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Educação Ambiental – Uma abordagem desafiadora e necessária – Por Vilmar Sidnei Demamam Berna
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Existe uma guerra antiga, desde que a espécie humana ganhou vida sob o planeta, há cerca de 1 milhão de anos. Uma guerra entre “nós” e a natureza, pela obtenção de recursos. Uma falsa guerra e uma falsa ideia, pois não existe “nós e ela” só existe natureza, e nós somos parte dela. O que fizermos a natureza estaremos fazendo a nós próprios.
– A falsa ideia de superioridade
A falsa ideia que nos trouxe até aqui se baseia em várias premissas erradas. Por exemplo, é um erro achar que somos superiores ou com mais direitos que as demais espécies só por que temos uma consciência mais desenvolvida. Não existe superioridade na natureza já que vivemos numa espécie de teia entrelaçada onde todos dependem de todos para continuar existindo. Dentro de nós, por exemplo, existem mais bactérias que células humanas, e sem as bactérias sequer seríamos capazes de absorver os alimentos.
Se alguma espécie poderia reivindicar para si o título de superior, seriam as plantas, capazes de extrair seu alimento direto do sol pela fotossíntese, e trocar o venenoso gás carbônico em oxigênio, enquanto sequestra o carbono para suas raízes, tronco e folhas, e libera água para a atmosfera, ajudando a regular o clima. Sabemos ainda pouco sobre as plantas, mas já sabemos que podem se comunicar entre si mesmo a distancia. Entretanto, por mais bem adaptadas que sejam, ainda assim não pode se falar em superioridade. O que existe são espécies mais adaptadas e o tempo da natureza. A não ser quando explode em vulcões, o tempo da natureza não é o tempo de uma vida humana. Mal percebemos sua ação, sua resiliência em relação a vida. Espécies que não se adaptam, desaparecem.
Será o caso da espécie humana? Corremos risco de desaparecer? Ironia das ironias, nem bem emplacamos nosso primeiro milhão de vida no planeta e já estamos falando em nossa extinção! É bom lembrar que o que está em jogo aqui, não é planeta, ou a natureza. Eles não precisam ser salvos. Quem está em risco aqui somos nós. Sem nós, a natureza se recupera, independente das piores condições que tivermos criado. Veja o exemplo de Chernobyl, inteiramente envenenada pela radiação nuclear, e em alguns anos sem ninguém, as plantas e os animais silvestres já voltaram. Nós é que não podemos voltar lá pelos próximos 25 mil anos. Hoje é Chernobyl, e amanhã, será onde mais? O Planeta inteiro poderá virar uma zona de exclusão para nossa espécie? Não temos um plano B, não temos um segundo planeta terra de recursos e limpo de nossos venenos e poluição!
Precisamos aprender a agir com a natureza e não contra ela. Ou nos adaptamos ou não emplacaremos o segundo milhão de anos. Só para se ter uma ideia, os dinossauros viveram por aqui por mais de 136 milhões de anos, e acabaram extintos por que não foram mais capazes de se adaptarem às novas condições ambientais do Planeta atingido por um meteoro.
– A falsa ideia de armazém e lixeira infinitas
Outro erro grave é pensar na natureza como um armazém de recursos ilimitados por uma lado e uma lixeira infinita por outro. Só temos um planeta terra e já atingimos seus limites em diversos lugares, fabricamos desertos onde antes havia vida em abundância, provocamos extinção de espécies em massa, envenenamos a natureza com lixo nuclear, plásticos, agrotóxicos, gases de efeito estufa em excesso, etc. E como não somos “fora” da natureza, o que fazemos a ela já está nos atingindo.
Entretanto, um alerta. O poder não é distribuído de maneira igual entre nós, então as decisões sobre o que fazemos ao planeta, também não pode ser igual. Existe uma minoria de famílias, organizações, que controlam o mundo, capitalizam os lucros e socializam os prejuízos. A maioria é mantida na dúvida, bombardeada diariamente por falsas ideias e por um modelo de desenvolvimento injusto e predatório, baseado no consumismo e na injustiça social.
Cientistas sérios – não comprados pelas corporações que destroem a natureza -, há muito tempo vêm alertando que já ultrapassamos todos os limites e que a existência e continuidade de nossa espécie já se encontra ameaçada pelo colapso ambiental.
