Cultura ainda incipiente no Brasil, o grão-de-bico, leguminosa rica em proteína, pode ser uma alternativa de uso em sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), inclusive por agricultores familiares e médios produtores rurais. É o que mostrou o dia de campo realizado pela Embrapa e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) na Embrapa Hortaliças (DF) no dia 15 de julho, com participação de 180 pessoas, entre produtores rurais, técnicos, professores e estudantes.
No local do evento, uma área de 13,5 ha que estava sem culturas, a Embrapa Cerrados (DF) e a Embrapa Hortaliças implantaram um sistema de ILPF com grão-de-bico. “Estamos apresentando uma alternativa de diversificação, principalmente para o período de safrinha”, explicou o chefe geral da Embrapa Hortaliças, Warley Nascimento. Ele homenageou Osmar Artiaga, produtor em Cristalina (GO), pelo pioneirismo na cultura do grão-de-bico na região.
Sebastião Pedro, chefe geral da Embrapa Cerrados, agradeceu a parceria com a Embrapa Hortaliças e destacou que o mundo vive um momento ímpar, no qual a produção de alimentos se mostra como a indústria mais importante da humanidade e, nesse sentido, o Brasil se materializa como um grande celeiro.
“Com o nosso clima e a amplitude de terras, temos a oportunidade, ao realizar este dia de campo, de mostrar que estamos conduzindo a produção agrícola e pecuária para um modelo sustentável, utilizando o solo da melhor forma possível. Temos aqui o a oportunidade de mostrar efeito da ILPF como alternativa na sustentabilidade, na agricultura de baixo carbono, e a chance de conhecer o grão-de-bico, que faz parte de um grupo de culturas importantes que são os pulses*”, afirmou.
Práticas sustentáveis
O pesquisador Carlos Pacheco, da Embrapa Hortaliças, abordou, na primeira estação técnica, o Sistema Plantio Direto (SPD), que promove sequestro de carbono e aumento da resiliência dos cultivos, com melhoria da estrutura do solo e menor perda de água e nutrientes. Ele informou que foram iniciadas avaliações com o grão-de-bico na área com ILPF e em outra área com SPD. “A ideia é trazer essa cultura, que está sendo inserida no País, já para o contexto de baixa emissão de carbono, tornando nossa agricultura mais competitiva e mais sustentável”, disse, lembrando que o SPD em hortaliças foi incluído em políticas de agricultura de baixa emissão de carbono.
Pacheco também apresentou o trabalho de elaboração da parte técnica do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) para o grão-de-bico realizado pela Embrapa. O ZARC identifica, por decêndios (períodos de 10 dias), as melhores épocas e plantio e os períodos de risco mais elevado para o plantio, informações que balizam a concessão de crédito e do seguro agrícolas. “É uma poderosa ferramenta de gestão de risco. Queremos reduzir ao máximo os riscos de perda da cultura por fatores ambientais. A ideia é orientar tanto o produtor como o órgão financiador como o que vai fornecer o seguro sobre os riscos relevantes da atividade, como deficiência hídrica, a ocorrência de temperaturas muito baixas, chuva excessiva na colheita e durante o desenvolvimento da lavoura, granizo e vendaval, e doenças que podem ter alguma correlação com o clima”, explicou, citando, ainda, as variáveis climáticas, os tipos de solo e os fatores relativos à cultura consideradas na construção do ZARC. A primeira versão do ZARC para o grão-de-bico está disponível na página do MAPA, bem como no aplicativo ZARC Plantio Certo.
João Nicanildo dos Santos, chefe da Divisão de Fomento a Tecnologias Sustentáveis da Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Sustentável e Irrigação (SDI) do MAPA, falou sobre agricultura de baixo carbono. Ele apontou os diferentes sistemas, práticas, produtos e processos de produção sustentável que contribuem para adaptar a agropecuária brasileira às mudanças climáticas e a mitigação dos gases de efeito estufa, com aumento da eficiência e da resiliência dos sistemas produtivos, por meio da gestão integrada da paisagem – práticas para recuperação e renovação de pastagens degradadas, SPD, manejo de resíduos da produção animal, florestas plantadas, Sistemas de ILPF e agroflorestais (SAFs), bioinsumos, sistemas irrigados e terminação intensiva de animais.
