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Mato Grosso

Após ser internado 17 vezes, produtor usa rap contra as drogas


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 Com poesia, dança, grafite e hip hop, o produtor cultural Raul Lázaro dos Santos Júnior se arma para enfrentar a dependência química em Cuiabá.

Por já ter conhecido o submundo das drogas, Raul usa, hoje, sua experiência para ajudar outras pessoas que querem ficar limpas e conscientizar a juventude cuiabana.

“É um projeto de resgate, de ajuda, de internação, de tentar amenizar essa dor que essas pessoas sentem”, afirmou Mano Raul, como é conhecido no meio do rap.

Há cinco anos, o produtor organiza o “Hip Hip Combate às Drogas” em praças da Capital. O evento é feito por meio de doações de simpatizantes da causa e auxílio da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Turismo.

De acordo com ele, o evento tem apresentado bons resultados. O produtor revela que ajudou uma rapper a sair das drogas há pouco mais de um ano e os efeitos positivos já são visíveis.

É um projeto de resgate, de ajuda, de internação, de tentar amenizar essa dor que essas pessoas sentem

“Ela não tinha para onde ir. A família já tinha abandonado. Agora, ela está em recuperação, está indo para o grupo de autoajuda todos os dias. Ela está diferente, a pele muda, o corpo muda, o jeito de falar muda também. É muita juventude jogada fora”, disse.

No entanto, Raul alertou que o problema não pode ser resolvido apenas com o rap. Para ele, ainda faltam políticas públicas em Mato Grosso para garantir a recuperação do dependente químico.

“Não existe uma Pasta sobre dependência química no Mato Grosso. Eu já cansei de bater em várias portas, de falar, até mesmo dentro do projeto. Mas o Governo, infelizmente, parece que não quer enxergar. O prefeito [Emanuel Pinheiro] poderia fazer uma Pasta de conscientização, pelo menos, para esses dependentes químicos”, afirmou.

Raul ressaltou que os entorpecentes não tem distinção de classe, cor e gênero. A dependência química pode atingir qualquer um.

“Não é só o cara que está na rua. Tem dependente químico que está no Alphaville [condomínio da Capital], que é filho de juiz, filho de médico, de alto escalão, milionários. E eles não sabem como lidar com a pessoa que está se autodestruindo com a cocaína. A dependência química é uma ramificação”, disse.

Para o produtor cultural, o problema da dependência química precisa começar a ser visto como uma doença que pode ser fatal se não for tratada.

“Tem que ser tratada, porque é uma doença. É uma doença progressiva e se não curar é fatal. A dependência química é uma questão de saúde pública. Já a droga é coisa de Polícia, que vai apreender o entorpecente, vai prender o traficante”.

Morei na rua, no Beco do Candeeiro, Morro da Luz, Porto. Na verdade, o dependente químico fica escondido, vira bicho. Vai para o esgoto, para a quebrada fumando a droga

Batalha pessoal

Aos 15 anos, Raul conheceu o álcool e o cigarro após influência de amigos. O adolescente só queria se enturmar e se sentir parte de um grupo.

“Passei 14 anos na rua. Entrei por meio de amigos, conhecidos, por querer participar, estar junto”, contou o produtor.

Depois do álcool, passou para maconha, pulou para cocaína, até que chegou à pasta-base.

Após abrir a porta para os entorpecentes, sua vida foi só decaindo. Em 14 anos, Raul morou nas ruas, emagreceu, conheceu o lado obscuro da cidade e quase chegou a perder a vida.

“Morei na rua, no Beco do Candeeiro, Morro da Luz, Porto. Na verdade, o dependente químico fica escondido, vira bicho. Vai para o esgoto, para a quebrada fumando a droga, casas abandonadas. Eu vivi isso. Praticamente, virava bicho. Isso não é vida”.

“Fui ao fundo da fossa, onde minha família não tinha mais condições de me ajudar. Eu estava em um momento de encontrar a morte”, disse.

Neste período, Raul passou por 17 internações em diferentes clínicas de reabilitação, mas sempre acabava voltando para as ruas. Segundo ele, ceder ao desejo de usar drogas é mais fácil do que resistir.