– Não somos donos da natureza, ela é que é ‘dona’ de nós
Outra falsa idéia é a de que a natureza nos pertence. Os donos de cartórios adoram, por que ganham dinheiro registrando falsas propriedades. O fato é que a natureza é que é ‘dona’ de nós. Dependemos dela para sobrevivermos, já a natureza sobrevive sem nós.
Por mais importantes que sejam nossa cultura, arte, nossas cidades, nossa qualidade de vida, nada disso produz oxigênio ou vida, por exemplo. Precisamos dos ciclos da natureza preservados para que ela siga sustentando e possibilitando a vida.
Claro que sem usar os recursos naturais não sobreviveríamos. O problema é que teimamos em não respeitar limites, e transformamos tudo em recursos. Não são. A natureza e as demais espécies tem um direito em si, e não direito apenas por que nos são úteis de alguma forma. Sem seus ecossistemas, a natureza não tem como manter os ciclos de suporte a vida, por exemplo. Por isso é tão importante existirem unidades de conservação, como parque e reservas naturais, e também uma legislação ambiental que assegure que em nossas cidades, em nosso trabalho, em nossas casas, o meio ambiente também seja respeitado e cuidado.
– Informação e poder
Infelizmente, as falsas ideias tem mantido as maiorias cegas diante da realidade, como se a ciência e a tecnologia, a política, a religião, pudessem nos salvar na hora H. Não podem. Chegamos até este ponto também graças a ciência e a tecnologia, a política, só que não a serviço do bem comum.
Einstein tentou alertar: “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.” E Ghandi também: “A terra possui recursos suficientes para prover às necessidades de todos, mas não à ganância de alguns.”
Se no passado os instrumentos de dominação das maiorias eram correntes, chicotes, balas de canhão, espadas, hoje é a manipulação e o controle da informação. A estratégia de nossos dominadores é manter a opinião pública na dúvida.
A indústria de petróleo, por exemplo, tem investido bilhões de dólares para financiar os negacionistas nas universidades e na imprensa.
Outro exemplo, a indústria do tabaco, durante mais de quarenta anos fez o mesmo, financiando políticos, cientistas, mídia, para manter a opinião pública na dúvida contra os males do tabaco. E, hoje, apesar de terem sido desmacarados, apesar da propaganda ter sido proibida, apesar das carteiras de cigarros exibirem fotos horrorosas sobre as consequências do vício de fumar, os viciados escolhem a cegueira.
Estaremos tão viciados em consumismo que seguiremos cegos diante de tantas evidências sobre as verdades inconvenientes que nos esbofeteiam? Até quando a natureza nos suportará antes de começar a se livrar de nós, se não mudarmos a tempo? Teremos tempo de nos salvar?
– O que está em jogo é o futuro
A questão ambiental não é um assunto só de plantas e animais, mas se trata de uma questão civilizatória, moral, ética, espiritual, que afeta o presente, mas principalmente o futuro, onde as crianças e os jovens de hoje serão os adultos e os líderes do amanhã.
E o que estamos plantando hoje? Qual será o legado que os adultos e os líderes de hoje estão deixando para o futuro? Haverá futuro para nossas civilizações? Que tipo de futuro? Que legado nossa geração está deixando para a geração que nos sucederá? Mais do mesmo? Uma terra arrasada? Um planeta a beira do colapso? O que vai ser?
Jovens do mundo cansaram de esperar e resolveram dar um basta, ocupando as ruas no mundo quase inteiro. Trata-se de um movimento importante que aparentemente é sobre clima, só que não, a questão é bem mais profunda.
Existe uma revolução em curso em que a resistência vem das ruas, especialmente dos jovens, que perceberam que se não agirem agora, receberão de herança uma terra degradada e poluída para administrar, então os líderes do amanhã já estão agindo hoje, e acenam com um futuro bem diferente do atual, em que as decisões serão bem diferentes. Um recado claro para os líderes de hoje.
– O tripé da sustentabilidade, a saída da crise
Essa resistência que surge das ruas e a resiliência da natureza para a vida nos dão esperança de que ainda temos tempo, ainda podemos nos religar a natureza, viver em harmonia com ela, como seus amigos e cuidadores e não como seus inimigos e destruidores.