“Entre os benefícios, além do maior sequestro de carbono, haverá redução do desmatamento, a recuperação dos sistemas produtivos, com diminuição de erosão, maior infiltração de água e a conservação do solo. E o mais importante: estamos contribuindo para a sustentabilidade do agro, responsável por quase 30% do nosso PIB”, disse.
Vantagens dos sistemas de integração
Na segunda estação técnica, o pesquisador Luiz Adriano Maia Cordeiro e o analista Luiz Carlos Balbino, ambos da Embrapa Cerrados, apresentaram o conceito, as modalidades e os benefícios dos sistemas de ILPF. A Integração Lavoura-Pecuária-Floresta é uma estratégia de produção sustentável, que integra atividades agrícolas, pecuárias e/ou florestais realizadas numa mesma área em cultivo consorciado, em sucessão ou rotação de culturas, constituindo-se num único sistema. São quatro modalidades possíveis de integração: lavoura-pecuária (ILP ou sistema agropastoril), pecuária-floresta (IPF ou sistema silvipastoril), lavoura-floresta (ILF ou sistema silviagrícola e SAFs) e lavoura-pecuária-floresta (ILPF ou sistema agrossilvipastoril). A área onde foi realizado o dia de campo se encontra, no momento, na etapa silviagrícola, com a lavoura de grão-de-bico e as árvores de eucalipto.
Cordeiro explicou que as quatro modalidades se subdividem em inúmeros sistemas. “Há diversas espécies vegetais e animais e uma possibilidade imensa de diferentes arranjos e combinações com diferentes componentes, nas distintas regiões. São várias possibilidades de sistema”, disse. Ele falou sobre alguns sistemas de ILP, modalidade mais antiga e adotada no Brasil, como Barreirão, Santa Fé, Santa Brígida, São Mateus, Sistema Santa Ana (recuperação de pastagens com produção de silagem), São Francisco (sobressemeadura de capim no final do ciclo da soja), Gravataí e Boi safrinha, e com o componente florestal, que vêm sendo mais pesquisados, validados e adotados nos últimos anos.
O pesquisador explicou como é feita a implantação do sistema silvipastoril, na qual as mudas de árvores devem ficar isoladas dos animais por cerca elétrica nos primeiros anos de implantação, até que alcancem 6 cm de diâmetro à altura do peito (DAP). Já no sistema agrossilvipastoril, as mudas são ladeadas por lavouras nos dois ou três primeiros anos, e só depois por pastagens e o gado. “A grande vantagem da atividade agrícola nos primeiros anos é que ela deixa resíduos dos fertilizantes, que serão muito aproveitados pelas espécies florestais e pela pastagem subsequente”, disse Cordeiro. “No milho, por exemplo, ao se fazer adubação em cobertura a lanço, sempre sobra adubo para o eucalipto. Percebemos que o crescimento do eucalipto nesse sistema é muito maior que no plantio solteiro”, acrescentou Balbino.
Entre os diversos benefícios dos sistemas de ILPF, o analista destacou a maior diversificação e intensificação do uso da área, com maior sustentabilidade; a otimização do uso do solo, com produção de grãos, carne, leite e madeira ou produtos não madeireiros como frutas; é economicamente viável e o corte da madeira proporciona renda extra; amortização dos custos de produção, com a lavoura e as árvores ajudando a custear a pecuária e a recuperação da pastagem; pasto de melhor qualidade e redução dos custos de suplementação alimentar dos animais na seca; as árvores (plantadas no sentido Leste-Oeste em áreas planas para reduzir o sombreamento ou seguindo as curvas de nível em locais com declividade) funcionam como quebra-ventos, diminuindo o ressecamento dos pastos e melhorando a dinâmica hídrica.
