Medicina
‘Efeito Zoom’ faz aumentar as operações plásticas no rosto no País
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Plásticas faciais foram os únicos procedimentos cirúrgicos estéticos que aumentaram no Brasil em 2020
Cansaço mental, tristeza pela pandemia e o “efeito Zoom” explicam o aumento de cirurgias plásticas faciais. As operações no rosto – nariz, sobrancelha e pescoço foram as que mais cresceram – serviram como doses de prazer para um período sombrio. Também ajudaram a “corrigir” o que muitos brasileiros percebiam como defeitos quando se olhavam nas telas durante as videochamadas.
As plásticas faciais foram os únicos procedimentos cirúrgicos estéticos que aumentaram no Brasil em 2020, na comparação com o ano anterior, segundo dados mais recentes da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps). Em 2019, haviam sido realizadas 451.546 plásticas na face. No ano seguinte, já em meio à pandemia, o número saltou para 483.80.
A cabeleireira Karina Amorim, de 44 anos, nunca tinha feito uma plástica na vida. Desde o ano passado, já fez quatro e tem outra cirurgia agendada para este mês: todas no rosto. Quando a pandemia começou, ela demorou a aceitar que ficaria trancada em casa e não poderia abrir seu salão de beleza. As cirurgias foram uma “válvula de escape”.
“O tempo dentro de casa me envelheceu. Não tinha dinheiro, estava parada e, de repente, vi o espelho mostrar que minha face derreteu”, diz Karina. “O emocional estava abalado, então eu tentava mostrar que era forte.” Ela, que nunca apreciou as chamadas de vídeo, teve de aderir a essa nova forma de comunicação para falar com parentes – e não gostava do que via na tela.
“Comecei a aceitar as videochamadas, a me posicionar diante a imagem e a ver o tanto que estava destruída”, conta Karina, que fez plásticas nos lábios, sobrancelhas e bochechas. A cabeleireira também pensava em como retomaria os contatos sociais após o isolamento. As cirurgias na face, segundo ela, ajudaram a levantar o astral.
Enquanto as plásticas no corpo, como lipoaspiração e abdominoplastia, caíram, cirurgias para nariz, sobrancelha e pescoço aumentaram. A blefaroplastia, que retira o excesso de pele das pálpebras, é a mais comum, mas não foi a que mais cresceu. Os maiores aumentos foram em procedimentos para rejuvenescer o pescoço (27,6%), levantar a sobrancelha (24,4%) e mudar o formato do nariz (21,3%).
A aposentada Maria Guiomar Garcia, de 53 anos, já marcou a blefaroplastia. Ela afirma que o uso de máscaras (proteção que não pretende abandonar) reforçou a importância da expressão pelo olhar. E o dela está entristecido. “Por causa das coisas que passamos, mortes de parentes, amigos, o olho cai mais”, diz Maria Guiomar. “Passamos por muitas coisas e isso deixou as pessoas tristes. Tem de procurar melhorar.
Saúde mental
Cirurgiões ouvidos pelo Estadão dizem que questões emocionais podem até levar pacientes aos consultórios de cirurgia plástica, mas não deveriam ser motivo para realizar um procedimento. Pacientes em depressão, por exemplo, devem ser encaminhados a tratamentos com profissionais de saúde mental e não operados.
Segundo afirmam, o aumento da exposição da própria imagem na tela do computador fez com que as pessoas identificassem imperfeições e pontos a melhorar que antes não viam. Reuniões online serviam não só para ver os outros, mas para se ver. E as câmeras de computadores e notebooks pouco ajudavam na autoestima.
Dados da Academia Americana de Plástica Facial também atribuem ao “efeito Zoom” parte do crescimento das cirurgias no rosto. Nos Estados Unidos, a entidade calcula aumento de 40% nos procedimentos cirúrgicos e não cirúrgicos na face, de 2020 a 2021. Oito em cada dez cirurgiões plásticos americanos disseram que seus pacientes querem melhorar a aparência em videoconferências.
As telas podem não ser o único gatilho para as plásticas, mas ajudam a entender onde melhorar. “Você vai se vendo, na tela e no espelho, e tem a percepção do que quer”, diz Gabriela Montgomery, de 47 anos. Ela faz reuniões semanais por meio do computador e, na pandemia, também passou a participar de outras atividades pelas telas, como aulas de ioga. Neste ano, fez um mini lifting, procedimento para eliminar sinais de envelhecimento, como rugas. Também aplicou um pouco de gordura na boca. “Não ligo para o que as pessoas acham. Ligo para o que eu vejo.”
“Cansada de parecer que eu não dormi’
Uma autocobrança para estar – e parecer – bem na tela de trabalho é o pano de fundo para as plásticas, na avaliação do cirurgião plástico Victor Cutait. “As pessoas chegam aqui se queixando: ‘Estou cansada de fazer reunião e parecer que eu não dormi’”, conta ele. Pessoas em posição de liderança nas empresas querem mostrar um ar “fresh” e liderados, disposição.
