Medicina
Centro Nacional de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental é lançado com potencial de revolucionar a saúde pública
Compartilhe:
CISM irá pesquisar os fatores ambientais e genéticos ligados aos transtornos mentais e comprovar eficácia de aplicativos para a saúde mental.
O Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, unidade da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), acaba de lançar o Centro Nacional de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM). Com investimento de 40 milhões de reais, a iniciativa tem apoio do Banco Industrial do Brasil (BIB) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
A proposta desse novo centro é apresentar evidências sobre o desenvolvimento de transtornos e doenças mentais a partir de fatores ambientais e genéticos através da neurociência de precisão, validar cientificamente aplicativos que possam contribuir com a melhora dos pacientes e acelerar a implementação de novas práticas na saúde pública.
Além da USP, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), o grupo UniEduK, a Universidade de Yale, a Universidade de Harvard e o Instituto Karolinska são parceiros do projeto, que abrigará um corpo de pesquisadores no desenvolvimento das ações e estudos.
O centro contará com dois polos de atuação no interior paulista, nas cidades de Indaiatuba e Jaguariúna, em parceria com as prefeituras. Nessas localidades, 27 Unidades Básicas de Saúde (UBS) dsenvolverão trabalhos junto à população, dentro das diretrizes de estudos e pesquisas do CISM, como a utilização de aplicativos que contribuam com a saúde mental.
“O CISM é uma continuação de um projeto que começou em 2009, que se chama Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD), patrocinado pelo CNPq e pela FAPESP, que foi renovado em 2017. Ele já tem uma história de 14 anos. E o mesmo grupo de profissionais continua junto no Centro Nacional de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental”, explica o coordenador Eurípedes Constantino Miguel, que também é pesquisador responsável e professor da USP.
O Centro ainda disponibilizará 120 bolsas de iniciação científica, 19 bolsas de doutorado, 6 bolsas de pós-doutorado e 2 vagas para professores de Psiquiatria da USP. Ainda, oferecerá uma diplomação em programa tripartite, na USP, UFRGS e UNIFESP, aos melhores alunos de doutorado do CISM.
Pilares do CISM
O CISM trabalhará em 3 principais eixos estratégicos que foram considerados prioridade para os pesquisadores. O primeiro deles é focado no entendimento de como fatores ambientais e genéticos afetam o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Para isso, o Centro irá acompanhar uma coorte de 2.500 jovens e adultos, que foram analisadas por 10 anos junto ao INPD.
Nesse período, mais de 130 estudos científicos foram publicados, apresentando evidências iniciais para diferentes temas. Um deles aponta a pobreza como um fator de risco externo para o surgimento de transtornos mentais. Outro estudo mostra que crianças de 6 a 14 anos, com alta carga genética para doença de Alzheimer, tinham pior memória de recordação imediata e hipocampo, parte do cérebro responsável pela memória e aprendizado, menor que o convencional.
A continuação do acompanhamento irá ampliar o estudo para ver como as gerações de pais e filhos se comportam, realizar exames de neuroimagens, fazer o sequenciamento do genoma, verificar o impacto da pandemia de Covid-19 na saúde mental delas, entre outras propostas.
“A importância desse centro para a saúde mental é ser um projeto que tenta articular pesquisas que buscam entender a natureza dos transtornos mentais, os fatores de riscos que contribuem (particularmente aqueles que são modificáveis), e propor intervenções que possam modificar esses fatores, prevenindo a sua incidência ou estimulando fatores protetores”, afirma Eurípedes.
App para a saúde mental
O segundo pilar do programa se debruça em avaliar a eficácia de tecnologias na prevenção e tratamento de transtornos mentais. Estima-se que apenas 2% dos aplicativos de celulares que se propõe a trabalhar com a manutenção da saúde mental possuem embasamento científico, de acordo com estudo publicado em 2020 na JMIR Mhealth Uhealth, revista especializada em tecnologia médica.
“Elas pulam fases de desenvolvimento e vão para a usabilidade, sem medir como o usuário se sente em relação a elas. Não avaliam se essas soluções são válidas ao que se propõe. Aí entra uma possibilidade da diminuição da tensão entre a academia e a inovação”, afirma Luis Augusto Rohde, professor titular de Psiquiatria e de pós-graduação da UFRGS e USP.
