Agronegócios
Dois meses após proibição, Anvisa libera agrotóxico que causou “chuva de veneno” em MT
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Dois meses após proibir o uso do herbicida paraquat, considerado prejudicial à saúde de agricultores e consumidores em outros países, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) voltou atrás e prorrogou seu uso por três anos. Em Mato Grosso, o produto ficou conhecido pela contaminação de jardins e hortas em Lucas do Rio Verde (320 km de Cuiabá), além de ter causado doenças respiratórias e pulmonares na população. O episódio, conhecido como “chuva de veneno”, resultou da aplicação por meio de aeronaves em regiões próximas a cidade.
A liberação do agrotóxico, utilizado em plantações de soja, milho e feijão, foi comemorada pelo secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Luís Eduardo Rangel.Para ele a decisão demonstra uma visão acertada e alinhada com o que há de melhor na política pública de pesticidas no mundo, preconizados pelas agências de segurança da Europa (EFSA) e dos EUA (IPIE).
De acordo com o MAPA o produto, de baixo custo, é utilizado há vários anos por inúmeros países. É aplicado no pré-plantio das culturas de grãos e na dessecação de culturas para a pré-colheita.“O paraquat é importante na dessecação das culturas (secagem) e não existe hoje no mercado outra opção e que dê o mesmo resultado”, esclareceu Rangel. “O seu uso está restrito a culturas de algodão, soja, arroz, banana, batata, café, cana-de-açúcar, citros, feijão, maçã, milho e trigo”.
O Ministério da Agricultura acompanhou a força tarefa das empresas produtoras e associações de produtores, os quais solicitaram à ANVISA a revisão de sua posição da suspensão da molécula, já que se tratava de um produto antigo e havia entrado no rol das reavaliações da agência. A partir de agora, está aberto o processo de descontinuidade da molécula, pelo período já mencionado de três anos.
A agência acatou o pedido no último dia 27, durante a reunião da diretoria colegiada, e estipulou prazo de três anos de transição para que sejam apresentados novos estudos feitos à luz da ciência, que demonstrem e possam reverter a descontinuidade da manutenção do produto por mais tempo. “Prevaleceu o bom senso”, disse o secretário.
Em setembro, quando o paraquat foi proibido, muitos ambientalistas e profissionais que estudam o impacto de agrotóxicos nas imediações de grandes plantações consideraram a decisão da Anvisa como controversa. De acordo com o professor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) o prazo extenso e a demora na análise da proibição são sintomas de uma conduta problemática dos reguladores.
“Eles falam que a proibição pode trazer prejuízos à agricultura e à economia, mas e o prejuízo à saúde? Será que ninguém analisa? Porque será que na União Europeia o paraquat é proibido e não por isso eles deixaram de produzir?” questiona o pesquisador. Segundo Pignati, a nota emitida pela Anvisa na época é uma prova de que a agência tem sucumbido a pressão do agronegócio.
“Chuva de veneno”
No dia primeiro de março de 2006, os moradores de Lucas do Rio Verde se surpreenderam quando encontraram as plantas no quintal de suas casas murchas ou mortas. Horticultores foram pegos levantaram assutados quandoviram a produção morta ao amanhecer daquele dia. O efeito foi causado por conta da aplicação de agrotóxicos por aeronaves em propriedades próximas a zona urbana do município.
Mas não só as plantas foram impactadas. O Ministério Público, com apoio de pesquisadores que estavam no local, relatou o aumento de procura por atendimento médico nos postinhos de saúde no município. A maioria dos contaminados diziam sofrer com problemas respiratórias e pulmonares.
O MP abriu um inquérito civil para investigar o caso e descobriu, na ocasião, que o herbicida responsável pela contaminação foi o paraquat, recentemente proibido pela Anvisa. A situação também foi estudada pelo pesquisador Wanderley Pignati. No trabalho “Acidente rural ampliado: o caso das ‘chuvas’ de agrotóxicos sobre a cidade de Lucas do Rio Verde – MT” Piganati analisa o impacto do acontecimento na percepção da população sobre a agricultura extensiva.