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Brasileiro recria cérebro neandertal para entender como chegamos até aqui


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Dr. Alysson R. Muotri, Ph.D., professor da Faculdade de Medicina e diretor do Programa de Células-tronco da Universidade da Califórnia

Pense num homem ou numa mulher neandertal. Aposto que a primeira imagem que veio à sua cabeça foi de um ser humano bruto, com feições selvagens e, principalmente, pouca inteligência. Puro preconceito… Saiba que eles eram craques na caça de animais silvestres, controlavam o fogo com destreza e ocuparam uma parte considerável dos territórios da Europa e da Ásia há mais de 300 mil anos, enquanto nossos antepassados Homo sapiens viviam numa pequena porção do continente africano. Além disso, essa espécie ainda possuía um cérebro relativamente maior que o nosso e, segundo indícios arqueológicos, já tinha manifestações religiosas e culturais.

Porém, quando nossos tataravós resolveram expandir seus horizontes e viajaram para o restante da África, da Europa e da Ásia há 30 mil anos, o caldo dos neandertais começou a entornar. Em poucos anos, eles foram varridos do mapa pelos Homo sapiens. Eis o grande mistério da história da humanidade: como é que conseguimos “derrotar”, num espaço relativamente curto de tempo, uma linhagem que, pelos indícios que temos, possuía muitas habilidades? Essa dúvida segue sem resposta e gera acalorados debates entre diversos cientistas.

É aí que entra o biólogo brasileiro Alysson Muotri, professor da Faculdade de Medicina e diretor do Instituto de Células-Tronco da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. O especialista conseguiu recriar em seu laboratório minicérebros muito parecidos com o que nossos primos neandertais tinham dentro de seus crânios.

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O passo a passo

Uma pesquisa publicada há alguns anos já havia feito a análise do DNA de um fóssil pertencente à essa outra espécie humana. A partir dos achados, foi possível saber quais mutações nossos neurônios sofreram que diferenciaram o cérebro do Homo sapiens do cérebro do Homo neandertalensis

Com essa informação em mãos, Muotri, que também é CEO da startup de biotecnologia TISMOO, utilizou técnicas avançadíssimas de edição genética para transformar células-tronco, aquelas com potencial de se transformar em qualquer célula do corpo, em neurônios sem as mutações genéticas que apresentamos e nos fazem ser quem somos. Em outras palavras, ele gerou uma unidade neuronal bastante similar a dos neandertais.

Essas células do sistema nervoso foram colocadas num mesmo ambiente para que se transformassem num minicérebro. O nome não é uma alegoria: essa estrutura existe de verdade, tem meio centímetro de diâmetro e pode ser vista a olho nu. Essa técnica, aliás, já havia sido utilizada anteriormente para entender melhor transtornos como autismo e a relação entre o vírus zika e a microcefalia em bebês.

O experimento de Muotri serviu para demonstrar que um fator parece mesmo ter contribuído para a supremacia sapiens frente aos neandertais: a capacidade única de nossa espécie de conviver em sociedade. Essa facilidade de cooperação e colaboração típica dos humanos modernos se deve ao desenvolvimento de uma área do cérebro chamada córtex pré-frontal, coisa que não aconteceu em nossos parentes do passado.

No laboratório, os minicérebros dos neandertais se desenvolveram de uma maneira bem diferente dos nossos: a formação das redes neurais deles aconteceu de uma forma muito desorganizada e caótica. Eles apresentaram menos sinapses, as conexões entre os neurônios, o que poderia estar relacionado a uma menor capacidade cognitiva. No mundo real, isso teria desembocado numa certa dificuldade para se estabelecer relações sociais e criar grupos de apoio entre diferentes indivíduos que dividem um mesmo espaço.

Isso é muito black mirror!

A pesquisa tem o potencial de mudar muito a forma como vemos o passado, mas a sua contribuição é ainda maior quando pensamos no futuro. Na entrevista que fiz por telefone, o professor brasileiro radicado nos Estados Unidos me contou que, agora, sua equipe trabalha para conectar essas pequenas estruturas cerebrais a robôs capazes de interagir com um ambiente.

Isso abriria as portas para que esses minicérebros ganhassem mobilidade para explorar seu entorno e aprender com essas atividades, modificando e aumentando o número de sinapses que possuem. Essa pequena organela criada pela tecnologia humana seria capaz de adquirir consciência e, mais do que isso, se desenvolver como uma entidade individual e cheia de potencialidades.

Claro que ainda estamos longe de criar uma massa cinzenta robusta e com a mesma capacidade daquela que temos dentro da cabeça. Os minicérebros não possuem células importantíssimas para um funcionamento total, muito menos recebem suprimento de oxigênio e nutrientes por meio de uma circulação sanguínea. Mas é questão de tempo para que essas dificuldades sejam superadas.

Quando os empecilhos técnicos forem coisa do passado, vamos nos deparar com um dilema. Hoje consideramos que uma pessoa está viva ou morta a partir de sua atividade neurológica. Com a comprovação de que os minicérebros possuem uma consciência, como eles serão encarados do ponto de vista legal?

Num mundo em que se discute cada vez mais os limites da inteligência artificial, vemos surgir no horizonte a possibilidade de uma inteligência orgânica não-humana. A questão levantará mais debates éticos e, como sociedade, precisaremos impor limites até onde esse tipo pesquisa avançará — assim como fizemos num passado recente com a clonagem humana e a edição genética. Como o próprio Muotri admite, os potenciais são enormes, assim como o risco de serem utilizados com más intenções.

Por uma ironia do destino, se há 30 mil anos nós provocamos a extinção de humanos parecidos conosco, agora é nossa própria evolução científica que impõe riscos à espécie que se espalhou como praga pelo planeta Terra. E tudo isso pode começar com a construção de um minicérebro dos nossos primos neandertais…

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