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Calma, Pazuello! Não é o Ustra, é só o Renan
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O general da ativa Eduardo Pazuello, quando perguntado sobre o que achava do AI-5, deu a seguinte resposta à repórter Marcela Matos, da revista Veja: “Nasci em 1963, nem sei o que é o AI-5, nunca nem estudei para descobrir o que é”.
Dez meses depois da entrevista, Pazuello terá a oportunidade de, finalmente, aprender a diferença entre democracia e ditadura, quando for depor, na quarta-feira, na CPI da Covid.
Com o intuito de ajudar, este humilde blog vai comparar uma sessão de depoimentos presidida pelo senador Omar Aziz na CPI com outra comandada pelo coronel Ustra. “Por que Ustra?”, pergunta o leitor. Porque ele usou e abusou do AI-5 para “fazer investigações”. Além de ser referência moral do chefe de Pazuello, o presidente Jair Bolsonaro.
A convocação
Luiz Eduardo da Rocha Merlino tinha 23 anos quando foi “convocado” para colaborar com uma investigação por homens armados de metralhadora que invadiram a casa de sua mãe, em Santos, em julho de 1971. Não tinham nenhuma intimação, mandado, nenhuma ordem escrita e fundamentada.
A irmã dele questionou o que estava acontecendo e recebeu como resposta uma coronhada de um dos militares que cumpriam a ordem de Ustra. Sem um papel de embrulhar pão como respaldo, os militares levaram Merlino e avisaram à mãe que seria um rápido interrogatório.
Pazuello foi convocado de forma oficial, conseguiu um atestado de risco sanitário do comandante do Exército para adiar sua ida à CPI, usou o hotel de trânsito da Força em Brasília para fazer media training e ainda contratou um advogado.
O AI-5 que Pazuello não sabe e não estudou impediria toda sua estratégia. Viva a democracia!
As perguntas
Pazuello é livre para escolher como chegará ao Senado. Já Merlino foi levado de Santos até o Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI) de São Paulo por quatro militares armados, dentro de um Corcel.
No Senado, o relator Renan Calheiros irá indagar Pazuello sobre suas atividades no Ministério da Saúde. Ele poderá ficar em silêncio em alguns momentos, porque o governo descolou um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, remédio extinto pelo AI-5, que lhe garante o silêncio parcial.
Nas suas inquirições, Renan tem adotado um tom duro, mas educado. E não encostou um dedo nas testemunhas quando achou que elas estavam mentindo. Nem pode. Queiroga e Wajngarten, acusados de não dizer a verdade, saíram da CPI sem um roxo. Assim é a democracia.
No DOI, Merlino foi perguntado sobre suas atividades no Partido Comunista Operário e pelo paradeiro de sua companheira, Angela Maria. Os militares acharam que ele estava mentindo e não gostaram de seu silêncio a alguns questionamentos. Merlino teve as roupas arrancadas, foi colocado num pau de arara e começou a receber choques no pênis e espancamentos de todos os tipos. Ustra participou pessoalmente das sessões.
O AI-5 que Pazuello não sabe e não estudou tinha a tortura, e não o habeas corpus, como método para testemunhas que se reservam ao direito de silêncio. Viva a democracia!
Acareação
Se Pazuello cair em contradição em relação a outra testemunha, a democracia permite que a CPI faça uma acareação entre os dois. É duro, difícil, mas nada se compara às acareações do AI-5 que Pazuello não sabe e não estudou.
Merlino caiu em contradição aos olhos dos interrogadores e Ustra determinou que ele fosse colocado em pé, frente a frente, com outro preso. Em pé é modo de dizer, pois Merlino já não consegui fazer isso. Seus membros inferiores estavam em gangrena, suas nádegas esfoladas e ele vomitava sangue quando se alimentava. Mesmo assim a acareação aconteceu. Ele morreu em seguida.
Para disfarçar a morte de Merlino, Ustra ordenou que um caminhão passasse várias vezes por cima do cadáver. O Estado brasileiro forneceu à família a justificativa de que ele morrera atropelado.
No Senado, Pazuello terá uma equipe médica à disposição, caso se sinta mal. E sairá dali vivo. Viva a democracia!
Moral da história
Da próxima vez em que for perguntado sobre o AI-5, Pazuello não precisará dar uma resposta carregada de cinismo. Bastará dizer que a diferença entre a democracia e a ditadura é a vida. No caso, sua própria vida. Viva a democracia.
1 – As informações contidas neste artigo foram obtidas em denúncia do Ministério Público Federal baseada no relatório da Comissão Nacional da Verdade.
2 – O título é copiado de um meme da internet que inspirou este artigo.
G1.globo.com