“O foco é sempre parecer melhor, mais descansada, animada, e a face é reflexo disso”, afirma o cirurgião. Há, ainda, os filtros nas redes sociais que também colaboram com a insatisfação. No Instagram, as imperfeições no rosto são eliminadas com um clique e alguns pacientes acham que podem alcançar o mesmo efeito com uma cirurgia plástica.
Se antes era comum que os pacientes chegassem aos consultórios com revistas de celebridades para orientar o trabalho dos cirurgiões, hoje desembarcam com as próprias fotos manipuladas, diz Alexandre Piassi, do departamento de mídias digitais da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). O desejo é não precisar mais manipular as imagens – o que é visto no universo online como falta de autenticidade. “Veio uma influencer aqui dizendo que precisava parar de usar filtro porque as pessoas estavam cobrando”, afirma Cutait.
Para os médicos, houve uma redução no abismo entre o número de procedimentos no corpo (tradicionalmente mais frequentes no Brasil) e no rosto. A tendência é que a busca por melhorar a face continue – agora com novos focos. “Pacientes estão vindo para se preparar para eventos sociais, que estão começando de novo e sendo super valorizados”, diz a cirurgiã Beatriz Lassance.
Saúde mental
Cirurgiões ouvidos pelo Estadão dizem que questões emocionais podem até levar pacientes aos consultórios de cirurgia plástica, mas não deveriam ser motivo para realizar um procedimento. Pacientes em depressão, por exemplo, devem ser encaminhados a tratamentos com profissionais de saúde mental e não operados.
Segundo afirmam, o aumento da exposição da própria imagem na tela do computador fez com que as pessoas identificassem imperfeições e pontos a melhorar que antes não viam. Reuniões online serviam não só para ver os outros, mas para se ver. E as câmeras de computadores e notebooks pouco ajudavam na autoestima.
Dados da Academia Americana de Plástica Facial também atribuem ao “efeito Zoom” parte do crescimento das cirurgias no rosto. Nos Estados Unidos, a entidade calcula aumento de 40% nos procedimentos cirúrgicos e não cirúrgicos na face, de 2020 a 2021. Oito em cada dez cirurgiões plásticos americanos disseram que seus pacientes querem melhorar a aparência em videoconferências.
As telas podem não ser o único gatilho para as plásticas, mas ajudam a entender onde melhorar. “Você vai se vendo, na tela e no espelho, e tem a percepção do que quer”, diz Gabriela Montgomery, de 47 anos. Ela faz reuniões semanais por meio do computador e, na pandemia, também passou a participar de outras atividades pelas telas, como aulas de ioga. Neste ano, fez um mini lifting, procedimento para eliminar sinais de envelhecimento, como rugas. Também aplicou um pouco de gordura na boca. “Não ligo para o que as pessoas acham. Ligo para o que eu vejo.”
Sensação de inadequação pós-isolamento também motiva procura
Há ainda, segundo Beatriz, sensação de inadequação entre os jovens, que ficaram bastante tempo afastados de encontros sociais. A cirurgiã conta que um estudante universitário a procurou porque não estava “pegando” ninguém e atribuía ao formato do nariz a dificuldade de se relacionar. “Disse a ele: ‘Você não está pegando ninguém porque não está encontrando ninguém’.” Ele desencanou do nariz e melhorou a autoestima com a retomada dos encontros sociais.
Segundo Beatriz, a procura agora tem sido maior pelos procedimentos nos lábios – que, no auge das reuniões online, não eram tão importantes quanto o nariz e as sobrancelhas. “As pessoas estão tirando a máscara”, diz. A busca por procedimentos no pescoço, para eliminar as chamadas “papadas” também deve se manter em alta, diante do “tech neck”, o hábito de curvar o pescoço para ver o celular – o que aumenta as rugas na região.
Já a possibilidade de trabalhar em home office (que ainda dura em algumas empresas) também encoraja as plásticas: não é preciso tirar férias longas para operar e a recuperação pode ser em casa em meio às demandas do trabalho. A biomédica Taryna Navarro, de 47 anos, por exemplo, fez a blefaroplastia em junho do ano passado. Passou o pós-operatório trabalhando pela tela do computador. “Em conferências, usava óculos escuros. Não parei nenhum dia.”
Nos consultórios, o resultado disso é uma demanda constante ao longo de todos os meses do ano – o que não ocorria antes. Segundo o cirurgião Paolo Rubez, o boom de procura pré-pandemia era nas férias de janeiro e julho, quando as pessoas tinham tempo para se recuperar e não precisavam pedir licença do trabalho. Agora, as cirurgias estão diluídas ao longo do ano. “A pessoa quer aproveitar uma época que não é de férias até para estar livre nas férias.”