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O cerco ao AVC: como ele funciona e o que fazer para reduzir os casos


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Um, dois, três, quatro, cinco, seis. Pronto. O tempo que você levou para ler essa primeira frase foi suficiente para que uma pessoa morresse em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC) em algum canto do mundo. Por ano, mais de 17 milhões sofrem com o entupimento ou o rompimento de um vaso que leva sangue aos neurônios. Nesse mesmo ciclo de 12 meses, 400 mil brasileiros encaram o problema. Desses, 100 mil não sobrevivem para contar história, o que faz do AVC a segunda grande causa de óbito no país, atrás apenas do infarto. Pior: a doença começa a atingir gente cada vez mais jovem. A quantidade de pessoas com menos de 45 anos que tiveram essa pane na cabeça aumentou 62% entre 2005 e 2015.

Estatísticas tão assombrosas motivaram um encontro inédito: representantes dos ministérios da saúde de 12 países da América Latina (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai) se reuniram no último mês de agosto na cidade gaúcha de Gramado para discutir estratégias capazes de frear essa tragédia diária em nossa região.

“Todos tiveram a oportunidade de expor as atuais limitações e apresentar ideias e caminhos para melhorar a abordagem dessa condição”, conta a neurologista Sheila Martins, fundadora da Rede Brasil AVC e uma das responsáveis por articular o debate entre as autoridades presentes.

Ao final do evento, todos os participantes assinaram uma carta em que se comprometem a colocar em prática um conjunto de 16 medidas. “A Declaração de Gramado, nome que o documento recebeu, é um instrumento para aprimorar as políticas públicas em cada nação. Agora vamos acompanhar e pressionar para que elas sejam realmente implementadas”, analisa o neurologista Octávio Pontes Neto, presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares.

Os quatro primeiros pontos do artigo visam justamente à prevenção de novos episódios. Isso envolve a criação de campanhas que promovam a atividade física, combatam o excesso de peso, desestimulem o tabagismo e, principalmente, ataquem o consumo exagerado de sal. Em excesso, o tempero promove um aperto em veias e artérias, o que faz a pressão subir. “Sabemos que a hipertensão é o fator de risco mais importante para o surgimento do quadro”, justifica o médico José Francisco Kerr Saraiva, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo.

Ao normalizar os níveis de pressão, a probabilidade de um piripaque cerebral cai pela metade. E, pasme, se outros componentes, como colesterol e glicemia, estiverem dentro dos limites, é possível evitar até 90% dos casos dessa enfermidade. “São cuidados de saúde essenciais que cada um de nós precisa tomar para diminuirmos a incidência de AVC”, completa Saraiva.

Os principais fatores que contribuem para o AVC

Ao controlá-los, o risco de passar por essa enrascada cai drasticamente, como mostram os números abaixo:

É preciso agir com rapidez

Ok, não há dúvida de que as estratégias preventivas são extremamente eficazes para frear essa catástrofe em longo prazo. Mas e o agora? O que fazer com os milhares de pessoas que sofrem um AVC todos os dias? A Declaração de Gramado tem a resposta para essa questão: é preciso que todo mundo saiba quais são os sinais de alerta mais comuns numa situação dessas.

“Os principais são dificuldade para falar, visão turva, tontura, dor de cabeça forte e um amortecimento ou formigamento no rosto ou nos braços”, lista o cardiologista Otavio Gebara, superintendente médico do Hospital Santa Paula, na capital paulista. Apenas um desses sintomas já é motivo suficiente para ficar alerta e procurar algum tipo de socorro com rapidez.

Aliás, telefonar no 192 para o Serviço de Atendimento Móvel de Emergência (Samu) é o melhor caminho para adiantar o expediente. “Na maioria das cidades brasileiras, os profissionais que cumprem essa função estão habilitados para iniciar algum tratamento no caminho e direcionar o paciente para um centro com capacidade de responder àquele caso”, esclarece Gebara.

Infelizmente, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro ainda não implementaram completamente esse protocolo contra o AVC por causa do tamanho e da complexidade de operar um sistema tão veloz em metrópoles gigantescas e cheias de desigualdades.