Além disso, há maior taxa de infiltração e armazenamento de água no solo; diminuição da pressão de desmatamento; mitigação da emissão de gases de efeito estufa com incremento do carbono do solo e sequestro de carbono pela biomassa; bem-estar animal e conforto térmico pela sombra das árvores; redução da erosão do solo devido à melhor cobertura vegetal; mitigação do déficit de forragem durante os estresses climáticos; maior ciclagem de nutrientes; efeito positivo na reprodução e produção animal, com aumento de ganho de peso e na produção de leite; e, aumento da liquidez e rentabilidade do produtor rural.
Eles mostraram um estudo da Embrapa Agrossilvipastoril (Sinop, MT) que comparou a taxa de lotação e o ganho em peso por área de um sistema de pecuária de corte e sistemas ILP, IPF e ILPF com as médias brasileiras. Enquanto na ILP e na ILPF a taxa de lotação foi de cerca 3 unidades animal (UA)/ha, a média nacional é de cerca 1 UA/ha. Já em ganho de peso por área, a ILPF obteve 35,6 @/ha/ano e a ILP 28,1 @/ha/ano, enquanto a média do País é de apenas 6 @/ha/ano.
Em uma pesquisa da Embrapa Cerrados realizada durante dois anos na área de ILPF do Centro de Tecnologias para Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL), foi mostrado como a sombra das árvores ameniza os efeitos do estresse térmico do gado leiteiro. Vacas da raça Gir produziram 24% a mais de leite no sistema ILPF. Na fase inicial de lactação, vacas Gir e Girolando produziram 18% a mais de leite na ILPF e 17% a mais no período da seca. Apesar de a produção de forragem ter sido 22% menor na ILPF, a qualidade foi melhor, com 30% a mais de proteína bruta e 6% a mais de digestibilidade. Os animais tiveram um consumo de água 28% menor e tempo de ruminação 22% maior, sendo que a preferência pelo pastejo sob a sombra ocorreu em 61% do tempo. Além disso, alguns indicadores reprodutivos foram superiores em vacas Gir na ILPF, como maior número de folículos, ovócitos e embriões viáveis na época seca.
Segundo Balbino e Cordeiro, a adoção de sistemas ILPF passa por sete etapas: busca por informação e conhecimento técnico; análise de mercado para novos produtos agrícolas, pecuários e florestais; diagnóstico da infraestrutura e da mão de obra da propriedade; capacitação técnica e gerencial, de preferência com a contratação de profissional experiente para prestar assistência técnica; planejamento de médio e de longo prazos; elaboração do projeto técnico; implantação e execução do projeto.
Para mais informações sobre os sistemas de ILPF, baixe gratuitamente o livro Integração lavoura-pecuária-floresta: o produtor pergunta, a Embrapa responde, da Coleção 500 Perguntas 500 Respostas.
Leguminosa é opção para a safrinha
O chefe geral da Embrapa Hortaliças, Warley Nascimento, falou sobre o potencial da cultura do grão-de-bico no Brasil na terceira estação técnica. Ele comentou que a leguminosa é um produto versátil e tem sido bastante procurada, sendo comercializada geralmente na forma de grãos secos ou reidratado e, mais recentemente, em produtos plant based. Entre os principais consumidores estão os veganos e os vegetarianos. “Em alguns locais na região de Brasília, uma embalagem de 500 g é comercializada a R$ 19. Então, estamos falando em R$ 38 o quilo”, afirmou.
Além do alto teor protéico, com destaque para o aminoácido triptofano, precursor da serotonina, neurotransmissor relacionado ao humor e bem-estar, o grão-de-bico é rico em fibras, antioxidantes e vitaminas. Depois da soja, é a leguminosa mais consumida no mundo. O Brasil importou, em 2021, quase 12 mil toneladas (cerca de US$ 10 milhões), segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. O País consome o grão-de-bico do tipo Kabuli (grãos maiores, de coloração creme), enquanto os mercados africano e asiático preferem o tipo Desi (grãos menores e diferentes colorações), alvo de pesquisas do programa de melhoramento genético da Embrapa visando à exportação desse grão.
O grão-de-bico é uma opção para a safrinha (segunda safra) em sistema de sequeiro no Brasil Central, devendo ser plantado de fevereiro a março. Apresenta menor custo de produção por demandar menos aplicações de defensivos, e tem produtividade de cerca de 2 t/ha – em sistema irrigado, é possível alcançar até 3 t/ha. A cultura exige temperaturas amenas e clima mais seco, sendo bastante tolerante ao déficit hídrico.
