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Como ver o que não se mostra: Entendendo mecanismos celulares da infertilidade masculina


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Até 1992, um casal que apresentasse infertilidade por uma causa masculina teria poucas opções para que aquele homem se tornasse pai biológico. Em janeiro daquele ano, porém, nasceu a primeira criança concebida por uma técnica denominada injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI). Nela, um espermatozoide é injetado diretamente dentro do óvulo, permitindo que mesmo homens com pouquíssimos espermatozoides (amostras férteis apresentam em geral mais de 30 milhões de espermatozoides) consigam atingir a paternidade biológica. Um salto enorme!

Ainda que tenha permitido tratar muitos casos antes sem opção, a questão não estava resolvida. Isso porque espermatozoides bons e ruins podem ser muito parecidos entre si, e diferenciá-los na hora de escolher qual será injetado no óvulo não é uma tarefa simples. Nosso grupo de pesquisa no Programa de Pós-graduação em Urologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp tem trabalhado durante as últimas duas décadas para estudar essas diferenças. Nossa ideia, desde o começo, é avaliar aspectos dos espermatozoides que eludem à análise clássica. Iniciamos, àquela época, análise da fragmentação do DNA dos espermatozoides. Basicamente, é uma técnica que avalia se o espermatozoide está com o DNA bom ou quebrado (i.e. fragmentado). Como o DNA do espermatozoide será utilizado pelo óvulo para compor metade do DNA do bebê que vai se formar, o impacto em potencial é enorme.

Hoje, quase 20 anos após o início dos estudos, notamos aumento expressivo no número de laboratórios que oferecem testes para avaliar fragmentação de DNA dos espermatozoides. Tenho esperança de que isso reflita em uma busca maior de homens para avaliar a saúde reprodutiva. Muitos estudos recentes demonstram associação entre infertilidade masculina e hipertensão arterial sistêmica, alguns cânceres ou outras doenças.

Neste sentido, esperamos que outras avaliações sejam em breve incorporadas à avaliação da infertilidade masculina. Temos estudado, por exemplo, as mitocôndrias dos espermatozoides. Elas são responsáveis por boa parte da produção de energia, e estudá-las tem permitido acompanhar a evolução do tratamento de doenças que levam à infertilidade, como a varicocele (varizes nas veias que saem do testículo). Os resultados são encorajadores – tratar varicocele  leva à melhora na integridade do DNA e na atividade dessas mitocôndrias. Interessantemente, revisão recente demonstrou que tratar varicocele em homem de casal infértil pode aumentar em até oito vezes a chance de gravidez.

O passo seguinte é desenvolver maneiras de escolher espermatozoides bons e separá-los dos que apresentam alterações. Recentemente, por exemplo, conseguimos marcar espermatozoides com DNA fragmentado para que grudassem em um ímã, enquanto os que permaneceram soltos apresentavam DNA íntegro. Um novo método que selecione espermatozoides melhores poderá trazer mais segurança à ICSI e aumentar a chance de que, ao final do processo, nasça um bebê saudável e sem alterações.

 

*Ricardo Pimenta Bertolla é diretor-financeiro e de captação da FapUnifesp (Fundação de Apoio à Unifesp), professor livre-docente da disciplina Urologia da Escola Paulista de Medicina e coordenador do programa de pós-graduação em Urologia, ambos da Unifesp. Possui mais de 60 artigos publicados em revistas internacionais, e é editor da Scientific Reports, do grupo Nature. Além disso, é autor de ficção, sob o nome R. Pimenta.

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