Se a ambulância for demorar muito para chegar até o local, o melhor a fazer é pedir para alguém levar o sujeito com suspeita de AVC ao pronto-socorro de carro ou táxi mesmo. Essa pressa toda se justifica pelo fato de que, a cada minuto sem fluxo sanguíneo em alguma região da cabeça, cerca de 2 milhões de neurônios morrem. É muita coisa! Em uma hora, são 114 milhões de células nervosas que desligam para sempre. Com elas, inúmeras funções cerebrais são perdidas e restam sequelas para o resto da vida. Como diz o jargão médico, tempo é cérebro.

A correria continua solta dentro do hospital. O indivíduo tem prioridade e passa na frente da fila de espera. O ideal é que ele faça uma tomografia, exame que avalia a presença de uma eventual lesão na massa cinzenta, em menos de 20 minutos após dar entrada no local. O resultado deve ser interpretado pelo médico nos 20 a 30 minutos seguintes e, dentro do prazo, ele já sugere qual é a melhor conduta terapêutica. “Esses casos são iguais a um pit stop de Fórmula 1: todos os envolvidos precisam agir com muita sincronia e velocidade”, compara Pontes Neto.

A Organização Mundial da Saúde preconiza que todo o processo, do momento em que o sujeito colocou o pé na instituição até a entrada numa sala de cirurgia (se necessário), não ultrapasse os 80 minutos. “Em alguns centros brasileiros, nós já conseguimos cumprir esse procedimento em 28 minutos”, comemora o médico.

É claro que um serviço complicado desses exige o esforço de muita gente boa e capacitada. A partir dessa premissa, nosso país se inspirou em iniciativas bem-sucedidas nos Estados Unidos e na Europa para criar unidades especializadas em AVC por aqui. “O projeto acontece desde 2008 e ganhou força a partir de 2012, quando o Ministério da Saúde oficializou e publicou as normas”, recorda Sheila Martins. No momento, 56 hospitais estão treinados e credenciados. A meta é ter, pelo menos, 200 deles nos próximos anos.

Existe, porém, uma deficiência na distribuição: muitos desses estabelecimentos estão localizados somente nas regiões Sul e Sudeste, enquanto o Centro-Oeste, o Norte e o Nordeste penam com a escassez na assistência pública e privada. Todos os experts torcem (e trabalham) para que o cenário se modifique não só aqui, mas também em nossos vizinhos latino-americanos: a partir da reunião de Gramado, vários representantes se interessaram pela experiência brasileira e pretendem criar seus próprios batalhões anti-AVC em breve.

O acesso aos tratamentos

A corrida contra o relógio é justificada por outro fator: o tratamento disponível contra o AVC isquêmico, marcado pela formação de um coágulo que entope um vaso, só funciona se aplicado em até quatro horas e meia após o início dos sintomas. “Trata-se de um medicamento injetado na veia que dissolve o trombo e restabelece o fluxo sanguíneo”, ensina o neurologista Eli Evaristo, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Quanto antes esse remédio é administrado, maior a chance de uma recuperação total.

Por incrível que pareça, grande parte dos acometidos aparece só depois do prazo estipulado. Estatísticas nacionais apontam que menos de um terço deles chega a tempo de receber a terapia farmacológica. Muitos não se preocupam com os sintomas e preferem ficar de repouso, ou tomar um chazinho, para ver se o incômodo passa. Outros moram em áreas remotas, sem acesso às unidades especializadas. Há ainda aqueles que têm o problema sozinhos ou durante a noite, sem ninguém por perto para acudir.

Recentemente, o lançamento de uma nova cirurgia deu fôlego extra contra a doença. A chamada trombectomia mecânica consegue remover o coágulo com o auxílio de uma pequena rede metálica. E melhor: o procedimento é minimamente invasivo, realizado com cateteres que entram no corpo por meio de um furinho no braço ou na virilha.

A técnica também ampliou a janela de tempo dos recursos terapêuticos. “Os estudos demonstraram que ela traz ganhos mesmo após oito horas de bloqueio. Em alguns casos, pode ser feita em até 24 horas com benefícios”, explica o médico Rubens Gagliardi, diretor da Academia Brasileira de Neurologia.

Claro que a novidade possui limitações. Pelo tamanho dos instrumentos, ela só transita por veias e artérias de maior calibre. Outro ponto crítico é que somente está disponível em alguns convênios e hospitais privados e não foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS).

