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Direto de Brasília

Congresso volta a encarar desafio de mudar a Previdência


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Pela terceira década consecutiva, o Congresso Nacional é chamado a discutir uma ampla reforma na Previdência Social dos brasileiros. O principal motivo que orienta a nova proposta é o mesmo de antes — garantir a sustentabilidade do sistema —, mas especialistas apontam que a necessidade no momento é mais urgente do que nas ocasiões anteriores. Esse desafio de senadores e deputados em busca de um sistema previdenciário sustentável é tema de uma série de reportagens que Agência Senadoinicia agora.

Os desembolsos do país com a Previdência já equivalem a 60% do Orçamento, e esse percentual deve se avolumar nos próximos anos, como consequência de uma marcha estatística natural: a expectativa de vida da população tem aumentado, enquanto a taxa de natalidade cai.

É o que explica Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI):

— O país está envelhecendo e as pessoas estão vivendo mais. Isso é algo positivo, mas tem consequências fiscais, porque a população idosa depende do Estado. Como os brasileiros estão tendo cada vez menos filhos, serão menos pessoas contribuindo.

Segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o contingente de idosos do país deve triplicar dentro dos próximos 40 anos, enquanto a proporção de trabalhadores para cada aposentado deve cair pela metade.

Devido a essa inversão demográfica já em curso, a arrecadação de contribuições previdenciárias tem consistentemente ficado abaixo do valor dos benefícios concedidos. Tanto o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que cobre os trabalhadores da iniciativa privada, quanto o Regime Próprio (RPPS), que cobre os servidores públicos, vêm apresentando deficits nos últimos anos.

As contas negativas da Previdência impactam a dívida pública do país como um todo, que vem se aproximando de 80% do PIB. O consultor legislativo Pedro Fernando Nery explica que o aumento do deficit previdenciário agrava esse quadro porque as aposentadorias são gastos obrigatórios, que o Estado não pode deixar de financiar.

— A despesa tem que ser paga de alguma forma, seja com contribuições previdenciárias, seja com contribuições sociais ou impostos. Ao crescer, ela comprime políticas públicas já subfinanciadas, como o saneamento, a educação, a infraestrutura. O deficit é uma medida desse desequilíbrio: a quantidade de recursos de outras áreas, ou de impostos, que será drenada para pagar benefícios — explicou.

Além da compressão orçamentária, a incerteza quanto à possibilidade de manter o endividamento sob controle encarece a própria administração da dívida, que o Estado faz através da emissão de títulos públicos. Quanto pior a situação fiscal, maior é a taxa de juros que o mercado exige. Mais juros agravam a dívida, e forma-se um círculo vicioso.

— Vários estados já quebraram. A União tem mais ferramentas para não quebrar tão cedo, mas isso implica instabilidade macroeconômica. A desconfiança quanto à solvência do Estado vai continuar inibindo o investimento e o crescimento. O desemprego vai continuar sem cair satisfatoriamente e isso vai se somar ao caos na prestação de serviços públicos — alerta Nery.

Felipe Salto destaca que a reforma da Previdência é uma condição necessária para romper essa tendência, mas não suficiente. Ela dará um impulso inicial, mas precisa ser complementada no futuro com outras medidas.

— Os investidores externos e domésticos estão à espera do milagre da Previdência. Se a gente desata esse nó, o dinheiro vai começar a circular, a economia vai começar a girar de novo. Precisamos passar esse obstáculo, mas a Previdência, sozinha, não resolve o problema — enfatizou.


Questionamento

Essa análise do deficit e da necessidade da reforma, porém, tem críticos. A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) sustenta que o deficit é resultado de um cálculo das contas da Previdência que interpreta equivocadamente as regras do sistema.

Segundo Floriano Martins Neto, presidente da entidade, o deficit só é verificado quando se analisam unicamente as contribuições e as despesas previdenciárias. No entanto, a Previdência integra o orçamento da Seguridade Social, que também inclui a assistência social a as ações de saúde.

A seguridade social, conforme definida na Constituição, é financiada por outras fontes, incluindo tributos sem destinação específica e dotações da União. O que importa, explica Martins, não é o cálculo da Previdência ser positivo ou negativo, mas sim o cálculo da seguridade como um todo.

