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Brasileira que mora na Noruega conta como é viver sem sol durante semanas no inverno ártico
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A brasileira Nathália Pimenta, 30 anos, não vai ver o sol nascer de novo neste ano. Ela vive em Alta, cidade de cerca de 20 mil habitantes no extremo norte da Noruega, quase no Polo Norte. Lá, o próximo nascer do sol só vai acontecer em 17 de janeiro. Até esse dia chegar, a jovem verá apenas um mínimo de claridade no céu, que fica com um aspecto de fim de tarde em plena hora do almoço.
Isso acontece porque Alta fica a norte do Círculo Polar Ártico. Por causa do eixo de inclinação da Terra, entre novembro e dezembro a região fica fora da área iluminada pelo sol. O esquema se inverte seis meses depois e, entre maio e julho, a cidade onde Nathália mora ficará sob a luz do dia durante semanas (leia mais sobre o fenômeno no fim da reportagem).
Para quem vem de um país tropical como o Brasil, onde a duração do dia pouco alterna entre as estações, é preciso ajustar a rotina para não sofrer com os efeitos da ausência de luz. “A gente vira escravo do relógio”, define Nathália, moradora de Alta há quase cinco anos.
Nathália nasceu em Indaiatuba (SP), onde só escurece por volta das 20h nesta época do ano. E, na Noruega, o corpo sente a falta do sol. O sono fica desregulado, cai a produção de vitamina D – que é em parte ativada pela luz solar –, e o humor muda.
“Tem que ter disciplina para morar aqui”, afirma Nathália.
Com a noite polar, fica mais fácil ver as auroras boreais em Alta, Noruega — Foto: Nathália Pimenta/Arquivo pessoal
Por incrível que pareça, a chegada do filho Oliver, 6 meses, ajudou a brasileira a se habituar à escuridão neste ano. “Criança demanda ter rotina, né?”, apontou Nathália, que é formada em jornalismo e agora se dedica a cuidar do bebê.
Sem rotina, conta a brasileira, o emocional ficava prejudicado. Esse ciclo de desânimo costuma começar logo após o verão, quando ocorre o dia polar – ou seja, o sol não se põe, o inverso do que ocorre agora em dezembro. A partir de agosto, os dias vão ficando cada vez mais curtos e os nórdicos sentem o efeito.
“Chega um momento que não tem mais dia. Só um ‘lusco fusco’, e traz uma sensação de solidão”, descreve Nathália.
Rua em Alta, na Noruega, por volta das 14h durante o inverno — Foto: Nathália Pimenta/Arquivo Pessoal
Os efeitos emocionais causados pela falta de luz solar são conhecidos dos sistemas de saúde dos países em altas latitudes. No Reino Unido, por exemplo, não há noite polar, mas os dias ficam bem curtos no inverno. O NHS – serviço público de saúde britânico – alerta para os sintomas causados pela escuridão prolongada do inverno relacionados à menor produção dos hormônios melatonina e serotonina nesses períodos:
- Mau humor persistente;
- Perda de prazer ou interesse em atividades normais diárias;
- Irritabilidade;
- Sensação de desespero e culpa;
- Falta de energia e sono durante o dia;
- Excesso de sono.
‘Koselig’
Vela usada para decorar e iluminar a casa em Alta, Noruega — Foto: Nathália Pimenta/Arquivo pessoal
Como os noruegueses conseguem, então, driblar os sintomas da ausência de luz solar? A resposta está no conceito de “koselig”, algo como aconchego, em uma tradução livre para o português.
Há várias maneiras de definir esse aconchego. Uma delas é o investimento no conforto dentro de casa. Não à toa, o design escandinavo ganha prêmios e é procurado por gente no mundo inteiro.
Um exemplo de como a decoração importa para o norueguês é que, para cada momento do dia, existe um tipo de iluminação. À noite e no fim da tarde, é comum os moradores de Alta deixarem as velas acesas. Próximo ao meio-dia, pode-se acender uma lâmpada cuja luz é muito forte, item muito comum nas casas acima do Círculo Polar Ártico.
Quando apagada, lâmpada lembra mais um item de decoração da casa na Noruega — Foto: Nathália Pimenta/Arquivo pessoal
Quando acesa, porém, lâmpada tenta imitar luz do sol — Foto: Nathália Pimenta/Arquivo pessoal
Porém, ficar dentro de casa na noite polar não adianta. Os anos em Alta ensinaram Nathália que ‘koselig’ também é receber ou encontrar os amigos para animar os dias sem sol.
“O frio isola as pessoas. As pessoas tendem a ficar mais em casa, então é importante se esforçar para ter uma vida social”, disse Nathália.
Nathália Pimenta e o marido Remi – manter vida social ativa evita problemas decorrentes da falta de luz solar — Foto: Nathália Pimenta/Arquivo pessoal
Nesta época do ano, inclusive, ocorrem os “julebord”. São confraternizações de fim de ano entre amigos nas semanas que antecedem o Natal. “E além disso, tentamos marcar cafés durante a semana. É importante se manter em contato com os amigos para não sentir a solidão”, comenta Nathália.
Outra forma de superar o problema da falta de luz solar é a prática de esportes. Mesmo sem sol, os moradores de Alta saem de casa para esquiar – menos a brasileira. “É nesta época que eles se esbaldam, mas eu realmente não consigo ficar de pé num esqui.”
Como a noite polar acontece?
Por causa da inclinação do eixo da Terra, as áreas acima do Círculo Polar Ártico recebem pouca ou nenhuma luz solar nesta época do ano (veja arte abaixo). Outras regiões no Hemisfério Norte até veem o sol nascer, mas passam menos tempo dentro da região iluminada. Quanto mais longe do Equador, menor a duração do dia.
Inclinação da Terra em dezembro — Foto: Karina Almeida/G1
Além da Noruega, os outros países onde acontece o fenômeno da noite polar são:
- Estados Unidos (Alasca);
- Canadá;
- Dinamarca (Groenlândia);
- Islândia;
- Suécia;
- Finlândia;
- Rússia.
A situação se inverte em junho, quando é o Hemisfério Sul que recebe menos luz solar e, o Norte, vive o fim da primavera e o início do verão. Alta, a cidade onde a brasileira vive, passa mais de dois meses sem ver o sol se por durante a estação
Portanto, enquanto Alta vive dias sem o menor sinal do sol, a maior parte do Brasil recebe em dezembro a maior quantidade de luz solar no ano. Em São Paulo, que é onde passa o Trópico de Capricórnio, o astro ainda estará bem no alto do céu (veja arte abaixo).
A posição do sol em Alta e em São Paulo ao longo de 21 de dezembro, dia do solstício de verão no Hemisfério Sul — Foto: Karina Almeida e Alexandre Mauro/G1