“É uma cultura sustentável, tendo se adaptado bem no Brasil. Por ser uma cultura nova, com baixo potencial de inóculo e sementes de alta qualidade, as doenças que vemos na literatura científica e em outros países não ocorrem aqui”, disse Nascimento, acrescentando que ocorrem doenças de solo, que podem ser prevenidas com o tratamento das sementes, e pragas como Heliothis spp. e Helicoverpa spp. Ele também apresentou informações sobre o plantio do grão-de-bico na área de ILPF, a condução da lavoura (controle de pragas e de plantas daninhas, cobertura nitrogenada e colheita) e produtividade.
A partir de ensaios realizados no Icarda, centro internacional de pesquisa agrícola em áreas secas, atualmente sediado no Líbano, a Embrapa Hortaliças disponibilizou algumas cultivares de grão-de-bico, como BRS Aleppo, BRS Toro e BRS Cristalino, de dupla aptidão (grãos podem ser consumidos secos ou reidratados), apresentado no dia de campo e, mais recentemente, a BRS Kalifa. Mais informações sobre a cultura estão no livro Hortaliças Leguminosas, que pode ser baixado gratuitamente.
Júlio Cesar dos Reis, pesquisador da Embrapa Cerrados, mostrou resultados econômicos de diferentes configurações de sistemas de ILPF no Mato Grosso, destacando que o índice de lucratividade (lucro obtido para cada real investido) em todas as situações foi positivo, ou seja, maior que 1. “Como há um período longo de anos, em alguns momentos esses sistemas se mostraram, inclusive, mais lucrativos que a lavoura especializada em soja-milho em virtude da menor variabilidade nos lucros, e da diversificação que a integração traz. Em termos de potencial, vemos com bastante expectativa”, explicou, ponderando a necessidade de uma cuidadosa gestão da propriedade para o alcance desses resultados.
Ele apresentou o custo de implantação do sistema de ILPF com grão-de-bico na área onde foi realizado o dia de campo – somando-se os valores gastos com insumos e as operações, o valor foi de R$ 8763,64/ha. A partir das condições da área, foi estimada, de forma conservadora, uma produtividade média de 1600 kg/ha e preço de R$ 4,00 o quilo. Com esses valores, a receita apenas com o grão-de-bico nessa área com ILPF seria de R$ 6400/ha.
“Grosso modo, o grão-de-bico pagou, no primeiro ano, 73% do custo de implantação (do sistema). Como este é um sistema que tem o componente floresta e os animais serão introduzidos em algum momento, há uma lógica de maturidade no longo prazo. Imaginamos que o sistema fique aqui de sete a 10 anos, então é um resultado muito positivo e promissor”, analisou.
De acordo com os cálculos de pesquisador, caso o grão-de-bico tivesse que pagar todo o custo de implantação do sistema mantendo-se o preço do quilo a R$ 4,00, a produtividade deveria ser de 2190 kg/ha. “Não é uma produtividade absurda, ou seja, é possível chegarmos a isso”, disse. Por outro lado, se a produtividade fosse mantida a 1600 kg/ha, o preço de R$ 5,48 o quilo, que está dentro da realidade atual de mercado, seria o necessário para compensar todo o custo de implantação.
“Mesmo sendo conservadores em relação a preço e a produtividade, vemos que a cultura tem um potencial econômico interessante. É uma oportunidade de mercado bastante promissora e que o produtor pode usar como uma alternativa viável de investimento aos modelos de sucessão soja-milho”, concluiu.
*Pulses são as sementes comestíveis de leguminosas secas. No Brasil, os mais conhecidos são o feijão, a ervilha, a lentilha e o grão-de-bico. A palavra pulse vem do latim puls, que significa “sopa grossa”. Quando cozidos, esses grãos produzem um caldo grosso, ou até mesmo uma sopa grossa, o que justifica o termo pulses. Rico em proteína, fibras, vitaminas e aminoácidos, esse grupo de alimentos tem sido cultivado em todo o mundo há milhares de anos.