— Calculamos dentro da seguridade porque lá temos todas as fontes de financiamento. Fazemos a contabilidade no geral porque a Constituição não mandou segregar. O “deficit” significa que a União aportou a parte dela, que veio do orçamento fiscal.

O consultor Pedro Fernando Nery discorda desse ponto de vista. Para ele, examinar a Previdência à parte das demais áreas da seguridade é necessário para que se perceba que ela está inviabilizando-as.

— Falar que não tem deficit na Previdência porque sempre se pode pegar recursos da seguridade significa exatamente tirar da saúde e da assistência aos miseráveis.

Outro questionamento levantado por Floriano Martins Neto diz respeito às dívidas da Previdência. Para ele, o problema mais urgente para conter o desequilíbrio fiscal da área é melhorar os mecanismos de combate à sonegação e deixar de conceder renúncias fiscais.

Segundo números da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a dívida ativa previdenciária chega a R$ 510,3 bilhões. Martins relata que o índice de recuperação desse valor devido é menor do que 1%, ao mesmo tempo que o governo federal abre mão, via renúncias, de 20% da receita anual via impostos e contribuições socais.

No entanto, a própria PGFN reconhece que a maior parte da dívida previdenciária está fora de alcance. Segundo o órgão, 62% do estoque da dívida tem baixa perspectiva de recuperação, por ser referente a empresas que já faliram ou que não têm patrimônio, por exemplo. Além disso, Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente, observa que, mesmo que fosse possível coletar toda a dívida, o problema não estaria resolvido. Como o deficit é um fenômeno que se repete anualmente, o influxo financeiro seria consumido em alguns anos.

Para Martins, a questão fundamental vai além da dívida atual. Trata-se de aprimorar o dia a dia para que o estoque não continue crescendo com débitos inalcançáveis, e para que o caixa da Previdência não continue sendo recorrentemente desfalcado.

— O estoque, por si só, é uma vergonha, mas não estamos dizendo que precisamos arrecadar tudo. Ele tem que ter um tratamento eficaz. A Receita precisa estar melhor aparelhada para chegar antes da constituição da dívida, identificar antes que a empresa [devedora] feche, por exemplo. O combate tem fins pedagógicos.

O presidente da Anfip cobra do governo e dos parlamentares uma proposta de reforma que pese mais para o lado da receita, atacando a sonegação e também fortalecendo as fontes de financiamento.

Expectativas

O Ministério da Economia espera que a reforma permita um fôlego de R$ 1,2 trilhão nos dez primeiros anos após a sua aprovação. As mudanças sobre o RGPS representariam cerca de 65% desse freio. Segundo a IFI, a aprovação da proposta permitirá a estabilização do gasto previdenciário como fatia do PIB dentro desse período, impedindo que ele cresça ano após ano.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), se mostra otimista com o rumo da proposta. Ele admite que o texto será modificado, mas acredita que há um consenso entre os parlamentares e as bancadas de que, sem aprovar alguma versão de reforma neste momento, “o Brasil quebra”.

— Creio que teremos um texto com uma boa reforma do ponto de vista social, regras de transição para ter atenção com os direitos de todos e uma sinalização clara de que as contas públicas vão entrar em equilíbrio.

Já o líder da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), avalia que existe um problema fiscal a ser abordado, mas aponta para diversos tópicos da reforma proposta pelo governo que são, para ele, proibitivos.

— Não somos contra qualquer tipo de reforma. Compreendemos que há um deficit. Só que a conta desse deficit não pode ser paga pelos mais pobres. Somos contra uma reforma que acaba com o BPC, que restringe a aposentadoria rural, que institui a capitalização. Com esse modelo nós não concordamos.

Segundo Randolfe, seria necessário pensar menos no endurecimento de benefícios e mais na expansão das receitas, principalmente a partir de mudanças no sistema tributário.

Série de reportagens

Ao longo do mês de maio, a série de reportagens da Agência Senado abordará os impactos da proposta de reforma da Previdência (PEC 6/2019) sob diversos aspectos.

Na segunda-feira (6), serão analisados os pontos gerais, como idade mínima, tempo de contribuição e alíquotas progressivas. Nos dias seguintes, as matérias tratarão das mudanças previstas nas aposentadorias de funcionários públicos e trabalhadores rurais, no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e nas aposentadorias especiais. As pensões por morte, as aposentadorias por invalidez e o regime de capitalização serão outros temas abordados.

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