Através de ensaios clínicos pragmáticos os pesquisadores irão avaliar como os pacientes se comportam frente a essas soluções e a sua eficácia. Inicialmente irão utilizar aplicativos já desenvolvidos pelas universidades junto à população que tem atendimento no SUS da cidade de Indaiatuba e Jaguariúna, parceiras do projeto.
Em um segundo momento o CISM quer ir além, realizando a acreditação de tecnologias do mercado, através de desafios abertos à inovação. O Centro já está construindo uma parceria com o InovaHC, hub de inovação do Hospital das Clínicas, que já tem planos de realizar a acreditação para todos os setores da saúde, ficando a cargo do novo centro os projetos voltados à saúde mental.
Rohde, que também é vice-coordenador do CISM, explica que “o potencial do uso da tecnologia é enorme. Vimos durante a pandemia, desde as soluções mais simples de teleatendimento até as soluções de intervenções psicoterápicas, que essas ferramentas têm muito potencial. Mas elas precisam ir além da aparência e da gamificação”.
Ciência da implementação
Paralelamente, o terceiro eixo do programa atua para acelerar a implementação de intervenções na saúde pública. Estima-se que demora 20 anos entre uma descoberta científica e a prática clínica.
O CISM irá implementar o uso do Conemo, aplicativo para sintomas de depressão, ansiedade e insônia, no SUS, através de 27 UBS de Jaguaríuna e Indaiatuba, em parceria com a UniEduK. O app mostrou eficácia de 50% na redução de sintomas de depressão em estudo randomizado com 1.312 participantes no Brasil e no Peru.
Neste pilar ainda está previsto o treinamento de professores em conhecimento sobre saúde mental, que pode contribuir para a prevenção e identificação de sintomas de alunos de escolas estaduais de São Paulo, através do Instituto Ame sua Mente. A ideia é atingir o público infantil, visto que em geral o surgimento de transtornos ocorre até os 14 anos.
Todos esses eixos visam ampliar o acesso de tratamento a pacientes com transtornos mentais, criando insumos para fornecer aos Estados e ao Governo Federal a possibilidade de utilizar ferramentas digitais de baixo custo e rápida implementação, com comprovação científica, em todo o país.
“Nós estamos agora vivendo uma mudança de cultura sobre saúde mental que foi a mesma que vivemos na época em que os infartos estavam ocorrendo e as pessoas entenderam que mudanças de estilo de vida previniam infarto. Isso está acontecendo, e o CISM é um dos líderes em levar essas medidas, testar e fazer uma mudança na população”, defende Rodrigo Bressan, psiquiatra e professor livre docente da UNIFESP, e pesquisador do CISM.
Parceria público-privada para inovação em saúde mental
O CISM só foi possível graças ao investimento conjunto do setor público, através da FAPESP, com o investimento privado, realizado pelo Banco Industrial do Brasil. Ainda, na parte de educação e pesquisa, tem a parceria entre as universidades públicas e privadas, por meio de faculdades do Grupo UniEduk, com o Centro Universitário Max Planck (UniMAX) e o Centro Universitário de Jaguariúna (UniFAJ).
“A interação entre poder público e privado é fundamental. Existem várias limitações em usar recursos públicos e facilitações ao utilizar recursos de natureza privada. Você também alia ambos interesses, soma expertises de diferentes fontes e generaliza o objetivo final. Você consegue oferecer oportunidades e resultados para diversos segmentos da sociedade”, afirma Eurípedes, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental.
Para Rodrigo Bressan, que também é presidente do Instituto Ame Sua Mente, as instituições filantrópicas também têm um papel importante nessas parcerias, principalmente na implementação de projetos. “A universidade não é boa para implementar coisas para mudar a realidade. Então, quando se tem a iniciativa privada ou instituições filantrópicas, você tem uma eficácia maior em mudança da realidade, em transferência de conhecimento”, conclui.
Lançamento do Centro Nacional de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental
FUTURO DA SAÚDE