“As pessoas que nunca usaram, nunca vão saber o que é. A pasta-base chegou para detonar a juventude. Se você usar, vai ser difícil de te tirar dali. A pasta-base é demoníaca. Até hoje tenho as consequências dela”, afirmou.

Em 2010, após conhecer sua atual esposa, a escritora Luciene Carvalho, Raul finalmente teve forças para sair do mundo das drogas e se dedicar ao tratamento. Ele também atribuiu o sucesso do seu tratamento ao psiquiatra Miler Nunes Soares, que hoje o considera um grande amigo.

Porém, dez anos depois, ele ainda luta diariamente contra a doença para não ter nenhuma recaída.

As pessoas que nunca usaram, nunca vão saber o que é. A pasta-base chegou para detonar a juventude

“Não é fácil. Tenho que ir contrário ao meu pensamento. Não posso beber álcool, se eu beber, vou para a cocaína, daí vou direto para a pasta-base. Hoje, engordei, estou com uma aparência mais saudável, tenho meu celular, meu relógio, por que eu vou jogar fora?”, questionou.

Conquistas

Após encontrar o amor e ficar limpo, Raul ingressou na Universidade de Cuiabá, onde conseguiu o diploma de jornalista, algo que ele jamais imaginaria que iria ter.

“No dia da colação de grau foi uma coisa incrível. Um morador de rua, um dependente químico, ‘noiado’, preto, estar ali pegando o diploma de jornalista. Nunca imaginei. Não sabia que conseguia estudar, escrever alguma coisa”, disse.

Em 2012, ele se aprofundou no rap ao começar a trabalhar na rádio Serra FM, onde aprendeu a mexer com os equipamentos e a locução, com ajuda do DJ Taba.

Seu programa, chamado Voz Ativa, tocava muito rap e seu público era, basicamente, os moradores da região do Coxipó.

Um dia, Raul teve uma surpresa com uma ligação inesperada. Era um grupo de detentas do Presídio Ana Maria do Couto May pedindo para entrar ao vivo no programa, pois elas eram muito fãs.

Dividido entre o que o dono da rádio poderia pensar e atender ao desejo dos fãs, Raul não sabia o que fazer, mas precisava decidir em poucos segundos. Logo, ele escolheu o caminho da emoção.

“As coloquei ao vivo. Elas enlouqueceram e bombou esse dia”, relembrou.

Victor Ostetti/MidiaNews

Raul Lazaro

Mano Raul, como é conhecido, ainda trava uma batalha diária para não ter recaída

Um ano depois, o produtor passou para a Rádio Comunitária CPA FM, onde atuou por mais quatro anos e ficou conhecido como Mano Raul.

Preconceito

Desde criança, o produtor sente o rap como parte de sua essência. Ele contou que comprava fitas k7 do grupo Detentos do Rap e escutava no rádio de casa.

“A minha irmã comprou fita do Racionais Mc’s para mim na feira. Ficava escutando no radinho de casa, minha mãe ‘grilava’, não aguentava mais escutar rap”, disse.

Em 2014, ele teve a oportunidade de conhecer o rapper Mano Brown, seu maior ídolo musical. Após um show, o músico foi para a casa do produtor e os dois passaram a madrugada conversando. Foi neste momento que Raul ganhou mais forças para realizar o evento.

“Receber o seu diploma da faculdade é muito bom, mas conhecer o cara que mudou o seu pensamento é outra coisa. Parecia que ele tinha saído da TV e estava na minha casa. É muito louco. A partir disso, comecei a ter mais força para fazer o projeto”, descreveu.

No entanto, o produtor revelou que, mesmo fazendo um trabalho de saúde pública, ainda sofre muito preconceito com o “Hip Hop Combate às Drogas”.

“Tem dois tipos de preconceito: um porque é rap, outro, porque estão mexendo com ‘noiado’. Rap é música de preto, ninguém quer saber”, lamentou.

Mas isso não o desanima. Agora, Raul organiza mais uma edição do evento. Desta vez, o nome passa a ser “#SomDaRua” e ocorrerá no dia 29 de maio, no Bairro Porto.

O produtor também reforçou que quem quiser ajudar, pode entrar em contato pelo telefone: (65) 9-9635-3486.

(MIDIA NEWS – BIANCA FUJIMORI)

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