“O governo encomendou uma pesquisa para ver se vale a pena, no custo-benefício, implantar a trombectomia na rede pública”, conta o neurologista Jamary Oliveira Filho, da Universidade Federal da Bahia. O estudo está em andamento e seus resultados serão divulgados nos próximos meses.

Já para os casos de AVC hemorrágico, quando uma artéria se rompe e o líquido vermelho extravasa, a situação é um pouco mais complicada e, infelizmente, não há muito o que fazer. “Nós adotamos uma estratégia de conter o sangramento por meio do controle da pressão arterial no ambiente da unidade de terapia intensiva, a UTI”, explica Evaristo. Uma operação complexa pode ser necessária para limpar as áreas da massa cinzenta atingidas pelo ataque.

Os principais tratamentos

AVC isquêmico

  • Trombolítico: O fármaco desfaz o coágulo que atrapalha a passagem de sangue. Só tem efetividade se utilizado em até 4,5 horas.
  • Trombectomia: Método recente que envolve a retirada do trombo por meio de um tipo de cateterismo.

AVC hemorrágico

  • Controle: Ao baixar a pressão sanguínea na UTI, menos sangue alcança o epicentro do derrame, o que restringe a área afetada.
  • Cirurgia: Se o quadro está bem grave, é preciso intervir diretamente no local para minimizar o edema.

A estrada segue em frente

Mas a história não termina no pronto-socorro ou no pós-cirúrgico. Na verdade, ela está no princípio: quando a crise é solucionada, entram em cena fisioterapeutas, professores de educação física, fonoaudiólogos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais.

“A equipe multiprofissional avalia as sequelas e monta um plano de cuidados para o paciente”, esclarece a fisioterapeuta Daniele Rossato, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Essa rotina de recuperação começa na própria cama do hospital e se estende por vários meses. “Os primeiros 90 dias são primordiais nesse trabalho de restaurar as capacidades cerebrais ao máximo”, ressalta Oliveira Filho.

E aqui está uma das maiores deficiências do sistema brasileiro: muitas vezes, a pessoa recebe alta e não tem condições de continuar o processo de reabilitação. Com isso, sobram complicações e dificuldades para retomar a rotina e o trabalho. “Precisamos de políticas públicas que garantam uma reintegração à sociedade”, aponta Daniele.

O panorama do AVC até melhorou um pouco. Mas há muito chão pela frente para vivermos num país (e num continente) com cérebros livres de bloqueios e sangrias desatadas.

O que você pode fazer

  • Pratique exercício físico regularmente.
  • Mantenha uma alimentação variada e equilibrada.
  • Maneire no sal.
  • Não fume.
  • Modere nas bebidas alcoólicas.
  • Consulte o médico e faça check-ups de tempos em tempos.
  • Conheça as pistas de um AVC: dormência no braço ou no rosto, apuros para conversar, perda da visão, tontura…
  • Ao notar qualquer um desses sinais, entre em contato com o Samu pelo número 192.
  • Só vá ao hospital de carro se não tiver uma ambulância disponível.
  • Se passou pelo AVC, nunca abandone as sessões de reabilitação. Elas abrandam as sequelas.
  • Geralmente o médico prescreve alguns remédios. Não deixe de tomá-los!
  • Nunca é tarde para adotar hábitos saudáveis. Eles ajudam a evitar um segundo derrame.

O que cobrar das autoridades

  • A implementação de políticas que estimulem hábitos saudáveis desde a infância.
  • A formação de uma boa infraestrutura para a prática de exercícios.
  • A elaboração de leis contra o fumo e o consumo desmedido de sal.
  • A realização de campanhas para a população que abordem os sintomas citados acima.
  • Serviços de emergência bem capacitados em todas as cidades.
  • A construção de novas unidades de AVC em todas as regiões do país.
  • A aprovação de novos remédios e cirurgias modernas pelas agências regulatórias.
  • A incorporação desses tratamentos no SUS.
  • Serviços de reabilitação com capacidade de atender à demanda.

Um app pelo bem do cérebro

A Rede Brasil AVC criou um aplicativo com todos os tópicos relevantes sobre a condição. Disponível gratuitamente para download em aparelhos com sistema Android ou iOS, ele agrega informações como sinais de alerta, testes e dicas para diminuir o risco do problema no futuro.

“Além disso, o programa faz chamadas para o Samu e notifica o usuário sobre os serviços de emergência que estão perto de sua localidade”, diz a médica Sheila Martins.

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