Acre
Com duas graduações, acreana desiste de prova da OAB e vira cabeleireira: ‘amo o que faço’
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Luena Nogueira já era formada em direito e secretária executiva quando decidiu largar tudo e se tornar cabeleireira. Acreana passou também pelo processo de aceitar o cabelo cacheado.
Os livros de direito usados para as provas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foram trocados por tesouras, tintas, pentes e uma paixão antiga: cabelos. Formada em direito e secretariado executivo, Luena Nogueira, de 42 anos, desistiu das provas da ordem e virou cabeleireira em Rio Branco.
A cabeleireira chegou a trabalhar como auxiliar de um advogado, que acabou se tornando um amigo, fez estágio em vários órgãos públicos da Justiça, mas o coração se alegrava mesmo era quando chegava o fim de semana que ia atender alguma cliente para arrumar o cabelo.
“Acho que já nasci cabeleireira e não me tocava disso. Mesmo estudando, já fazia o cabelo das amigas, indicava produtos, mas sem nunca ter estudado. Era um hobby. Fiz as faculdades, estagiei em vários órgãos, mas gostava mesmo de fazer cabelo, não via a hora de chegar o sábado para fazer isso”, relembra.
A decisão de investir na carreira dos sonhos surgiu em uma sexta-feira, quando estudava mais uma vez para as provas da OAB. Dois dias depois, Luena estava se inscrevendo em um curso de cabeleireira. As aulas iniciaram dois dias após as inscrições.
Paixão pela profissão de cabeleireira surgiu antes mesmo de Luena aceitar os cachos — Foto: Arquivo pessoal
“Fiz algumas provas da OAB, estava chegando próximo da pontuação desejada, quando foi um dia resolvi fazer que gosto. Algumas pessoas falam que perdi meu tempo, mas não acho que perdi porque hoje sei que precisamos estudar independente da profissão que exerça. A diferença é que hoje estudo para uma coisa que amo”, garante.
Aceitação
Luena é formada em cabeleireira com especialização em cachos. Atualmente divide o tempo entre os atendimentos em uma loja de cosméticos da capital acreana e os trabalhos no salão de beleza com uma amiga.
“Amo muito o que faço. Me encontrei nos cachos, vejo um e os meus olhos brilham. Me especializei na área de cachos. Meu diferencial dos demais profissionais que trabalham com cachos é que não faço só tratamento, faço coloração e luzes. Tenho algo a mais que posso oferecer. Minha paixão é por cachos”, relata.
Antes de se decidir entre o direito e a profissão de cabeleireira, Luena teve outra briga interna. Ela conta que alisava os cabelos porque não os aceitava crespo. Em um dos últimos procedimentos de alisamento, a cabeleireira passou mal com o material utilizado, parou no hospital e decidi que assumiria as madeixas.
“Passei seis anos alisando o cabelo a base de formol, mas comecei a ter uma alergia. A última vez que alisei tive que tomar medicação para dormir, dor de cabeça e para acabar com palpitação. Falei que não precisava mais fazer aquilo por conta de vaidade e não me aceitar”, ressalta.
Luena passou seis anos alisando o cabelo porque não aceitava os cachos — Foto: Arquivo pessoal
A partir de então, Luena deixou o cabelo crescer e depois cortou para fazer a transição capilar. Enquanto esperava o cabelo crescer, a cabeleireira começou a estudar sobre tudo de cabelo cacheado para saber cuidar do dela.
“Comecei deixar o cabelo crescer e, quando tinha uns cinco dedos de cachos liso cortei e fiz o ‘big chop’. Passei muito tempo com o cabelo preso, porque estava muito curto e nesse período estudei muito sobre cachos e aprendi do meu cabelo. Fui cuidando de outros cabelos e dando dicas. Isso ajudava outras pessoas”, fala.
Gratidão
Com o cabelo volumoso e cachos que chamavam atenção por onde passava, a cabeleireira decidiu usar a experiência dela para ajudar outras mulheres que também estavam em transição. Ela explicou que as aulas de direito também ajudaram a convencer a mulherada a se aceitar como era.
“Ajudou porque percebi que cuidando do meu cabelo e mostrando para as pessoas que somos lindas com o cabelo cacheado, conseguia que as pessoas que estavam passando por aquilo também se aceitassem. Percebi que as pessoas iam na minha ‘onda’, mas sabia o que estava falando, o que era o certo porque estudava sobre aquilo”, destaca.
Para Luena, não houve perda de tempo com os estudos nos outros cursos. Ela acredita que começou a trabalhar no que queria no tempo certo e se sente realizada na profissão que escolheu.
“Ainda não consegui pegar um dinheiro que se compare ao sorriso de uma cliente que sai do salão e diz que amou o cabelo. Criança de 3 anos que diz: ‘tia, amei teu jeito, amei cuidar do meu cabelo com você e vou voltar’. Uma criança falar isso para você é muito gratificante. Cada dia que passa vejo que estou no caminho certo”, complementa.
Salão na casa da mãe
Às segundas e terças-feiras, Luena trabalha como técnica em uma loja de cosméticos, no Centro de Rio Branco. Nos demais dias da semana, ela atende as clientes em um salão de beleza que divide com uma amiga. Porém, a cabeleireira nem sempre teve um salão bem equipado.
Ela lembra que logo que terminou o curso usou uma sala da casa da mãe dela como salão de beleza. Foi nesse espaço que Luena colocou em prática sua técnica.
“Tinha uma sala de visita, que tinha um sofá, um banheiro e um ar-condicionado. Só que minha família é de gordinhos, então, a gente só se encontrava na cozinha, que é o maior cômodo da casa porque acomoda todo mundo. A salinha ficava esquecida e eu queria trabalhar, mas não tinha condições e minha mãe disse para eu ir para lá”, relembra.
A partir desses atendimentos a fama de Luena cresceu e a mulherada queria arrumar os cachos com ela, então a salinha ficou pequena.
“Fiquei um ano e seis meses lá. Estava muito pequeno, vim para cá não tem muito tempo, foi há dois anos. A Vanda me chamou para fazer a parceria, que tinha esse salão aqui”, conclui.