da Universidade Clermont Auvergne, no França. Ele também é vice-presidente do Comitê Europeu para o Estudo da Obesidade na Infância e Adolescência. E nós conversamos com ele, por e-mail. Veja:

SAÚDE: No Brasil, um bebê gordinho é sinônimo de beleza e saúde. Como você enxerga esse tipo de associação?

David Thivel: Isso também acontece em vários outros países. As pessoas estão acostumadas a acreditar que um bebê mais pesado está com uma boa saúde, quando isso, na verdade, pode ser preditor de sobrepeso e/ou obesidade no futuro.

Os pediatras devem alertar os pais sobre esse risco. E hábitos saudáveis de alimentação devem ser incorporados o mais cedo possível.

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Em sua opinião, por que temos tantas crianças obesas atualmente? Qual é o papel da indústria, da escola e dos pais?

Basicamente, nós criamos um mundo para o qual não estamos adaptados. Em outras palavras, nossa cultura promove comportamentos sedentários e baixos níveis de atividade física, enquanto há uma oferta importante de comida – especialmente do tipo mais calórico.

E nós somos geneticamente programados para andar cerca de 20 quilômetros por dia. Quem faz isso hoje? Ninguém.

Acho que, às vezes, é muito fácil só culpar a indústria alimentícia. Obviamente ela tem que progredir para promover escolhas mais saudáveis. Mas a escola e principalmente os pais precisam se envolver na adoção de um estilo de vida saudável e ativo.

Pais ativos são modelos para seus filhos e isso favorece uma educação nesse sentido.

O que você acha sobre a taxação de alimentos não saudáveis, como refrigerantes?

Alguns resultados mostram que essa pode ser uma estratégia eficiente. Mas, para mim, a principal resposta para o consumo abusivo desses itens continua sendo a educação e o envolvimento dos pais.

Você acha que a tecnologia também é responsável pelas altas taxas de obesidade? Os pais deveriam restringir o tempo diante de televisão, tablets e afins?

Definitivamente as telas têm parcela de culpa quando falamos de progressão de sobrepeso, obesidade e todas as comorbidades associadas a esses quadros. Nós temos diretrizes em relação a esse tema e devemos promovê-las.

Afinal, estudos mostram claramente o efeito negativo das telas independentemente da idade e nível de atividade física, indicando a necessidade de incentivarmos tanto a prática de exercícios como a redução no tempo diante de tablets, televisão etc.

Fora que as telas não contribuem apenas para uma redução no gasto de energia, como também levam a respostas fisiológicas e neurocognitivas que irão favorecer o consumo alimentar, especialmente de itens ricos em gordura e açúcar.

E quais são os riscos de uma criança ser obesa?

Ser obeso na infância ou adolescência não significa apenas ter um IMC [índice de massa corporal] elevado. Isso também é associado a problemas no perfil metabólico, com aumento de risco cardiometabólico [ou seja, alterações que podem ocasionar desfechos cardiovasculares], além de prejuízos na saúde psicossocial, na qualidade de vida e na performance escolar.

Detalhe importante: os efeitos negativos da obesidade na infância são observados na fase adulta. Inclusive, a probabilidade de uma criança obesa virar um homem ou mulher com obesidade é de 80%.

Diante disso tudo, é possível que a obesidade infantil leve a uma redução na expectativa de vida?

Sim. A obesidade infantil terá um impacto negativo na saúde do adulto. O desenvolvimento de comorbidades e doenças metabólicas relacionadas à obesidade diminuirá nossa expectativa de vida.

O que você considera um jeito eficiente de ajudar a criança a perder peso?

Uma rotina saudável e um estilo de vida ativo são os melhores caminhos. É preciso engajamento em atividades físicas regulares e estruturadas, supervisionadas por profissionais.

O exercício deve ser combinado com estratégias dietéticas para otimizar o efeito das intervenções.

Mas é importante frisar que não existe uma fórmula para todo mundo. Os profissionais de saúde devem ajudar a encontrar a melhor estratégia para cada paciente, levando em conta suas características pessoais.

No nosso país, as aulas de educação física na escola nem sempre são valorizadas. Acha que uma disciplina como essa deveria ganhar mais importância?

Certamente. Essas aulas são oportunidades únicas para aumentar os níveis de atividade física e ensinar alunos a se movimentarem.

Essa é uma ótima maneira de criar uma cultura ativa entre as crianças.

Tem criança que não é obesa, mas segue uma dieta baseada em alimentos pouco saudáveis. É importante prestar atenção a essa situação também?

Claro. Alguns países estão mostrando uma redução na ocorrência de obesidade infantil. Mas as taxas de prejuízos metabólicos aumentam tanto nas crianças com sobrepeso e obesas como nas magras.

Um estilo de vida desequilibrado pode favorecer desordens metabólicas na ausência de obesidade. E isso é muito relevante, já que o diabetes do tipo 2 está prestes a se tornar a principal causa de morte no planeta.

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