Essa esperança se chama sustentabilidade, uma palavra grande e de dúbios sentidos, mas que reflete a necessidade de encontrarmos um outro jeito de ser e estar no Planeta.
Esta sustentabilidade se apoia num tripé: INFORMAÇÃO, EDUCAÇÃO e ATIVISMO.
Uma sociedade bem informada é condição fundamental para que todos possam fazer escolhas diferentes das que estão conduzindo a espécie humana a beira de um colapso. Este sentimento levou o mundo a assinar, durante o encontro dos líderes de todos os países, em 1992, no Rio de Janeiro, Brasil, a Agenda 21, como um manual para sair da crise. Infelizmente, muito das conquistas e avanços que tivemos depois disso, resultaram em retrocessos por conta de legislações e políticas para neutralizar esses avanços.
E por isso fundamos a Rede Brasileira de Informação Ambiental, uma organização independente, democrática, plural, dedicada a democratização da informação socioambiental como estratégia para firmar e fortalecer uma cidadania socioambiental mais bem informada, consciente e mais ativa.
Entretanto, a informação sozinha não será capaz de nos conduzir a escolhas diferentes. Caçadores e desmatadores, por exemplo, podem possuir muito mais conhecimento e informação sobre a natureza que os defensores da natureza, mas eles não usam isso a serviço da melhor preservação ambiental, mas bem pelo contrário.
A informação precisa da EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Uma educação que trabalhe os valores para a vida, a justiça social, a compaixão, a harmonia entre nós, a natureza e as demais espécies. Uma educação que ajude a formar e fortalecer uma cidadania socioambiental, e líderes melhores para um mundo melhor.
Por isso, tenho escrito diversos livros adotados nas escolas do país, onde compartilho com os leitores muitas dessas ideias e valores.
E mais. Só estar bem informado e bem formado não bastam, é preciso do ATIVISMO, de sairmos de nossas zonas de conforto, sermos proativos, ir além das palavras e declarações de boas intenções. É preciso colocar a mão na massa, produzir escolhas diferentes nos hábitos de consumo, na profissão, na ciência e tecnologia, nas empresas e governos, na política. Sim, na política. Não nesse tipo de política do toma-lá-da-ca ou de como chegar ao poder e se manter nele, mas a Política com P maiúsculo, sobre a arte e a virtude do bem comum.
É na política – seja através de partidos, nos parlamentos, no judiciário, na gestão pública e privada – que os líderes do amanhã irão construir novas legislações, novas práticas de gestão. É um erro pensar que todo político é igual e que a política é suja. Isso é o que os corruptos e os maus políticos querem que o povo pense, para que o povo tenha nojo da política e dos políticos e os deixem em paz para agirem em seus interesses próprios, em vez de cuidar dos interesses de todos.
E os cientistas e empresários também possuem uma grande responsabilidade, por que precisamos de novas tecnologias e novas práticas para sair da crise, como produzir energia solar, ou sequestrar carbono da atmosfera através do plantio de árvores que sequestram esse carbono a medida que crescem.
– Entrando no clima
As redes escolares, públicas e privadas, municipais, estaduais e federais deveriam começar dando o exemplo, “reduzindo” o carbono. Poderiam implantar centrais de energia solar em parcerias público-privadas com empresas de energia, e cuidar das árvores para que sejam árvores para sempre, e assim não liberem o carbono que sequestraram enquanto cresciam, e plantarem novas árvores, que irão sequestrar carbono enquanto crescem.
Os alunos dessas escolas deveriam se envolver e serem envolvidos em todas as etapas do processo, tornando-se em novos líderes do amanhã ao aprender a fazer também fazendo, profissionalizando-se na energia solar, no plantio, produção de mudas, na preservação das árvores e ecossistemas, especializando-se em calcular e auditar o carbono sequestrado como forma de dimensionar o impacto positivo da atividade e como denúncia de que é possível sequestrar carbono voluntariamente sem ter de transformá-lo em mercadoria que de fato não é.
Vilmar Sidnei Demamam Berna*, jornalista e escritor, fundador da REBIA (Rede Brasileira de Informação Ambiental) e ganhador do Prêmio Global 500 de Meio Ambiente das Organizações das Nações Unidas (ONU)