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Medicina

Burn On: especialista faz uma análise crítica sobre o tema e responde cinco principais dúvidas sobre a “nova síndrome”


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Marcos Mendanha, médico e autor do livro “O que ninguém te contou sobre Burnout”, destaca o aspecto confuso e impreciso do Burn On

Burn On é uma das palavras que vem circulando nos últimos meses nas redes sociais e nos meios de comunicação. Tida como “prima do Burnout”, a “nova síndrome” foi definida em 2021. Para seus autores, o Burn On também pode ser descrito como uma “depressão mascarada”, quando os pacientes estão sempre à beira de um colapso, mas continuam e cultivam, por trás de um sorriso, um tipo diferente de exaustão e depressão

De acordo com Marcos Mendanha, autor do livro O que ninguém te contou sobre o burnout, publicado pela Editora Mizuno, o termo criado levanta uma série de dúvidas sobre suas características e até se confunde com transtornos mentais já reconhecidos e bem estudados pela comunidade médica mundial. O especialista responde, de forma crítica, as cinco principais dúvidas sobre o tema.

1 – O que é Burn On? 

“O termo Burn On foi criado pelos alemães Timo Schiele, psiquiatra, e Dr. Bert te Wildt, psicoterapeuta. Segundo eles, o Burn On é uma ‘depressão mascarada’ em que o indivíduo continua realizando suas atividades; um estado no qual as pessoas trabalham sempre nos seus limites e adiam a exaustão em vez de entrar em colapso, em Burnout.”

Mendanha pontua que o termo criado pode camuflar transtornos mentais que conhecemos e estudamos há décadas, entre eles, a depressão. “Diferentemente do Burn On, a depressão é uma doença já caracterizada com bases científicas muito bem estabelecidas, que pode ser muito grave, altamente incapacitante e provocar prejuízos e sofrimentos consideráveis ao paciente. A depressão pode estar relacionada ao trabalho, ou seja, não precisamos de novos nomes [como o Burn On] aqui”.

2 – Burn On é uma doença, transtorno ou síndrome?

“Nenhuma das três classificações. Burn On não está codificado na CID-11 nem na CID-10, nem no DSM-5-TR, portanto, não é um termo reconhecido pela OMS, APA (Associação Americana de Psiquiatria) e comunidade médica internacional. Na prática, estamos falando de um termo que não existe para a comunidade científica mais consagrada. Para se ter uma ideia, até maio de 2024 não havia sequer um artigo publicado sobre Burn On no PubMed, uma das maiores plataformas científicas do mundo sobre temas médicos”, aponta Mendanha.

Como os criadores do termo afirmam que o Burn On seria um estado no qual “as pessoas trabalham sempre nos seus limites e adiam a exaustão em vez de entrar em colapso”, Mendanha aponta uma aparente inconsistência nesse conceito. “Os autores do termo Burn On fazem parecer que temos a prerrogativa de adiar, ou não, um quadro de exaustão, como se fosse algo sempre voluntário, o que definitivamente não é.”

3 – Quais são os sintomas do Burn On?

De acordo com os criadores do termo, alguns sintomas do Burn On são: pressão alta, dores no pescoço, dores nas costas, dores na cabeça, bruxismo e perda da esperança. Além desses, os criadores do Burn On afirmam que os pacientes podem ter depressão, ansiedade e vícios.

“Pressão alta, dores difusas – no pescoço, nas costas, na cabeça -, bruxismo, perda de esperança, de memória, entre outros sintomas atribuídos ao Burn On, são muito genéricos e inespecíficos, ou seja, não apontam o raciocínio clínico para um diagnóstico sindrômico já estabelecido na comunidade médica. Além disso, diferentemente do Burn On, os transtornos depressivos e de ansiedade são doenças mentais já reconhecidas, com diagnósticos e tratamentos padronizados e eficazes, e não podem, para o bem dos pacientes,  ser confundidos ou camuflados por novos termos. Em síntese, o termo Burn On mais confunde do que explica”, pondera Mendanha.

4 – Qual a relação entre Burn On e workaholismo? 

Segundo os criadores do termo Burn On, “quando as pessoas são apaixonadas pelo trabalho, elas tendem a negligenciar suas necessidades pessoais em meio ao cotidiano estressante”.

Para Mendanha, “ser apaixonado pelo trabalho não significa necessariamente negligência no autocuidado. Pessoas que gostam do que fazem e conseguem equilibrar isso com a vida pessoal, trabalham melhor, se cuidam mais e vivem melhor. O workaholism ou vício em trabalho, sim, está costumeiramente relacionado com negligência no autocuidado. Diante dos seus nefastos e já conhecidos efeitos na literatura especializada, o workaholism, assim como qualquer outro vício, deve ser considerado um problema de saúde pública e não pode ser romantizado”.

“Se observarmos toda sua descrição e as entrevistas dadas pelos seus autores, do ponto de vista médico, observo que o chamado Burn On tem um conceito demasiadamente amplo e confuso, que tenta abocanhar em si vários quadros clínicos que vão desde de traços de personalidade como o perfeccionismo não adaptativo – bastante relacionado com baixa autoestima -, workaholismo, além de sintomas depressivos e até sinais que sugerem mania ou hipomania, próprios do transtorno bipolar do humor. Tudo isso, somado a possíveis questões de âmbito ocupacional. Quando algo quer ser tudo, acaba não sendo nada. De tão amplo, o Burn On acaba tendo um significado clínico bastante questionável”, resume Mendanha.

5 – Qual a diferença entre Burnout e Burn On? 

Tanto o Burnout quanto o Burn On seriam como etapas provocadas pelo estresse crônico decorrentes do trabalho, que  antecedem aos transtornos mentais. “À luz dos conceitos trazidos pela OMS, especialmente destacados na CID-11, é muito difícil localizar esquematicamente o Burn On. Mas com muita boa vontade e ajustando algumas contradições que o próprio conceito de Burn On tem em relação aos conceitos da OMS, podemos imaginar as diversas “estações” que o estresse crônico decorrente do trabalho pode nos levar. Pensemos então numa linha que começa na ausência de cansaço, vai para o cansaço, Burn On, Burnout e Transtornos Mentais, como é o caso da depressão. O Burn On seria uma espécie de  antecedente do Burnout, do esgotamento. Reforço, no entanto, que o uso do termo Burn On como um novo diagnóstico pode mais atrapalhar do que ajudar alguém em sofrimento. Isso porque pode confundir profissionais de saúde quanto aos transtornos mentais já reconhecidos e com protocolos de tratamento eficazes, prolongando ainda mais o sofrimento dos pacientes”, alerta Mendanha.

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Sobre Marcos Mendanha: Ele é médico do trabalho, diretor e professor da Faculdade CENBRAP, onde realiza e coordena estudos, cursos e eventos sobre Psiquiatria e saúde mental do trabalhador há mais de 15 anos. É especialista em Medicina do Trabalho. É advogado especialista em Direito do Trabalho; pós-graduado em Filosofia; e professor convidado de pós-graduações da USP e do Einstein. É autor do livro “O que ninguém te contou sobre Burnout – Aspectos práticos e polêmicos” (Editora Mizuno). É coordenador do Congresso de Saúde Mental Ocupacional (COSMO).

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