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Agudás, Almeida e cultura: Por que o Benim é o Brasil na Copa Africana


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Sessi D’Almeida, jogador do Benim, carrega no sobrenome a ligação histórica entre o Brasil e o país africano — Foto: Reuters

Angola e Guiné-Bissau, os únicos países lusófonos da Copa Africana, já deram adeus à competição. Mas ainda sobrou uma seleção com ligação com o Brasil: o Benim. Esta é uma história que começa há alguns séculos e resiste até hoje no pequeno país que antes se chamava Daomé.

Não é por acaso que no meio-campo da seleção beninense atua um jogador chamado Sessi D’Almeida. O sobrenome português é um indício da ligação de séculos entre o Benim e Brasil.

– Eles se consideram mesmo descendentes dos brasileiros, aqueles que voltaram para a África. Voltam com uma série de influências daqui. É uma comunidade ativa, atuante, que continua. Vivem naquele círculo da comunidade brasileira do Benim. O que se fala é que se sentem uma comunidade própria, torcem pela seleção brasileira – explicou o historiador Luiz Antônio Simas.

Tudo começa no século XVI, quando ganha força o tráfico de escravos da África para o Brasil. O então reino do Daomé, encravado entre o que hoje são Gana e Nigéria, era um dos entrepostos portugueses no negócio, na então chamada Costa dos Escravos.

Muitos dos escravizados que vieram ao Brasil cultivaram o desejo de retornar à terra natal. E o fizeram de duas formas principais: em 1835, eclodiu na Bahia a Revolta dos Malês, escravos em sua maioria muçulmanos. Derrotados, muitos deles foram levados de volta à África – e Porto Novo, hoje a capital de Benim, era o destino mais comum.

Outros, que se tornaram escravos de ganho, conseguiram comprar sua alforria. Chamados de agudás – nomeados assim porque chegavam no porto da cidade de Uidá, aportuguesada como Ajuda -, levaram com eles traços da cultura brasileira quando retornaram ao Benim, assim como os sobrenomes de seus antigos senhores.

 Famílias de agudás — Foto: Reprodução / Facebook Famílias Agudás

Famílias de agudás — Foto: Reprodução / Facebook Famílias Agudás

Os agudás eram africanos no Brasil e brasileiros na África.

– É o fluxo e o refluxo. O processo de escravidão não foi uma via de mão única, da África para o Brasil. Eles não são mais africanos, mas africanos brasileiros. Levaram o Brasil de volta para a África – prosseguiu Simas.

Uma outra parcela foi de comerciantes baianos. O mais famoso foi Francisco Félix de Souza, que enriqueceu com o tráfico negreiro e decidiu se mudar para o Benin. Lá, ganhou o título de Chachá, uma linhagem de nobreza que existe até hoje.

 Capa do livro "Agudás, os brasileiros do Benim", de Milton Guran, mostra descendentes dos agudás — Foto: Reprodução

Capa do livro “Agudás, os brasileiros do Benim”, de Milton Guran, mostra descendentes dos agudás — Foto: Reprodução

Culinária, festejos e arquitetura

No Benim, os agudás preservaram tradições como os festejos, as roupas e a culinária (veja no vídeo abaixo). Apenas a língua não resistiu: o Daomé foi colonizado pela França e adotou o idioma, embora os “brasileiros” preservem algumas frases em português.

Ao todo, estima-se que entre 5% e 10% da população beninense seja descendente de escravizados ou comerciantes baianos que emigraram para o país.

– Em Porto Novo, tem a festa do Senhor do Bonfim. Certamente é um processo levado para lá pelos agudás. Tem a burrinha, um folguedo da cultura popular, similar ao bumba-meu-boi. Tem uma culinária baiana que vai da África para a Bahia, se redefine na Bahia e volta para a África. Quitutes baianos, como sarapatel, a maneira como se faz o abará, isso é muito presente no Benim. E há bairros chamados de brasileiros, com uma arquitetura de características portuguesas. Há um fluxo entre o Benim e a Bahia que é muito forte – explicou Simas.

Agudás: ex-escravos do Brasil levam hábitos e costumes do país para África

Agudás: ex-escravos do Brasil levam hábitos e costumes do país para África

Em 2003, a escola de samba Unidos da Tijuca cantou a história dos Agudás no Carnaval. O enredo se chamava “Agudás, Os Que Levaram a África No Coração, e Trouxeram Para o Coração da África, o Brasil”, e o samba foi um dos mais elogiados daquele ano (ouça abaixo).

Segundo o antropólogo brasileiro Milton Guran, autor do livro “Agudás, os brasileiros do Benin”, há cerca de 400 sobrenomes brasileiros ou portugueses no país. O Almeida de Sessi provém daí.

Sessi D’Almeida, um beninense francês – e um pouco brasileiro

Sessi, na verdade, nasceu em Bordeaux, na França. Chegou a jogar no Paris Saint-Germain até passar a perambular por ligas menores. É um dos pilares de um time que chegou às quartas de final sem vencer um jogo sequer: foram quatro empates, o último deles diante do Marrocos, um dos grandes favoritos.

 Jogadores do Benin comemoram classificação com a bandeira do país — Foto: Reuters

Jogadores do Benin comemoram classificação com a bandeira do país — Foto: Reuters

A marcação é a grande força da seleção. O time conseguiu fazer jogo duro contra Gana e Marrocos. O principal jogador é o atacante Mickael Poté, de 34 anos, que atua na Turquia e fez carreira na França.

O nome mais famoso é o do meia Stéphane Sessègnon, de 35 anos. Como muitos de seus companheiros, começou a carreira na França e jogou durante três anos no PSG, para depois defender Sunderland e West BromWich na Premier League inglesa.

O Benim volta a campo nesta quarta-feira, às 13h (de Brasíia). A equipe enfrenta Senegal pelas quartas de final da Copa Africana de Nações. Esta já é a melhor campanha do país na história do torneio.

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