A obsolescência da infância – Por Maurício Pinheiro – Jornal O NORTÃO
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A obsolescência da infância – Por Maurício Pinheiro


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Adolescente Ryan Lucas na beira do Rio Madeira/Porto Velho-RO – Foto: Ricardo Onortao

A capacidade de transformar a experiência humana em camadas de significado é talvez o maior testemunho do que nos distingue como seres pensantes. No entanto, o que acontece quando essas camadas começam a se dissipar? A distinção entre os papéis de adultos e crianças – antes tão clara, quase sagrada – está sendo progressivamente erodida, levando-nos a questionar não apenas como nos definimos, mas também como preparamos o futuro.
Durante séculos, a infância foi tratada como uma invenção cultural, um espaço de proteção e formação que demarcava um limiar entre a simplicidade de aprender a vida e a complexidade de vivê-la. Porém, avanços tecnológicos não só eliminaram barreiras de comunicação, mas também expuseram o que antes era considerado um segredo exclusivo do mundo adulto. A informação, que outrora demandava tempo e preparo para ser assimilada, hoje é servida em tempo real, frequentemente sem filtros ou contexto. É inevitável refletir: quais são as implicações de uma sociedade onde as “respostas” estão ao alcance de um toque, mas as “perguntas” perdem profundidade?
Considere, por exemplo, como os meios eletrônicos transformaram o conceito de responsabilidade. Uma criança que, há um século, mal poderia sonhar com o universo além de sua aldeia, agora tem acesso instantâneo a imagens e ideais que redefinem o que significa “ser” em uma escala global. No entanto, essa ampliação de perspectiva não vem acompanhada de maturidade instantânea. O tempo – aquele aliado invisível na formação de um senso de mundo – é encurtado. E, ao fazê-lo, remove-se também a possibilidade de construir relações significativas entre experiência, erro e aprendizado.
Por outro lado, o desaparecimento gradual de jogos infantis e o declínio de interações sociais orgânicas entre crianças sugerem um fenômeno curioso. Onde está o espaço para a criação espontânea? As brincadeiras supervisionadas por adultos – planejadas, regulamentadas e direcionadas para resultados – substituíram o simples prazer de brincar. A liberdade de experimentar e falhar, essencial para o desenvolvimento, tornou-se algo tão raro quanto uma partida de “esconde-esconde” em tempos modernos.
A essência da infância parece estar em extinção não apenas por mudanças culturais, mas pela nossa obsessão com eficiência. Crianças são, muitas vezes, vistas como projetos de adultos, onde cada momento deve ser estruturado para maximizar habilidades futuras. Contudo, quem está ensinando o valor de simplesmente “ser”? Ao eliminar a distinção entre os mundos infantil e adulto, criamos uma geração que não é nem uma coisa nem outra. Eles carregam o peso das expectativas de um mundo que se move rapidamente, mas carecem do tempo e espaço para descobrir quem realmente são.
Esse cenário levanta questões importantes sobre educação. Se o ato de aprender era, no passado, um privilégio que separava adultos de crianças, agora ele se dilui em uma infinidade de fontes dispersas. O desafio não é apenas transmitir conhecimento, mas criar contextos em que esse conhecimento tenha relevância. Nossas escolas estão preparadas para isso? Estamos, como sociedade, dispostos a desacelerar o ritmo para permitir que nossas crianças realmente “cresçam”?
Há algo de profundamente irônico no fato de que, quanto mais nos conectamos digitalmente, mais perdemos de vista a necessidade de preservar o tangível. Uma infância que desaparece não é apenas uma questão de nostalgia. Ela representa uma ruptura fundamental em como transmitimos valores, curiosidade e empatia. E, embora o futuro ainda esteja em aberto, é nossa responsabilidade coletiva decidir o que queremos que ele contenha.
O tempo para refletir não pode ser substituído pela pressa da inovação. O resgate da infância, com sua inocência e capacidade de explorar o mundo sem filtros excessivos, é uma tarefa que exige paciência e intenção. Somente assim poderemos garantir que o “vir a ser” de uma criança não seja comprometido pelo ritmo implacável de um mundo que se esqueceu de desacelerar.
Maurício Pinheiro – Educador de Tecnologias e Artes no Sesc SP, Analista de Software, Produtor Cultural e Roteirista.
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